Em meio a crise na saúde, hospital em Natal tem equipamentos encalhados para dez leitos de UTI
Mesmo enfrentando uma grave crise pela falta de leitos em hospitais, o Estado do Rio Grande do Norte tem equipamentos de alta complexidade que poderiam abrir dez novas vagas em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) neonatal.
Enquanto o material está guardado no Hospital Dr. José Pedro Bezerra, conhecido como Hospital Santa Catarina, a própria unidade e outras maternidades públicas registram superlotação nas UTIs neonatal e pediátrica.
Segundo denúncia de profissionais que atuam no hospital, os equipamentos custaram cerca de R$ 1 milhão e estariam sem uso desde que foram enviados pelo Ministério da Saúde, há cerca de dois anos.
Os equipamentos são incubadoras, berços aquecidos, aparelhos de ventilação mecânica, equipamentos de fototerapia, entre outros, que dariam “tranquilamente para abrir mais dez de leitos de UTI neonatal”.
“Muitos deles já estão danificados porque nunca foram usados e estão enferrujados”, disse o médico anestesista Madson Vidal. Segundo ele, a justificativa da direção do hospital por que os equipamentos estão encostados seria “a carência de pessoal para atender à demanda com os dez novos leitos de UTI neonatal.”
“Se esses leitos entrassem em uso, muitas vidas poderiam ser salvas. Convivo com a angústia de pais que estão com filhos correndo risco de morte à espera de um leito de UTI”, disse Vidal.
Outros profissionais que atuam no Santa Catarina denunciaram também que há problemas nos estoques do hospital e “faltam desde o álcool 70% para esterilização, gaze, agulhas e remédios”.
Na noite do último domingo (20), o UOL registrou problemas de falta de vagas na UTI dos hospitais Januário Cicco e Maria Alice. Naquela noite, seis bebês e duas crianças ficaram à espera de leitos de UTI nas duas unidades hospitalares.
Na segunda-feira (21), os diretores dos hospitais informaram que dois bebês e uma criança continuavam à espera leitos de UTI – os demais foram transferidos para outras unidades ou melhoraram o estado de saúde e foram para enfermarias.
O presidente do Sinmed/RN (Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte), Geraldo Ferreira, afirmou que já recebeu denúncias formais sobre as más condições de trabalho dos médicos nos hospitais Santa Catarina, Maria Alice e Januário Cicco, entre outros da rede pública, e foram registradas em um relatório que será entregue às delegacias dos bairros de cada hospital para instauração de inquérito policial.
“Os profissionais ficam entre a cruz e a espada, pois se eles se recusarem a atender o paciente por falta de estrutura [seguindo a orientação do código de ética médica] podem ser processados por omissão de socorro”, afirmou.
Justiça determina ampliação
Nesta terça-feira (22), a 2ª Câmara Civil do TJ/RN (Tribunal de Justiça) determinou que Estado e município ampliem ou criem novos espaços para aumentar a oferta de leitos em UTIs neonatal, pediátrico e adulto.
O desembargador João Rebouças afirmou que Estado e município recebem recursos federais para gerir de forma plena o SUS (Sistema Único de Saúde), mas têm problemas na administração.
“Não se admite é que, por conta das ineficiências administrativas, o poder público, seja ele federal, estadual ou municipal, deixe de dispor de quantidade suficiente de leitos em UTI.”
Segundo a ação, existem 117 leitos de UTI adulto, pediátrico e neonatal em todo o Estado, enquanto “deveriam existir, no mínimo, de 300 a 360 leitos instalados, sendo que, destes, de 77 a 94 deveriam estar no município de Natal”.
“Nos autos do processo o Ministério Público informou que no Rio Grande do Norte existem apenas 363 leitos de UTI, sendo 246 em hospitais privados. Levando em consideração a portaria, a quantidade necessária seria de, pelo menos, 655 de leitos para o Esatdo.”
Justificativas
O gestor do Hospital Escola Januário Cicco, Kléber Morais, afirmou que a superlotação na UTI neonatal e a consequente espera de bebês para novas vagas “se trata de um problema cotidiano”.
“Estamos lotados por não podemos negar o atendimento a nenhuma gestante, mesmo que o hospital esteja lotado. Este problema não é só nosso, faz parte de uma cadeia, que começa na falta de orientação às mulheres para controle de natalidade ao pré-natal mal feito, que aumenta do número de partos de alto risco e bebês prematuros”, disse Morais.
O hospital Januário Cicco, que é gerido pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) em parceria com o governo do Estado, dispõe de 16 leitos de alto risco para mães e bebês.
O médico Wilson Cleto Filho, diretor do Hospital Maria Alice Fernandes, afirmou também que a falta de abertura de novos leitos e a alta demanda de partos prematuros superlotam a UTI da unidade.
“Um pré-natal bem feito iria diminuir internações de recém-nascidos que precisam de UTI. Também temos problemas com pacientes residentes, que ocupam leitos de UTI há vários anos, com doenças crônicas, sem perspectiva de evolução”, disse o médico.
Segundo ele, se existisse um espaço de semi UTI para cuidar desses ‘moradores’, as vagas aumentariam, pois a rotatividade em média de internação de bebês é de três a quatro dias numa UTI. O hospital Maria Alice possui dez leitos de UTI, sendo que um deles é ocupado há seis anos por uma criança, internada desde o nascimento.
Medidas emergenciais
A Sesap (Secretaria de Estado da Saúde Pública) reconheceu a falta de insumos no estoque do hospital Santa Catarina e afirmou que “o abastecimento já está sendo normalizado e foram realizadas licitações emergenciais para resolver o problema”.
Por meio de nota, a Sesap negou a carência de funcionários no hospital, mas não explicou por que os equipamentos enviados pelo Ministério da Saúde para o hospital estarem sem uso.
A reportagem do UOL não conseguiu localizar o diretor do Hospital Santa Catarina, Isaul Jerino, nesta segunda e terça-feira (22), para que explicasse sobre os demais problemas denunciados.
O Estado informou ainda que existe um planejamento para melhorar o atendimento nos hospitais geridos pela rede pública estadual. A Sesap informou que há dez dias foi publicada, no “Diário Oficial do Estado”, a convocação de 127 profissionais da saúde para trabalharem nos hospitais Rui Pereira, Santa Catarina e Maria Alice Fernandes.
“A ação vai permitir a abertura de 25 leitos de Clínica Médica e 06 leitos de UTI no Hospital Rui Pereira. Serão abertos também 10 leitos de UTI neonatal no Hospital Santa Catarina e mais 15 leitos de médio risco.”
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