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Juiz diz que mães adotivas têm distorcido informações sobre crianças retiradas à força na Bahia

Anderson Sotero

Do UOL, em Salvador

26/01/2013 17h05

O juiz Luís Roberto Cappio disse, em entrevista ao UOL neste sábado (26), que a filha caçula de Silvânia Mota da Silva, de dois anos de idade, não está internada nem corre risco de morte, como foi afirmado por uma das mães adotivas, a médica paulista Letícia Fernandes.

Cappio foi responsável por revogar a guarda provisória de cinco crianças retiradas à força de Monte Santo, na Bahia, e determinou que elas fossem reencaminhadas para a mãe biológica, Silvânia Mota da Silva. Ele também destacou que Letícia pode ser processada criminalmente. "Ou ela muda ou fica difícil. Ela vai dizer que eu estou do lado de alguém, mas estou analisando somente os fatos. Tenho obrigação como juiz de controlar tudo isso”, complementou.

Onde fica

  • Arte UOL

    Monte Santo está a 352 km de Salvador

Segundo ele, a médica pode responder pelos crimes de calúnia, difamação, injúria, quadrilha, desobediência à decisão judicial, falsidade ideológica, uso de documento falso, documentação falsa de crime, pertubação de tranquilidade (lei das contravenções penais) e pelo embaraço da atuação de autoridade judicial (Estatuto da Criança e do Adolescente). "Ela está sujeita a responder por todos esses crimes. Só para começar porque existem outros que estão sendo investigados em sigilo", destacou Cappio.

No entanto, ainda não existe processo contra a médica. "Mas ela está implorando por isso. Envia documentos falsos para a imprensa para comunicar falsamente um crime. Isso é muito sério. Entendo a dor dela, mas ela está provocando um terceiro momento de dor", emendou o juiz.

Ele tem acompanhado o caso "de perto", em suas palavras, inclusive as declarações da mãe adotiva. Segundo Leticia, a caçula está internada e correndo risco de morte.

“Nada disso é verdade. Nem uma gota. A menina teve algum problema, mas foi nas mãos de Letícia. A garota está sendo medicada. Esse probleminha do ouvido [uma infecção], se foi causado, foi por negligência da própria Letícia. Há documentos que comprovam que, quando Silvânia [a mãe biológica] recebeu a criança, já existia esse problema. A Letícia e as demais [mãe adotivas] têm distorcido as informações e manipulado as redes sociais e a opinião pública”, disse o juiz.

“Silvânia tem sido uma excelente mãe. Tem se superado. Essas pessoas querem me persuadir, mas quanto mais manipulam os fatos, pior a situação fica. Estou acompanhando de perto o comportamento de ambas as partes."

Segundo ele, o processo de adoção das crianças está em fase de instrução, e o julgamento deve ocorrer em um mês.

Infecção no ouvido

Já a dona de casa Silvânia, 25, disse que a menina está em casa com ela. “Ela não está internada. Já veio com uma infecção de São Paulo [onde morava com Letícia]. Ela colocou o dedo no ouvido e começou a sangrar, mas está melhor”, contou à reportagem.

Há 52 dias, as crianças estão com Silvânia. Na quinta-feira (24), Letícia, que perdeu a guarda provisória, disse que S., 2, estaria internada e “correndo risco de morte”, informação que ela teria obtido por mensagens de celular de moradores de Monte Santo.

Silvânia rebateu as acusações. “O doutor Orlando receitou um medicamento, um antibiótico por sete dias, e ela está tomando. Ele disse que vai explicar direito o que é na segunda-feira. Uma filha do prefeito esteve aqui e disse que vai conseguir um médico pago”, acrescentou Silvânia.

A criança foi atendida no Hospital Municipal Monsenhor Berenguer, em Monte Santo. O promotor do Ministério Público da Bahia que está no caso, Luciano Taques, esteve na cidade para verificar o que ocorreu, segundo a mãe biológica. A assessoria do Ministério Público Estadual da Bahia foi procurada pelo UOL para confirmar a informação, mas não foi localizada.

Uma petição pública já reuniu mais de 6.000 assinaturas para tentar levar o caso a Brasília para que seja julgado por uma instância superior. O abaixo-assinado deverá ser apresentado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que acompanha o processo desde o início das investigações. Letícia foi procurada pelo UOL, mas não foi localizada.

“O que está acontecendo é um verdadeiro agouro para atender o desejo de mulheres que querem ser mães, mas tem várias crianças para serem adotadas. Elas estão torcendo para que as crianças fiquem mal e não estando buscando a verdade porque não querem. Isso não é amor de mãe. É egoísmo”, ressalto a advogada de Silvânia, Isabella Costa Pinto.

Vigilância

Silvânia disse também que, desde o retorno com os filhos para a cidade natal, a readaptação tem sido “difícil” por causa de uma vigilância constante. “Aqui ficam tirando fotos. A gente leva no hospital e fica todo mundo em cima querendo saber. Não dá nem para andar pela cidade”, diz.

Sobre os outros quatro filhos, Silvânia diz que está “tudo bem”. “Os outros estão bem. Já passaram por médicos. Todos estão matriculados. Está difícil porque as crianças ficam brigando, mas já estão me obedecendo”, complementou.

O caso

Os cinco irmãos, quatro meninos e uma menina, foram entregues em regime de guarda provisória aos pais adotivos paulistas em junho de 2011, por determinação do então juiz de Monte Santo, Vitor Bizerra, que considerou que os menores eram negligenciados pelos pais e estavam em situação de risco. Bizerra disse ainda que os pais biológicos eram usuários de drogas.

Após denúncia de órgãos baianos de defesa do direito da criança e do adolescente, o caso passou a ser reavaliado com o atual juiz de Monte Santo, Luís Cappio, que revogou a guarda provisória das famílias paulistas.

Em outubro do ano passado, quando o caso veio à tona, as famílias de São Paulo foram acusadas de tráfico de crianças. Porém Cappio afirmou que não há provas que indiquem o crime. Todos os envolvidos foram ouvidos na CPI da Câmara e do Senado que investiga o tráfico de pessoas.

No final de novembro, Cappio determinou o retorno das crianças à Bahia após um período de 15 dias na ONG Aldeias Infantis para um processo de reaproximação com a mãe biológica. As crianças foram entregues à Justiça no dia 4 de dezembro.

As crianças ficaram por um período de 15 dias na ONG Aldeias Infantis para um processo de reaproximação com a mãe biológica.