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PM flagrado ameaçando vizinho de morte em Bauru é absolvido na Justiça Militar

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

21/07/2017 17h08Atualizada em 18/08/2017 11h10

"Se essas imagens forem a público, vou matar vocês e, para mim, não vai dar nada", teria afirmado, segundo a Polícia Civil, um sargento da Polícia Militar a um casal de vizinhos com quem teve uma discussão em Bauru, no interior de São Paulo, em dezembro de 2016.

Ameaças feitas pelo policial aos seus vizinhos foram registradas por eles em um vídeo amador gravado com um telefone celular. Sua divulgação na imprensa gerou grande repercussão na época e o casal não sofreu mais violência. Mas, quase sete meses depois, o sargento foi absolvido em um Inquérito Policial Militar e voltou ao patrulhamento das ruas de Bauru.

Contudo, o policial ainda pode responder a um processo por abuso de autoridade na Justiça comum. Isso porque a Polícia Civil também apurou o caso e repassou à Justiça, no último dia 28, uma investigação na qual o sargento figura como suspeito de abuso de autoridade, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

A pasta afirmou ainda que ele foi afastado do policiamento de rua e trabalhou em área administrativa enquanto era investigado pela Corregedoria da PM. Segundo a secretaria, o policial também foi punido de acordo com o regulamento disciplinar da Polícia Militar.

No vídeo gravado pelos vizinhos do sargento, ele aparece dentro da casa deles, manda que se mudem do local e faz uma ameaça de morte. O advogado do policial não foi encontrado pela reportagem para comentar o ocorrido.

Na avaliação do ouvidor das Polícias de São Paulo, Julio Cesar Neves, que a Justiça Militar foi branda com o sargento. Neves afirmou ao UOL esperar que, pela Justiça comum, o PM seja condenado. "A Justiça que tarda é uma injustiça institucionalizada", afirmou.

"Está claro que ele merecia um corretivo, que ele não podia estar nas fileiras da instituição. Se a própria instituição está dando uma chance para ele, a gente só espera que ele saiba conduzir de uma maneira que não agrida mais o Código de Conduta da PM", disse Neves.

"Ou você muda daqui, se não eu vou te matar"

Segundo a Polícia Civil, a suposta ameaça ocorreu no dia 27 de dezembro de 2016 e o casal foi à delegacia de Bauru um dia depois para fazer um Boletim de Ocorrência contra o PM vizinho. O registro da ocorrência teria sido feito por medo de que o sargento cumprisse o que havia prometido: "ou você muda daqui, se não eu vou te matar".

No boletim de ocorrência, o casal afirmou que o policial não teria gostado do fato de os dois terem colocado um carrinho de supermercado em um terreno que fica na frente da casa do sargento. O PM teria visto o casal deixando o carrinho no terreno e os advertido.

O vizinho, um profissional autônomo, teria perguntado ao policial qual seria o problema. Por sua vez, o sargento teria dito que não poderia deixar o carrinho no local porque ele "estava mandando".

O casal teria então se recusado a tirar o carrinho, e o policial afirmado que aquilo "não iria ficar assim" e que "iria cobrar".

No dia seguinte à discussão, ainda segundo a versão do casal, o PM teria invadido a residência dos vizinhos. Supostamente sem reconhecer o policial (agora fardado), o trabalhador autônomo teria perguntado o que estava acontecendo. O sargento teria então se identificado como "o vizinho do caso do carrinho".

A reportagem não conseguiu entrar em contato com o policial para perguntar sobre sua versão dos fatos.

Segundo o relato do casal à Polícia Civil, o sargento teria dito ao entrar na casa: "Fala agora que eu sou um policinha fardado”.

O policial militar teria atribuído essa ofensa à mulher do autônomo, uma professora. O casal negou ter desrespeitado o sargento.

A ação do policial, que estava acompanhado de outros dois colegas de farda, durou cerca de 40 minutos, segundo a Polícia Civil.

No vídeo, é possível ouvir a voz da professora afirmando que os PMs teriam invadido sua casa supostamente sem mandado judicial. As vítimas disseram também à Polícia Civil que o sargento teria dito que iria forjar o crime de tráfico de drogas ou o de porte ilegal de armas contra o autônomo. Mas essas afirmações não aparecem no vídeo.

O momento em que o policial teria dito "se essas imagens forem a público, vou matar vocês e, para mim, não vai dar nada" também não aparece no vídeo. A frase é parte da versão das vítimas relatada à Polícia Civil.

Ao perceber que a mulher fazia a gravação, o policial falou que estava ali para "trocar ideia" e tentou tomar das mãos da professora o celular. Nesse momento, o autônomo teria tentado proteger a mulher e sido agredido com um tapa na orelha por um dos PMs que estava dentro da casa. No momento da suposta agressão, a câmera grava imagens tremidas e das mãos da mulher.

Já do lado de fora da casa, o policial afirmou ao autônomo que a família deveria se mudar ou que teria de arrumar uma arma até as 2 horas do dia seguinte. Caso contrário, iria matá-los. Esse ponto foi registrado na gravação.

Outro lado

A reportagem tentou, mas não conseguiu localizar o casal de vizinhos que gravou a ameaça.

O UOL também tentou uma entrevista com o PM, tanto via SSP quanto pelo batalhão a que ele pertence em Bauru. Os pedidos foram negados. Por fim, a reportagem tentou contato telefônico pelo menos quatro vezes ao longo da semana com o advogado indicado no inquérito como responsável pela defesa do policial. Os telefonemas não foram atendidos.

Em nota, a SSP informou que "na esfera administrativa, o policial foi punido com permanência disciplinar, de acordo com o regulamento disciplinar da Polícia Militar". Isso significa que ele ficou sem poder sair do quartel durante certo período de tempo, mas não ficou preso em uma cela ou sala específica. 

A nota afirma ainda que "durante o IPM (Inquérito Policial Militar), ele ficou afastado do trabalho operacional" - ou seja, não participou do patrulhamento de rua.