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Sem novidade e na pressa, deputados de SP propõem leis para economizar água

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

14/11/2014 06h00

Desde o agravamento da crise hídrica em São Paulo, os deputados da Assembleia paulista quintuplicaram a quantidade de propostas de lei com medidas para a economia de água no Estado.

Não que isso seja muito. O número passou de apenas um projeto apresentado em 2013 para cinco até a última quinta-feira (13), de acordo com levantamento do UOL na base de dados da Assembleia Legislativa de São Paulo. Neste ano, a Casa já acumula mais de 1.350 proposições de seus legisladores sobre diversos assuntos.

Apesar do aumento na produção, especialistas consultados pelo UOL mostram que as propostas não apresentam novidades. “Elas são aplicáveis, mas poderiam ser muito mais abrangentes”, analisa o especialista em recursos hídricos e professor do departamento de engenharia civil da Unesp Jefferson Nascimento Oliveira. $escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-lista','/2014/crise-hidrica-1413904415562.vm')

Professor da PUC-SP, especialista em gestão pública e secretário-executivo dos serviços de água e esgoto da cidade de São Paulo, Ricardo Gaspar acredita que as “iniciativas são positivas, mas que a cada um compete diminuir o seu consumo”.

Com propostas feitas em poucas páginas --o maior projeto tem a sugestão descrita em duas--, os temas vão da obrigatoriedade do reaproveitamento da água da chuva ao incentivo para o uso de produtos biodegradáveis na lavagem de veículos. Em 2013, a solitária proposta versava sobre captação da água da chuva em projetos arquitetônicos do governo paulista.

Os projetos deste ano foram apresentados entre agosto e outubro, no auge da crise hídrica. Para o deputado Aldo Demarchi (DEM), autor de uma das propostas, há uma explicação: "A dor ensina a gemer, como a gente diz no interior", afirmou ao UOL. "Nós temos de fazer algo no sentido de economizar água", comentou o parlamentar, que vê os projetos de lei como "um instrumento legal para fazer isso".

Autora de duas das outras propostas, a deputada Beth Sahão (PT) também diz que gostaria de ter feito sua proposta antes da crise. "Mas não imaginávamos que a situação iria chegar a esse ponto."

Análise

A pedido do UOL, Oliveira e Gaspar analisaram as propostas que os parlamentares apresentadas nos últimos meses. O deputado Luiz Carlos Gondim (SD), por exemplo, sugeriu um programa de identificação, proteção e preservação das nascentes em território paulista. A medida também daria incentivos e benefícios fiscais para o proprietário do terreno em que elas estão localizadas.

"Nós estamos nos autodestruindo e precisamos fazer com que haja a manutenção das nascentes. O importante é fazer", diz o deputado, que já havia proposto um projeto de lei que "coibiria o uso não racionalizado da água" em 2003. Aprovada por seus pares, a proposta foi vetada em 2008 pelo então governador José Serra (PSDB), que argumentou que o tema era de ordem municipal, não estadual. Serra justificou dizendo que, segundo a Constituição, cabe ao município “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local”. 

O projeto de 2014, além da identificação das nascentes, também prevê que o terreno ao redor da nascente, em um raio mínimo de 50 metros quadrados, deveria ser cuidado com a recuperação ou conservação da vegetação do local. O professor Oliveira, apesar de elogiar a ideia de Gondim, ressalva que, mais do que sugerir uma metragem de preservação, é necessário analisar o local onde está a nascente. “Há algumas que estão em terreno de escarpa, em declive, em que um raio mínimo não seria possível.”

A proposta de Gondim também seria difícil de ser executada por um outro motivo, como aponta o geólogo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) José Luiz Albuquerque Filho. "É muito difícil realizar um levantamento de todas as nascentes do Estado. O que o poder público faz é levantar quais são as nascentes em mananciais importantes que precisam ser protegidas", observa. "Mas fazer o mapeamento de todas as nascentes é muito extenso, porque a nascente nada mais é que o ponto onde um lençol freático aflora na superfície; são muitas nascentes em todo o Estado." Ao UOL, Gondim disse que não realizou estudos sobre a questão das nascentes. "Mas nós temos que fazer alguma coisa urgente."

