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Como ajudar na igualdade de gêneros? Não apenas falando, diz nova rabina de SP

Fernanda Tomchinsky-Galanternik, rabina da Congregação Israelita Paulista - Gabo Morales/UOL
Fernanda Tomchinsky-Galanternik, rabina da Congregação Israelita Paulista Imagem: Gabo Morales/UOL

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

28/03/2017 04h00

Carreiras como a da paulistana Fernanda Tomchinsky-Galanternik ainda são raridade. Psicóloga de formação, ela, aos 30 anos de idade, se tornou a primeira rabina da CIP - Congregação Israelita Paulista, na capital, que tem hoje 1.500 famílias associadas.

Fernanda não é a única brasileira com preparação para este cargo religioso nem a primeira mulher a assumi-lo no Brasil, mas é exceção na comunidade judaica, assim como em outros grupos monoteístas no país, a presença formal de uma voz feminina entre seus orientadores.

“Estamos muito alinhados, os outros [dois] rabinos e eu, mas existe uma sensibilidade com as pessoas que estão aqui e frequentando as cerimônias. As mudanças não podem ser feitas de um dia para o outro, as pessoas têm que se sentir bem aqui e se sentir em casa. Se sentirem que esse lugar é completamente alheio a elas, vão para outro lugar, ou vão para lugar nenhum e vão perder essa tradição”, ela diz.

No Estado de São Paulo, que tem a maior comunidade judaica no Brasil, Fernanda é a única mulher em atuação num grupo de 120 rabinos, segundo informações da Fisesp – Federação Israelita do Estado de São Paulo. O país tem cerca de 150 rabinos, dos quais ela é a única em atividade, e uma população de 120 mil judeus, segundo a Conib – Confederação Israelita do Brasil.

Em entrevista ao UOL, a rabina falou sobre o atual papel da mulher em uma sociedade patriarcal, como a brasileira, e dos desafios de simbolizar, com sua presença no rabinato, uma mudança de padrões.

Casada e mãe de uma menina de dois anos, a rabina Fernanda estudou o equivalente a sete anos e meio em Israel e na Argentina para se tornar uma conselheira religiosa. Fez a prova final em novembro de 2016 e tem como objetivo principal no seu trabalho “que as pessoas estejam no mesmo lugar, sejam homens ou mulheres”.

Ele "no papel" dela

Fernanda começou a trabalhar na CIP em agosto de 2016 e foi apresentada como integrante do rabinato em março deste ano. Ela está habilitada para fazer tudo o que um rabino homem faz: conduzir serviços religiosos e celebrar casamentos, orientar futuros casais e integrantes da comunidade de maneira bem pessoal, visitar doentes e hospitalizados são exemplos disso. Mas nem tudo ela assume, pelo menos por enquanto.

“Desde o começo do ano, tenho feito algumas atividades rabínicas, como conduzir partes do serviço religioso, fazer as prédicas, que é o sermão, a parte de conteúdo. Tem algumas outras coisas onde minha entrada tem um pouco mais de delicadeza”, ela explica.
 
“Por exemplo, acompanhar uma família no cemitério, talvez seja algo que ainda vai demorar um pouco, porque é um momento de sensibilidade muito grande. Não é o tradicional, e muitas pessoas têm muita dificuldade com: 'se isso não é o tradicional, talvez isso esteja errado'.”
 
Quando fala sobre a igualdade de direitos entre os gêneros, Fernanda defende, em especial, que tanto elas quanto eles possam escolher de que forma querem participar da sociedade.
 
“Esses dias, eu encontrei um homem na praça que estava com um carrinho de bebê. Ele me contou que deixou de trabalhar para cuidar do filho. É raro, mas já existe, você escuta por aí que isso acontece”, ela afirma, para apontar que também não se permite aos homens, muitas vezes, assumir funções que tradicionalmente seriam femininas.

Os dois movimentos, do homem e da mulher, têm de acontecer combinados para a sociedade enxergar que os dois têm a possibilidade de entregar muito ao mundo.

Para a rabina, enquanto estiver em transmissão a herança cultural que reforça o modelo “homens no trabalho e mulheres no lar”, será desafiador para todos se desfazerem das raízes desse estereótipo.

“Se a gente pensar na história da humanidade, é muito recente que a mulher tenha esse papel de protagonista social. De alguma maneira, os homens estão confortáveis na situação em que estão. Não podemos generalizar, mas a maioria dos homens não vai querer ficar em casa para cuidar dos filhos. A questão principal vem da criação e da sociedade.”

Liderança política x maioria

Casos recentes em que políticos de alta representatividade foram amplamente criticados pela forma como se pronunciaram sobre as funções da mulher --a exemplo do presidente Michel Temer e do líder norte-americano Donald Trump--, são avaliados pela rabina de maneira firme.
 
“É complicado quando pessoas que são eleitas por uma maioria têm um pensamento de falar que esse é o lugar da mulher [distanciado do homem], que claramente não condiz com a maioria. Não deviam pensar essas coisas [a respeito da mulher]. Se pensam, não deviam botar pra fora, porque são pessoas que representam homens e mulheres.”
 
Rabina Fernanda, da CIP - Congregação Israelita Paulista - Gabo Morales/Arte UOL - Gabo Morales/Arte UOL
Imagem: Gabo Morales/Arte UOL

Primeira em 80 anos

A CIP é a maior comunidade liberal judaica na América Latina, mas, em seus 80 anos de existência, somente no último ano e meio é que a mulher passou a ter protagonismo religioso na congregação, como explica a rabina. Fernanda entende que muitas pessoas esperem dela um discurso constante sobre a mulher, mas acha que os passos devem ser dados um por vez.

“Parte do meu objetivo de fazer com que todos estejam no mesmo lugar é empoderar as mulheres a se apropriarem dessa tradição e desse espaço. Talvez eu não precise fazer isso tão ativamente, no sentido de falar sobre isso, porque o fato de eu estar aqui, a minha presença, a minha participação já faz as pessoas 'saírem da caixinha'", afirma.

Coordenadora do departamento de ensino, a rabina acredita que ações cotidianas podem dar um novo significado ao valor de cada um. “Ficar falando do papel da mulher e não fazer na prática, é mais complicado. Temos que colocá-los [meninos e meninas] nas mesmas situações e diante dos mesmos desafios”, ela diz sobre os cursos de formação que comanda.

Não preciso falar nada, às vezes, para fazer os homens pensarem: 'Será que eu preciso continuar fazendo do jeito que os meus bisavós e avós fizeram?'. E para as mulheres imaginarem: 'Acho que eu posso dar mais um passo na apropriação da minha própria tradição'.

Não dá para negar, apesar disso tudo, que uma mulher no comando ainda cause estranhamento. A rabina nem sempre se sente tão empoderada quanto seu cargo representa.

“Como é novo para muita gente, já passei por algumas situações em que me disseram: 'É melhor você não subir hoje [para a área dos rabinos no serviço religioso], porque estão aí a família X e a família Y'. E tudo bem”, ela consente. "Tem algumas mudanças que vão sendo mais graduais.”