'Para as pessoas eu sou a chata, sou a louca', diz ativista Luisa Mell sobre defesa dos animais
Luisa Mell, 39, ainda se emociona ao falar de bichos --sejam os maltratados, os abandonados, os resgatados ou os adotados. Mas muito mudou desde que seu programa “Late Show”, exibido durante seis anos na Rede TV!, foi encerrado em 2008. Afastar-se da televisão --onde ficou conhecida pelas denúncias e pelo choro fácil nas tardes de domingo-- fez com que se aproximasse do ativismo, tornando-se hoje um dos principais rostos da causa contra os maus-tratos de animais no Brasil.
Sou a ativista [de defesa animal] mais famosa do país. Para o bem e para o mal. Recebo aplausos por algo que muito mais gente realizou, mas também fica nas minhas costas quando querem apedrejar, perseguir, processar
Algumas coisas continuam iguais. Ao expor --agora não em uma rede de TV, mas nas redes sociais-- canis, institutos de pesquisa, embarcações de carga viva, a origem das plumas usadas no Carnaval e exposições de animais, entre outros casos, Luisa se mantém envolvida em polêmicas, gerando opiniões e sentimentos extremistas em relação a ela e àquilo que defende.
Alguns a idolatram. A cantora Rita Lee, que sobe a voz ao falar de rodeios, descreve Luisa como “nossa Brigitte Bardot tropical: bela, inteligente e amante dos bichos” e “moderna princesa Isabel dos animais”.
Outros a desmerecem. Para isso, evocam a imagem de chorona ou adotam o tom de “não faz mais que a obrigação”, por ser considerada rica, famosa e ter privilégios em sua trajetória. Entre eles o namoro de cinco anos com Amilcare Dallevo, coproprietário e chefão da Rede TV!, que permitiu a uma jovem de 20 e poucos anos dar o tom de seu próprio programa, durante uma "guerra" da TV aberta aos domingos. Por fim, há a turma dos xingamentos e, em casos ainda mais extremos, das ameaças.
É muito difícil ser ativista, porque você enxerga o mundo de maneira totalmente diferente. Para as pessoas eu sou a chata, sou a louca. Mas o mundo muda muito lentamente para o ativista: quem sofre [os animais] tem pressa
Em entrevista ao UOL, ela falou abertamente sobre esses temas e sobre a sua vida de ativista. Antes de entrar nessa história --e para saber de quem realmente estamos falando--, deixemos claros dois pontos.
Primeiro: o Instituto Luisa Mell não leva seu nome de batismo (Marina Zatz de Camargo), mas sim o artístico, criado em 2001. O intuito do pseudônimo era não se queimar com um quadro no programa de sexo “Noite Afora”. O segundo ponto, em suas próprias palavras: “Muita gente ainda acha que sou apresentadora, mesmo estando afastada da TV há anos. Meu trabalho vai muito além disso hoje em dia. Sou ativista, sou protetora dos animais, sou presidente do instituto”, explica ela, formada em direito. Dito isso, vamos em frente.
Vivemos em um mundo onde os animais são escravos, são vistos como objetos com os quais se pode fazer qualquer coisa. Eles são massacrados em nome do entretenimento, da comida, da indústria de vestuário, médica, de cosméticos
Esfregando os maus-tratos animais na sua cara
Luisa Mell recebeu a reportagem em seu instituto numa tarde chuvosa, no começo de março. Tênis, regata e calça jeans davam o tom despojado, mesmo com maquiagem e cabelo arrumado. Levou aos voluntários e funcionários duas caixas de doces veganos --dieta seguida por ela desde 2013--, que havia servido no aniversário de três anos de Enzo, seu filho com o empresário Gilberto Zaborowsky, com quem se casou em 2011.
