Açudes no Ceará devem priorizar zonas rurais afastadas, dizem especialistas
Desde os anos 1990, o Banco Mundial financia programas no Ceará como o Prourb (Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos), seguido pelas duas etapas do PROGERIRH (Projeto de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do Estado do Ceará) nas décadas seguintes.
O objetivo é fomentar o desenvolvimento da infraestrutura hídrica (com a construção de açudes, adutoras e eixos de integração entre bacias hidrográficas) e a formação de um corpo técnico para gerir o sistema, que deve destinar água ao abastecimento humano e ao desenvolvimento econômico.
Os projetos se ancoram – ou deveriam se ancorar – não apenas nas obras, mas na eficiência de gestão de recursos hídricos, como explica o professor de engenharia hidráulica e ambiental da Universidade Federal do Ceará Francisco Assis de Souza Filho, ex-gerente de Planejamento Técnico da COGERH (Companhia de Gestão de Recursos Hídricos) e responsável pela coordenação técnica dos projetos do Banco Mundial na primeira fase do PROGERIRH e em programas mais antigos como o Prourb e Proágua.
“O investimento mais intensivo é na construção de infraestrutura. Mas também há uma lógica constante de promoção do gerenciamento dos recursos hídricos, principalmente a partir da criação de um arcabouço institucional, jurídico e organizacional. O que transparece nos projetos do Banco Mundial é que, no longo prazo, essa capacidade institucional de gerir os recursos hídricos é que vai fazer a diferença”, afirma.
Segundo ele, o Ceará é hoje um modelo de gestão hídrica no semiárido. Uma afirmação dificilmente aceitável pelos moradores de Gameleira.
A lei brasileira que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (9.433, de 8 de janeiro de 1997) estabelece que “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”.
Mas é a falta de democratização do acesso à água o principal problema da gestão de recursos hídricos no Ceará, segundo ONGs e movimentos sociais locais. Marcos Vinicius Oliveira, presidente da ONG Esplar (Centro de Pesquisa e Assessoria), que desde 1974 atua no apoio à agroecologia e à agricultura familiar no Estado, explica: “A água para o agronegócio deveria ser sobretaxada, hoje ela é quase de graça. Os grandes reservatórios não deveriam ter sido feitos; deveriam ter sido feitos mais reservatórios médios ao longo da bacia para facilitar o acesso a essa água para as comunidades”.
O resultado é que “aqueles que efetivamente mais sofrem com a seca”, as famílias que moram em área rural e representam mais de 50% da população do Nordeste, não têm acesso à água, como afirma Cristina Nascimento, da ASA (Articulação pelo Semiárido Brasileiro), uma rede de organizações da sociedade civil. “A água está concentrada e não chega a esses lugares. Nós precisamos debater a democratização no acesso a essa água”, diz Cristina.
“A convivência com o semiárido demanda a garantia de água em essencial para as famílias que moram em áreas mais distantes, na zona rural. A cidade também precisa de água, mas nem sempre essas obras são pensadas de uma forma verdadeiramente planejada na perspectiva de chegar a todos”, ela explica, citando o caso do açude Gameleira, que fica no meio de uma área rural e deixou a população à míngua.
“Esse açude foi concluído no ano de 2013, em plena seca, e estocou uma boa quantidade de água [que] está servindo para a área urbana de Itapipoca, o que também é importante. Mas ainda não tem um projeto executado – há a perspectiva de ter, mas não foi efetivado – de uma adutora que leve água para as famílias rurais. As obras precisam ser pensadas também nessa perspectiva das famílias que lá vivem”, diz.
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