Tripulantes de navio acusados de lançar clandestino ao mar irão a júri popular no Paraná
A Justiça Federal de Paranaguá (98 km de Curitiba) mandou a júri popular cinco tripulantes do navio Seref Kuru acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de torturar e atirar ao mar o camaronês Wilfred Happy Ondobo, 28, a cerca de 15 km da costa paranaense, em junho deste ano.
Em sentença do último dia 29, o juiz federal Vicente de Paula Ataíde Júnior decidiu que os marinheiros Orhan Satilmis, Ihsan Sonmezocak, Mamuka Kirkitadze, Zafer Yildirim e Ramazan Ozdamar devem ser julgados por tentativa de homicídio qualificada.
O júri popular está previsto para 24 e 25 de outubro, em Paranaguá, informou ao UOL o procurador federal Alessandro José Fernandes de Oliveira, autor da denúncia contra os marinheiros – quatro deles turcos e um de nacionalidade georgiana.
Satilmis, identificado por Ondobo como seu principal agressor, também irá responder por tortura e crime de racismo. Se considerados culpados, os réus podem ser condenados a até 20 anos de prisão, pelo crime de tentativa de homicídio, a até oito anos, por tortura, e a até três anos e multa, por racismo. Nesse caso, deverão cumprir pena no Brasil.
O capitão do navio, o turco Coskun Çavdar, que em 17 de agosto tivera acatada denúncia oferecida contra ele pelo MPF por tentativa de homicídio e tortura, foi retirado da lista dos réus na sentença proferida no dia 29.
“O juiz concluiu que não há provas para indiciá-lo. Em todos os depoimentos da vítima, há uma única contradição, justamente no reconhecimento do capitão. Wilfred aponta quem considera o capitão do navio como um dos outros acusados”, disse Oliveira.
Os outros 13 tripulantes do navio, também denunciados pelo MPF, não foram incluídos pela Justiça entre os réus. Por conta disso, o procurador apresentou recurso, ainda não julgado. Mas o próprio procurador se diz cético quanto à possibilidade de que o recurso recoloque Çavdar entre os indiciados, justamente pela falta de provas.
Na sentença de 29 de setembro, o juiz Ataíde Júnior determina a “imediata devolução do passaporte e demais documentos [ao capitão do navio], para que possa retornar à sua pátria”. Os outros 13 tripulantes já haviam sido autorizados a deixar o país.
Os cinco tripulantes que irão a júri popular e o camaronês são mantidos em Paranaguá sob vigilância de uma empresa privada, custeada pela agência marítima que contratou o Seref Kuru.
“Wilfred também é vigiado, pois sua situação interessa ao processo. A única diferença é que ele não esboça contrariedade em permanecer no Brasil”, disse o procurador.
Entenda o caso
Ondobo disse às autoridades brasileiras que entrou clandestinamente no navio no porto de Douala, nos Camarões, no dia 13 de junho. Dias depois, sem água e comida, resolveu se entregar a tripulação.
Segundo a denúncia do MPF, a partir daí Ondobo afirmou ter sido agredido verbal e fisicamente, além de ser privado de sono e mantido em uma pequena cabine. Nos depoimentos, relatou chutes no peito e tapas no rosto que o teriam deixado desacordado.
Satilmis, que foi denunciado por racismo pelo MPF, teria dito a Ondobo que “não gostava de preto”, que para ele são “todos animais”. Durante o tempo em que permaneceu encarcerado a bordo, o camaronês recebia duas refeições diárias. À noite, tripulantes batiam na porta e na janela para evitar que ele dormisse.
Após 11 dias a bordo, por volta das 19h, Ondobo relatou ter recebido uma lanterna e 150 euros da tripulação e foi obrigado a saltar do navio. No mar, ele permaneceu por 11 horas à deriva boiando sobre um palete, estrutura de madeira usada no transporte de cargas que lhe foi atirado pela tripulação, até ser resgatado por um navio que vinha do Chile.
Em depoimentos à Polícia Federal, a tripulação do navio tentou negar o crime, mas indícios – como uma foto escondida por Ondobo no local onde foi mantido encarcerado – comprovaram a presença do camaronês a bordo.
Em 10 de agosto, mesmo dia em que a denúncia contra os 19 tripulantes do Seref Kuru chegou à Justiça, o navio, de bandeira da Ilha de Malta e agora sob o comando de uma nova tripulação, deixou o porto de Paranaguá, carregado com 11 mil toneladas de açúcar, rumo ao porto de Douala, nos Camarões.
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