Levou também para eles exemplares de sua autobiografia “Como os Animais Salvaram Minha Vida” (Globo Livros), fazendo dedicatória a quem pediu, e insistiu que todos fossem à noite de autógrafos dali a alguns dias. Orgulha-se ao apresentar o local, dando detalhes sobre as instalações, os tratamentos oferecidos e os animais por lá instalados --ela sabe os nomes de muitos e também as histórias de maus-tratos que os levaram até ali.
Em duas horas de conversa, Luisa se emocionou algumas vezes. Poucas. No geral, o que se vê é uma mulher firme, com objetivos definidos, que usa todas as oportunidades --surgidas ao acaso ou mesmo criadas por ela-- para defender a causa na qual acredita.
Exemplo disso é o que fez à frente do “Late Show”, programa idealizado por seu pai, redator e roteirista de TV, e exibido na emissora do então namorado.
“Viram ali uma oportunidade comercial. O mercado pet crescia muito no Brasil, então a atração poderia ter bons anunciantes”, explica em seu livro. O projeto inicial propunha abordar a relação dos homens com os animais e levantar a bandeira dos vira-latas, mas não previa, da maneira enfática como foi feita, chamar a atenção para os maus-tratos --causa com a qual Luisa ainda estava pouco familiarizada. Conforme foi conhecendo este universo, achou que o caminho era falar sobre o problema. "Eu conseguia fazer coisas absurdas, que nenhuma emissora permitiria", lembra.
Eu acreditava que era importante esfregar aquilo na cara das pessoas e não me envergonho nem um pouco de ter usado isso [os privilégios de primeira-dama do canal de TV] pelos animais
O novo status do vira-lata
A projeção trouxe polêmica, brigas --“tem gente que quer eu eu morra, suma do mapa”--, algumas vitórias e outras tantas derrotas. “Luto por muitas causas, a maioria eu perco [como o embarque em Santos de 25 mil bois vivos para a Turquia], mas posso dizer que a da adoção é uma conquista de vida. Quando adotei minha primeira vira-lata, antes do programa, saía na rua e as pessoas praticamente me xingavam. Hoje ninguém mais tem coragem de fazer isso”, conta ela, que divide a casa com dois cachorros adotados.
Nessa trajetória, reconhece como principal erro a forma com a qual tentava impor sua opinião. “Eu era muito impulsiva, agressiva, brigava e não entendia como as pessoas não entendiam o que eu queria falar. Vou fazer um programa para salvar os animais e colocar um macaco fantasiado no palco? Eu era grossa, não tinha tato.” Hoje se diz mais tolerante, reconhece que a mudança pode ser lenta e cada um tem seu tempo. “Até outro dia eu fazia tudo errado, até mesmo essas coisas que eu condeno hoje”, diz.
A adoção e mudança no status do vira-lata --associadas ao boicote de canis que lucram com venda de animais de raça-- estão entre suas principais bandeiras, assim como a proibição de animais de circo (ainda sem lei específica) e o fim da eutanásia para animais sadios no Estado de São Paulo.
Sou ativista em todos os momentos, todos os lugares, todas as situações. Para se tornar um ativista, é só começar. O primeiro passo é você sentir, se indignar, saber que pode começar sendo a mudança. O ativista faz qualquer coisa para mudar uma situação
O resultado mais concreto disso --aqui no sentido literal-- foi a criação, em 2015, de um instituto na Grande São Paulo para resgate de animais feridos ou em situação de risco, que são recuperados e adotados. Até o início de março, 2.094 cães e gatos haviam sido doados, principalmente via feiras de adoção.
O terreno com 27 mil metros quadrados de área verde tem hospital veterinário, enfermaria, ala de quarentena, espaço de soltura (para os bichos passearem livres), gatis e canis. A ocupação fica na média dos 350 bichos, e o intuito é não crescer mais que isso por causa dos gastos: além da estrutura, há seis veterinários, sete enfermeiros e nove tratadores.
