"Cemitério" de viaturas e tropa da PM "envelhecida" desafiam segurança no RN
Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, em Natal
03/01/2018 04h00
Na entrada do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, em Natal, cerca de cem motos velhas estão largadas, algumas jogadas no chão. "Estão paradas há muitos meses, nenhuma funciona mais e não temos novas", diz um policial que atua no local. Dentro do prédio, outros carros sofreram tanto com a ação do tempo que mais parecem sucata, compondo um verdadeiro cemitério de veículos.
Esse é o cenário encontrado em unidades operacionais da PM no RN. Desde 19 de dezembro, os policiais, que estão com os salários em atraso, se recusavam a sair para serviço sem a devida segurança. Nesta terça-feira (2), PMs que se dispuseram a retomar o patrulhamento ostensivo chegaram a ir às ruas a pé. A retomada dos serviços ocorre de forma gradual.
A PM potiguar também sofre com um deficit de policiais --o último concurso público ocorreu em 2005. Faltam mais de 5.000 policiais para chegar ao efetivo previsto por lei.
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A reportagem do UOL visitou nesta terça três batalhões e o comando geral da corporação em Natal. Policiais fizeram relatos sobre a precariedade da estrutura da PM. Nas unidades visitadas, foram constatados diferentes tipos de problemas.
Não bastasse a falta de manutenção dos veículos sucateados, o UOL apurou que todos os carros policiais estão com documentação irregular porque o Estado não pagou o seguro obrigatório DPVAT.
Pelo Código Brasileiro de Trânsito, nenhum deles poderia rodar nas ruas, no entanto, ao menos 42 estão operando na Grande Natal, ainda que estejam irregulares. "Como vamos fazer cumprir a lei sem estar cumprindo a lei", questiona Roberto Campos, presidente da Associação de Cabos e Soldados do Rio Grande do Norte.
"É muito comum a gente ter problema com esses carros. Muitas vezes deixamos de fazer rondas, de atender ocorrências, realizar blitz porque eles estão quebrados. E isso vem ocorrendo há tempos, o governo e o comando sabiam", disse outro policial em um dos batalhões visitados.
As associações dos militares ainda apontam que problemas com os carros expõem os agentes a risco, resultando em acidentes como o que matou um policial em serviço, em Pau dos Ferros, no último dia 15. A vítima foi o soldado Francisco Matias, que colidiu com um caminhão e capotou com o veículo.
Nem mesmo o quartel do Comando Geral, no bairro do Tirol, escapa de ter seu pequeno "cemitério" de carros quebrados: há vários carros encostados, à espera de manutenção e outros que provavelmente não servem mais para nada, a não ser como sucata.
No 1º Batalhão, é a situação do prédio que chama a atenção. O UOL não teve acesso ao interior do prédio, mas da entrada mesmo é possível ver que o bebedouro está completamente tomado pelo ferrugem e há problemas no teto.
Falta de PMs
Segundo a lei que fixa o efetivo, a PM prevê que 13.466 integrantes devem compor a tropa. Entretanto, segundo o governo, há atualmente 8.200 homens.
O número, porém, é questionado pelas associações militares. "A PM tem hoje pouco mais de 7.500, e você tem de levar em conta as licenças-prêmio, as férias, os afastamentos por saúde. É muito pouco, a população vem crescendo e a polícia só perde homens", relata o subtenente Eliabe Marques, presidente da Associação de Subtenentes e Sargentos do RN.
A PM está envelhecida e adoecendo
Eliabe Marques, presidente da Associação de Subtenentes e Sargentos do RN
Além dos policiais afastados, Marques lembra que cerca de 600 agentes estão tomando conta de presos em presídios, como o de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na região metropolitana de Natal. A penitenciária foi palco de massacre no começo do ano passado.
Outro ponto atacado pelos militares é o de que o Estado não deu uniformes aos policiais em 2017, e muitos não têm mais condições de uso.
Além dos problemas estruturais, os PMs sofrem com atraso salarial. Até esta quarta-feira (3), apenas os salários de novembro foram pagos aos que ganham até R$ 4.000 --cerca de metade da tropa com cargos de soldado e cabo. As demais patentes ganham mais que esse valor e estão prestes a completar três meses de atraso, já que o 13º salário não foi pago a nenhum servidor do Estado.
Militares das Forças Armadas começaram a atuar no Estado a partir do dia 29 de dezembro e reforçaram a segurança no Revéillon.
O que diz a PM
Segundo a PM, nessa terça-feira, o patrulhamento foi retomado com 42 viaturas que passaram a atuar na Grande Natal --onde moram mais de 1 milhão de pessoas. A corporação reconhece que é uma "quantidade pequena", mas são esses os carros em condições técnicas para rodar no momento. O número ideal de viaturas não foi informado por "questão de segurança."
A PM confirmou que todos os carros estão com o seguro obrigatório DPVAT atrasados e que não há prazo para quitação dos débitos, já que a corporação não tem dotação própria.
Ainda segundo a PM, 27% da frota da corporação é locada e esses carros estão apresentando problemas de ordem mecânica. Com a situação, esta semana esses carros estão sendo devolvidos às locadoras para que sejam consertados. Cinquenta veículos novos devem ser locados até 31 de janeiro, e devem substituir carros mais antigos das locadoras.
Sobre a estrutura física das unidades, a PM reconheceu que elas estão "decadentes" e que, com a crise do Estado, não há dotação orçamentária prevista para melhorias.
Além disso, a PM reconhece que há deficiência de uniformes, já que o número entregue em 2017 foi "pífio". Por isso, há policiais que estão se apresentando sem o fardamento necessário (o uniforme deve ser cedido ao policial sem custo para o servidor).
A Polícia Militar afirma, contudo, que há coletes em número suficiente e dentro da validade para todos os policiais. Foram 5.000 recebidos somente no ano passado. O mesmo vale para munição, que a corporação garante ser suficiente para os oficiais e praças em serviço.
Sobre contratações, o governo do Estado trabalha em um edital que já teve o lançamento adiado várias vezes, mas deve ser lançado nos próximos dias com previsão inicial de mil postos.