‘Mercado’ demanda sacrifício de idoso, escola e hospital para paz com Lula
Lula tinha razão nas críticas aos juros altos e ao comportamento político do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Mas ao se estender nessa cruzada (a falta que José Alencar faz...) acabou mordendo a isca da nuvem de gafanhotos do capital especulativo. Agora, tudo o que ele diz sobre o assunto é usado para derrubar o real. E sua irritação e insistência sobre isso só realimenta o processo.
O dólar está subindo em todo o mundo, mas o real está desvalorizando mais do que outras moedas. Com PIB subindo, desemprego caindo, renda crescendo e inflação dentro da meta, não haveria razão para uma alta do dólar desse porte. Mas ela ocorre.
As críticas à política de juros e ao câmbio e a falta de ações para fechar as contas públicas geram incerteza para grupos de investidores sobre o futuro da política monetária? Sim. Mas o que está acontecendo agora é também uma galera alucinada que quer cascalho. Uma parte dos especuladores espera salivando as declarações diárias de Lula para tentar faturar em cima. E vai conseguindo.
Em meio ao caos, ressurge o discurso de que o governo deveria cortar gastos públicos para demonstrar boa vontade e alcançar a paz derradeira. Sim, o mercado demanda um sacrifício. Não demandou quando o governo anterior pedalou nos precatórios, mas o ministro achava um absurdo empregada doméstica na Disney, então tudo bem.
Quando perguntamos a Lula, na entrevista do UOL, sobre as desvinculação do salário mínimo de pensões e do Benefício de Prestação Continuada (o valor pago a idosos miseráveis), e ele foi categórico, dizendo que não faria isso nem que vaca tussa, muita gente surtou (ou, teatralmente, diz que surtou). Quando ele não se comprometeu a mudar o piso constitucional de educação e saúde, também.
Agora, joga-se isso de novo na mesa, afirmando que são as provas de responsabilidade que o governo precisa dar para acalmar os ânimos. Ou seja, rifar a qualidade de vida da população mais pobre que depende de papel higiênico na creche, gaze e aspirina no posto de saúde e o arroz e o feijão comprados com o BPC.
É mais fácil encontrar gente poderosa defendendo limitar o orçamento para escolas e hospitais públicos e desvincular do salário mínimo pensões e benefícios sociais do que achar quem empunhe a bandeira de taxar decentemente os super-ricos, tornar o Imposto de Renda de fato progressivo, reduzir subsídios e desonerações. Cada um por si e Deus acima de todos.
Como já disse aqui, isso não surpreende, apenas preocupa pela possibilidade de faltar óleo de peroba no Brasil.
Governos precisam ser cobrados a fazer gastos racionais, eliminando aqueles desnecessários ou que privilegiam castas. Boa parte do debate público, contudo, deliberadamente "esquece" da desoneração - esse gasto público que está protegido por bancadas e grupos de lobby no Congresso e na mídia.
A interrupção do falatório do presidente da República pode amenizar o quadro, mas não vai resolver o problema. O mercado vai continuar demandando um sacrifício. Do tamanho de mais da metade da população, que ganha até dois salários mínimos, e precisa do Estado para sobreviver.