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Famílias de edifício que desabou expulsam movimento que explorava aluguel e elegem líder

O sem-teto Valtair, o Carioca, escolhido porta-voz de famílias que escaparam do desabamento no centro de SP - Guilherme Azevedo/UOL
O sem-teto Valtair, o Carioca, escolhido porta-voz de famílias que escaparam do desabamento no centro de SP Imagem: Guilherme Azevedo/UOL

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

13/05/2018 04h00

Famílias que moravam no edifício que desabou na madrugada do último dia 1º de maio, no centro de São Paulo, e agora ocupam com barracas uma área vizinha no Largo do Paissandu expulsaram integrantes do MLSM (Movimento Social de Luta por Moradia) do local e elegeram uma liderança nova, escolhida entre os próprios moradores.

O MLSM coordenava a ocupação, irregular, e a exploração imobiliária do edifício Wilton Paes de Almeida, pertencente à União e que desabou após um incêndio de grande proporção. O movimento cobrava aluguel de cerca de R$ 400 mensais. A falta de pagamento resultava em despejo, segundo moradores.

O grupo de desabrigados se revoltou com a forma como ativistas organizados estão atuando após o desabamento e elegeu como novo líder Valtair José de Souza, 47, conhecido como Carioca. Ele morava no primeiro andar do edifício e não estava no local na hora do acidente por estar trabalhando.

Souza atua, de quinta-feira a domingo, como auxiliar de estacionamento na vizinhança do teatro Procópio Ferreira, na região central da capital paulista, buscando possíveis clientes na rua, tarefa pela qual recebe R$ 80 por dia.

Ele nasceu no Rio de Janeiro, no bairro do Irajá, zona norte da capital fluminense, e vive há cerca de 30 anos em São Paulo. A profissão original era de montador de brinquedos para eventos e parques temáticos. Do currículo, se orgulha da montagem do Evolution, sensação do hoje extinto Playcenter.

"Quando vi, gritaram meu nome"

Carioca foi escolhido pelos moradores na movimentação que ele chama de "Revolta dos Oprimidos", acontecida no quarto dia após o desabamento.

Os desabrigados que haviam seguido para o Largo do Paissandu após perderem a moradia, rejeitando a oferta da Prefeitura de São Paulo de remoção para abrigos municipais, se revoltaram contra os líderes do MLSM -- desautorizando-os a falar em nome deles e determinando seu afastamento dali.

Houve então a necessidade de nomear um novo interlocutor das famílias para negociações com o poder público e também para fazer deliberações sobre o dia a dia do local, em relação a distribuição de tarefas e fluxo interno de pessoas.

Alguns gritaram: "Carioca", e ele foi escolhido por aclamação.

"Não sou coordenador, sou um organizador colocado pelas famílias", explica, exibindo o vão que ficou na boca com a ausência dos pivôs e de boné virado para trás na cabeça, irreverente. No corpo, uma calça escura de agasalho com o emblema do São Paulo Futebol Clube, time pelo qual não torce, e uma camisa polo de listras coloridas horizontais abotoada até em cima, elegante.

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Carioca e o acampamento
Imagem: Guilherme Azevedo/UOL

Pedido de garantias

O número de famílias no local chega a 300 (número acima das 171 famílias contabilizadas oficialmente pelo MLSM como moradoras até o décimo andar do Wilton Paes de Almeida). Elas dizem que só sairão dali quando tiverem seu pleito atendido.

Os sem-teto querem que a prefeitura assegure o pagamento dos R$ 400,00 de auxílio-aluguel até o momento da entrega da casa nova para cada uma delas. A prefeitura ofertou pagamento por um ano do auxílio-aluguel de R$ 400,00, sem vínculo com um novo lugar para morarem.

"Como nós vamos sair daqui, como quer a prefeitura, se a luta está aqui? Aqui estou exercendo o nosso direito à democracia. Aqui nós somos livres para soltar a nossa voz. Se a gente sai daqui, fica esquecida, na banguela", avalia o porta-voz delas.

Entretanto, o que as famílias querem mesmo é entendimento, sem radicalização: "A gente vai ficar, mas nossa ideia é sentar à mesa e conversar".

Solidariedade

No sábado (12), a movimentação de pessoas era intensa entre as barracas montadas no entorno da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, antigo reduto de fé de negros e escravos, na sua concepção original.

Havia, avançando já a noite, grupos evangélicos distribuindo bênçãos e cantando hinos religiosos para a consolação.

Outros voluntários ajudavam nas atividades de distribuição de alimentos e de lazer. Eles brincavam com as dezenas de crianças pequenas que ali estão junto de seus pais à espera de ajuda. Um grupo de palhaços e palhaças circulava de nariz vermelho.

É apontando para as crianças que Carioca, pai de três filhos (João, Luara e Sarah), diz que a luta vale a pena. "Para que elas um dia não precisem invadir um prédio para poder morar, como seus pais. Quando nos chamam de vagabundos, chamam essas crianças também de vagabundas. Nossa luta é justa."

Carioca faz questão de que a reportagem do UOL traga uma informação: "Não pegamos dinheiro de ninguém, aqui só aceitamos doações. Isso chama-se transparência". E agradece a solidariedade recebida até aqui, em forma, por exemplo, de alimentos, de água, de roupas, de abraços e de sorrisos. "Se não fosse a população de São Paulo, não estaríamos aqui lutando e resistindo."