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Fiscais de Santa Maria devem depor contra prefeito no caso da boate Kiss

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Santa Maria (RS)

04/02/2013 06h20

Uma mistura de jogo político e benevolência com o empresariado local permitiu que uma casa noturna como a Kiss funcionasse com a anuência da prefeitura de Santa Maria (RS), cujo gabinete do prefeito está a apenas dois quarteirões da boate. A informação é dada por fiscais municipais, que preferem não se identificar por temerem retaliações administrativas por parte de seus superiores.

Prefeito de Santa Maria diz que punirá fiscal que não depor

O UOL apurou que, em caso de convocação policial, muitos desses servidores públicos estão dispostos a dar depoimento para denunciar a falta de estrutura do município para vistoriar o comércio, incluindo aí os locais de entretenimento.

Três deles afirmaram que têm de usar veículos próprios para se locomover até o local da vistoria, dado que os vários carros pertencentes à prefeitura estão quebrados.

O prefeito Cezar Schirmer (PMDB) nega que isso tenha acontecido e diz que a prefeitura cumpre suas vistorias anuais nos estabelecimentos e age também quando há denúncias de terceiros.

Ele afirma confiar em depoimentos favoráveis e anuncia punições se algum se opuser. “Qualquer fiscal, como qualquer servidor público, que se negar a dar depoimento, eu abro uma sindicância. Ele tem que dar todas as informações ao público, ainda mais pela dimensão dessa tragédia”, afirmou o prefeito.

PERGUNTAS A SEREM RESPONDIDAS

A boate poderia funcionar com apenas uma saída de emergência?Por decreto não poderia. Mas então por que o Corpo de Bombeiros concedeu o alvará de funcionamento?
Onde estão as imagens do sistema de segurança?Os primeiros depoimentos dão conta de que a gravação não estaria funcionando
Os seguranças impediram os clientes de sair da boate sem pagar a comanda?As informações iniciais dizem que isso pode ter ocorrido antes de eles se darem conta de que estava acontecendo o incêndio
A reforma recente na boate pode ter contribuído para causar o incêndio?O teto pode ter sido rebaixado, o que colocaria o material pirotécnico mais próximo de um isolamento acústico altamente inflamável. O delegado que chefia as investigações disse que a casa noturna havia feito reformas "ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco dos proprietários"
Por que os extintores não funcionaram?A polícia diz que os extintores podem ter sido falsificados
A iluminação de emergência funcionou corretamente?Polícia investiga hipótese de as pessoas terem ficado presas no banheiro por não conseguirem enxergar a saída por falta de sinalização adequada e excesso de fumaça
Donos permitiram a superlotação?O local, segundo os bombeiros, comportaria 691 pessoas. Mas polícia estima que mais de mil estavam presentes na hora do incêndio. Os donos da boate, porém, dizem que não havia mais de 650 pessoas

Os fiscais ouvidos pelo UOL falaram em “pressão política” para evitar fechar grandes locais de comércio na cidade, para não haver desgaste com o empresariado local.

Segundo eles, as inspeções nos grandes imóveis aconteciam, mas há “uma vista grossa” para detalhes do funcionamento das casas.

Prefeitura e bombeiros vivem atualmente um jogo de empurra-empurra sobre quem é o principal responsável pela boate Kiss funcionar nas condições que possibilitaram um incêndio que matou mais de duas centenas de jovens no dia 27 de janeiro.

Aí entra no meio uma disputa entre o PMDB (do prefeito Schirmer) e o PT (do governador Tarso Genro), partidos que são rivais locais, apesar de irmanados no cenário nacional.

Por meio de um convênio, a prefeitura de Santa Maria cedeu desde 1997 o programa de fiscalização e prevenção de incêndios para o Corpo de Bombeiros, que faz parte da Brigada Militar, a polícia militar do Estado. Verbas municipais são endereçadas aos bombeiros anualmente para eles darem conta da responsabilidade.

Segundo Schirmer, os bombeiros têm autonomia para fechar comércios. Por seu lado, bombeiros chegaram a denunciar para o Ministério Público que não conseguiam impor sanções para estabelecimentos irregulares porque os empresários ignoravam as recomendações dadas e não atualizavam seus alvarás.

O promotor público João Marcos Adede y Castro assinou uma requisição em  7 de julho de 2011 em que pedia uma vistoria na boate Kiss para verificar a situação  sanitária e de combate a incêndio na casa noturna. A denúncia que gerou essa petição partiu de um bombeiro, segundo o promotor.