Topo

Processado por maus-tratos em pesquisa, veterinário deve pagar R$ 8 mil

Cachorro que participou da pesquisa de doutorado na UFSM  - Jean Pimentel/Agência RBS
Cachorro que participou da pesquisa de doutorado na UFSM Imagem: Jean Pimentel/Agência RBS

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

06/11/2014 21h01

Um veterinário firmou acordo com a Justiça depois de ser processado por maus-tratos durante um experimento de doutorado na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul. O doutorando colocou placas de titânio para uso humano no lugar das mandíbulas e maxilares de 12 cães saudáveis. Os animais foram mutilados e cinco morreram.

Em maio deste, o MPF (Ministério Público Federal) ofereceu denúncia contra o veterinário, que foi aceita pela Justiça Federal. Ele foi processado criminalmente, mas aceitou um acordo proposto pelo próprio MPF para reverter a pena em pagamento de R$ 8 mil. O dinheiro deverá ser encaminhado para uma instituição que cuida de animais abandonados na cidade. Nesta semana, o juiz federal Loraci Flores de Lima homologou o trato.

As denúncias de maus-tratos envolvendo o veterinário tiveram início ainda em 2012, quando estudantes, funcionários e professores da UFSM procuraram um jornal da cidade, revelando fotografias dos animais supostamente abandonados no canil do hospital veterinário depois de operados. Relatos de falta de alimentação, de medicamentos, de acompanhamento médico e de higiene geraram uma investigação da PF (Polícia Federal). 

Experiência

Em sua experiência de doutorado no curso de pós-graduação de medicina veterinária da UFSM, o estudante criava e testava placas de titânio para recompor mandíbulas e maxilares de cães que tivessem os ossos comprometidos por câncer. Doze animais saudáveis tiveram parte ou toda a mandíbula retirada para os testes. Sete tiveram sequelas permanentes e cinco foram sacrificados.
 
Durante a investigação, a PF ouviu algumas testemunhas. A então coordenadora da Comissão de Ética da Faculdade de Veterinária da UFSM informou que recebeu denúncia de veterinárias sobre a situação irregular no cuidado pós-operatório dos animais. 

Uma médica veterinária afirmou aos investigadores que, em maio de 2012, um estagiário da pesquisa pediu ajuda para tratar uma cadela do experimento que havia tido filhotes. O animal estava em situação precária, com fome e com a boca totalmente contaminada. Ela disse ainda que o doutorando havia se mudado para Santa Catarina, deixado o projeto de lado e os cães sob cuidados dos estagiários. 

Um funcionário do Hospital Veterinário declarou no inquérito que, depois das cirurgias, os animais iam para o canil. Lá, eles recebiam ração endurecida, mas não conseguiam movimentar as mandíbulas para comer nem tomar água. Ele comentou ainda que não havia material para a higienização das gaiolas.

Em sua denúncia, o MPF informou à Justiça que o veterinário "não apresentou justificativa para que as instalações experimentais ocorressem em animais saudáveis". E completou: "Após a instalação das referidas placas, os animais permaneceram trancafiados em gaiolas sem cuidado de higienização, expostos às próprias urina e fezes e sem acompanhamento clínico, sendo-lhes fornecida alimentação inadequada [ração seca], o que ensejou o surgimento de estado infeccioso na boca".

Na ocasião, o estudante se defendeu, dizendo que os cães estavam sob os cuidados de 12 pessoas (ele, quatro doutorandos, três mestrandos e quatro bolsistas da graduação). Segundo o veterinário, no pós-operatório, os animais teriam ficado cerca de uma semana recebendo medicação diariamente, e que eram alimentados por sonda com ração umedecida e batida no liquidificador.

O UOL tentou sem sucesso localizar o veterinário para comentar a decisão judicial. O responsável pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Veterinária da UFSM não respondeu aos telefonemas da reportagem.

Já o CRMV-RS (Conselho Regional de Medicina Veterinária) informou que vai encaminhar o caso para sua comissão de ética avaliar. "Não recebemos nenhuma denúncia formal contra este profissional. Além disso, é de praxe o MPF nos informar quando conclui uma apuração e verifica indícios de maus tratos ou qualquer tipo de irregularidade, o que ainda não ocorreu", explica o presidente do CRMV-RS, Rodrigo Lorenzoni.

Mas o presidente completa: "Não vou esperar esse comunicado e estou encaminhando as notícias que saíram na imprensa para a comissão de ética e bioética se manifestar sobre a possibilidade de, diante das normas técnicas e da legislação interna, fazer a instauração de um processo ético". Em 30 dias a comissão deve se manifestar sobre o caso.