A seco

Outra proposta cria incentivos para o uso de produtos biodegradáveis na lavagem e higienização a seco em veículos. Ela é de autoria do deputado estadual Campos Machado (PTB), que diz acreditar que a medida pode gerar uma redução de 320.000% de consumo de água no Estado. Para a conta, ele considera que, no mínimo, são gastos 80 litros de água para lavar um veículo. Como há 26.458.018 deles em São Paulo, seriam usados mais de 2 bilhões de litros de água para lavá-los, comenta o parlamentar em sua justificativa.

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O professor Oliveira observa que esse tipo de economia de água, contudo, pode gerar dois problemas. “Com os panos da lavagem a seco, descartados, você gera resíduos. E a água economizada com a lavagem do carro poderá ser gasta em quantidade muito maior na confecção desses panos”. Já Gaspar vê que a fiscalização dessas propostas é “difícil”, observando que elas “geram obrigações sem criar os meios e os mecanismos para fiscalizar”. “Faz parte de um entendimento errôneo sobre o papel de um projeto de lei. Alguns, talvez, são pouco exequíveis e não vão resolver o problema”, fala o professor da PUC-SP.

O deputado Campos Machado, porém, defende sua proposta, feita em um "período de urgência". "Como o sinal de alerta já tocou no horizonte, acho que o projeto é importantíssimo [para o momento]", comentou o parlamentar, que afirma ter apresentado o projeto depois de ter certeza sobre sua sustentabilidade. "E é um projeto altamente viável. Pense na falta de água de amanhã também, não só na de hoje. Estamos pensando na falta de água de 2015, 2016". Ao UOL, Machado disse que irá fazer um requerimento de urgência na Assembleia paulista para que seu projeto seja votado até o final de novembro.

Gasto menor

O gasto hídrico em prédios públicos e o reaproveitamento da água de chuva foram temas, por duas vezes, de projetos da deputada estadual Beth Sahão (PT). No projeto publicado em 25 de outubro, ela sugeriu que novos prédios e moradias do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) tenham instalados um sistema de captação para aproveitar a água não potável em limpeza, irrigação e em vasos sanitários. Um dia antes, em 24 de outubro, Sahão havia publicado uma proposta semelhante, mas que se aplicava a todos os edifícios da administração estadual.

O especialista em recursos hídricos, porém, questiona: “E quando não tem chuva?”. Para Oliveira, é importante não só que haja uma linha de reaproveitamento de água na estrutura do edifício, mas que sejam aplicadas medidas para ajudar a racionalizar o consumo. “Por que não criar leis que facilitem os novos empreendimentos a economizarem água?” Sobre o comentário do especialista, a deputada observa que seus projetos "podem receber emendas, esse tipo de contribuição".

Os prédios públicos também protagonizam o projeto do deputado Aldo Demarchi (DEM), mas sua sugestão é para a substituição dos equipamentos de banheiro por modelos mais econômicos, como torneiras temporizadoras e vasos sanitários que utilizem 6 litros de água em uma descarga. “O uso racional, em todos os sentidos, é prioritário”, avalia o professor da Unesp. “Mas não é só o reúso, é observar o uso que as pessoas fazem da água para conter as perdas que se tem e deslumbrar o todo da questão. O importante é a mudança de pensamento."

Para o professor Gaspar, da PUC-SP, a sociedade encontra-se nessa crise hídrica pelo fato de as propostas de economia de água não terem surgido antes. “A prioridade agora é economia de água. Talvez seja interessante instituir uma progressividade em tarifas, aumentando o valor [da conta] nas faixas de maior consumo e reduzindo-o nas de menor”, sugere.

Atualmente, os cinco projetos estão em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo. Os dois da deputada Beth Sahão foram anexados ao 180/2005, que trata da criação do programa de captação da água da chuva, o qual está à espera de discussão no plenário da Casa. Os outros três tramitam pela Comissão de Constituição e Justiça e passarão por outras antes de ser votada pelos deputados paulistas. Não há previsão sobre quando os cinco projetos possam ser levados à votação no plenário da Assembleia.$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-infografico','/2014/calculadora-de-gasto-de-agua-em-banho-1405967726263.vm')