O terreno foi emprestado, durante um período dez anos, por uma conhecida de Luisa. Tudo lá é financiado com doações e vendas online de camisetas, principalmente aquelas com a mensagem #adotei (marca que remete ao instituto). “A gente só consegue manter isso porque as pessoas confiam em nosso trabalho e ajudam.”
Questionada sobre como se mantém, considerando que sua principal atividade é o ativismo, ela responde: “As contas bancárias são totalmente separadas. Uma é a do instituto, outra é a da Luisa Mell. Não pego R$ 1, assim como toda a diretoria, formada por voluntários que têm outras ocupações. Tenho em meu nome dois escritórios alugados e um marido com boa condição financeira, que sustenta nossa casa. Não tenho a menor vergonha de dizer isso, porque ele respeita muito o meu trabalho”.
Ativista com cara, nome e sobrenome
A mesma fama que ajuda a encontrar donos para os animais faz com que os pedidos de ajuda não parem de chegar. “As pessoas veem um cachorro na rua e ligam para mim, descobrem meu celular, mandam email. Chega tanta coisa que não consigo dar conta e muitos ficam frustrados comigo. Como temos o hospital, nossa prioridade é pegar os bichos em pior estado”, explica.
Os casos mais polêmicos em que se envolveu foram o resgate de beagles usados para testes no Instituto Royal, em São Roque (SP), e de 135 cachorros de diferentes raças, em um canil de Osasco (SP) --nos dois casos, todos os sobreviventes foram adotados.
Diz não se arrepender de nenhuma das invasões, a segunda delas feita com ajuda da polícia, e afirma que os episódios chamaram a atenção para diferentes temas: testes em animais e maus-tratos em canis. Inclusive a cadelas chamadas de matrizes, que passam a vida dando à luz filhotes para comercialização.
“No caso do Royal [fechado após a invasão], tive de ir à delegacia prestar depoimento, mas a história não foi para a frente: tinha muito rolo ali. Já o dono do canil não me processou, mas muitos dos criadores se sentiram ameaçados com a revelação dos bastidores de seu negócio. Toda vez que acontece algo assim, as pessoas atingidas me xingam, fazem campanha, tentam me difamar, inventam coisas sobre mim.”
Luisa diz ter diversos processos e também medo de alguma represália, justamente por ser conhecida: um alvo mais fácil. Ela lembra que, na invasão do Instituto Royal, queria voltar e pegar mais beagles quando foi advertida por um amigo: “Ninguém aqui é famoso, não dá para saber seus nomes. Você é a única ativista com cara, nome e sobrenome. Vai embora”.
Muitas vezes suas ações têm ajuda da polícia e dos órgãos como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e polícia ambiental --estes dois foram com ela ao shopping Eldorado (SP), no final de fevereiro, após denúncias de maus-tratos de quatro corujas na exposição “Casa dos Bruxos”, em homenagem à saga Harry Potter.
“Antes eu tivesse esse poder que as pessoas atribuem a mim: de conseguir acabar com algo que eu não concordo. Mas eu não tenho. Existe uma legislação, uma Constituição e temos de fazer valer as leis. Chamei os órgãos responsáveis e, como estavam irregulares, a exposição teve de deixar de usar as corujas.” Segundo ela, em muitos casos a própria polícia aciona o instituto por não ter o que fazer com os animais em situações de risco.
Fazemos um trabalho que o Estado é incompetente para fazer, pois não há estrutura para eles resgatarem e cuidarem de bichos. Há situações em que fazemos parceria: a polícia faz o trabalho dela e nós ficamos responsáveis pelos animais resgatados
Em ano de eleição, o final da entrevista ficou reservado para a pergunta sobre a possibilidade de ela se candidatar. Caso isso venha a acontecer, não deve ser em 2018. “Se eu entrasse para a política e conseguisse mudar tudo o que quero, entraria amanhã. Mas não é por aí. Então sou mais eficiente fora, cobrando quem está dentro. Funciona melhor, acho que é este o meu caminho.”
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