Transporte de armas, drogas e rota de fuga: como o crime opera na baía de Guanabara
Facções criminosas do Rio de Janeiro vêm utilizando a baía de Guanabara como rota de transporte de armas e drogas entre favelas, para fugir de operações da polícia e para mandar cocaína para o exterior em navios de carga.
O combate a esses crimes cabe à Polícia Federal e à Receita. Mas, com a intervenção da União na segurança do Rio e o decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) (que dá poder de polícia às Forças Armadas), a Marinha começou a usar um sistema de monitoramento da baía por radar para tentar achar barcos usados por criminosos.
A baía de Guanabara é uma baía oceânica de cerca de 31 km de extensão por 28 km de largura que banha a costa leste da cidade do Rio e outros 14 municípios do estado. Ela abriga o porto do Rio e funciona como base de embarcações cargueiras, militares e de exploração de petróleo.
Segundo a Polícia Civil do Rio, armas costumam ser movimentadas entre favelas por via terrestre --com o material ilícito escondido em veículos. Mas isso é mais "arriscado" para os criminosos, pois eles podem ser parados pela polícia ou surpreendidos por facções rivais no caminho.
Investigações mostraram que, para diminuir esse “risco”, os bandidos começaram a usar barcos de pesca para fazer esse trajeto pela baía de Guanabara, segundo o delegado Marcus Amim, que investiga o crime organizado na região da favela da Maré.
A gente tem diversas investigações que apontam que a baía é usada como rota de fuga de traficantes de drogas e também como fluxo de armamentos entre comunidades que estejam sob o jugo da mesma facção criminosa.
Marcus Amim, delegado da Polícia Civil
Em junho, as suspeitas da polícia sobre a movimentação de armas foram confirmadas com a prisão de três suspeitos que tentavam levar cinco fuzis da favela Chapéu Mangueira, na zona sul, para a Maré, na zona norte.
Na ocasião, a facção Terceiro Comando Puro lutava para controlar os morros Chapéu Mangueira e Babilônia --onde ficam pontos de venda de drogas frequentados por usuários de alto poder aquisitivo perto de Copacabana.
Após dias de confronto com o Comando Vermelho e a polícia, a facção decidiu tirar armamentos da região e os levar para sua base na Maré. O trajeto seria feito em um barco pesqueiro, que foi interceptado pela Polícia Civil após embarcar as armas.
Segundo o delegado, outra tática usada pelos bandidos é usar as águas como rota de fuga quando favelas às margens da baía são cercadas por terra por forças de segurança. “Eles utilizam pequenas embarcações e até jet ski", relata Amim.
Tráfico internacional
Uma das principais preocupações da Marinha é evitar que a baía de Guanabara seja utilizada não só como uma rota local de criminosos, mas principalmente como porta de entrada e saída de entorpecentes e armas para o mercado internacional.
Uma das práticas dos criminosos conhecida pela Marinha é encostar pequenas embarcações em grandes cargueiros fundeados na baía ou próximo à costa do Rio. Com a ajuda de bandidos infiltrados nas tripulações dos cargueiros, eles usam cordas para embarcar mochilas cheias de cocaína nos navios, que depois são escondidas pela tripulação e desembarcadas em portos da Europa e da África por outras quadrilhas.
As abordagens dos cargueiros ocorrem geralmente em áreas mais remotas da baía, em navios fundeados ao norte da ponte Rio-Niterói, segundo a inteligência da Marinha. Os criminosos costumam agir de noite, pois no período noturno somente com radares ou equipamentos de visão noturna é possível localizar as pequenas embarcações.
Outra forma de levar cocaína para o exterior é escondê-la dentro de contêineres antes que eles sejam embarcados. Nessa modalidade, as quantidades de entorpecentes são muito maiores. Em março, em uma única apreensão no porto do Rio, foi encontrada mais de uma tonelada e meia de cocaína.
O combate a esse tipo de tráfico não ocorre nas águas, mas sim nos pátios de armazenamento antes que os contêineres sejam embarcados.
Uma vez que a droga é escondida dentro do navio, seja após ser içada de um barco pequeno ou escondida dentro de um contêiner, é extremamente complexo encontrá-la. Isso ocorre devido à grande quantidade de navios que passam pelo porto e ao curto espaço de tempo em que permanecem na cidade.
A estratégia de esconder produtos ilícitos em navios e desembarcá-los usando pequenos barcos também é usada para trazer armas ao Rio. No entanto, o fluxo é menor em comparação a outras rotas de entrada como o aeroporto internacional e as rodovias (por onde o armamento é transportado após ser adquirido no Paraguai), segundo relatou ao UOL uma fonte da Receita Federal que pediu para não ter o nome revelado.
Combate ao crime
A Marinha desenvolve desde dezembro de 2015 o projeto-piloto de um sistema para monitorar em tempo real o tráfego de embarcações na baía de Guanabara por meio de radares, câmeras, observadores, boias e diversos tipos de sensores.
Ele permite que embarcações com "comportamento suspeito" sejam identificadas e monitoradas de dentro de uma sala de situação no Comando Naval. São exemplos de “comportamento suspeito” pequenos barcos que se aproximam sem motivo de grandes cargueiros e barcos pesqueiros que desligam um sistema que emite dados sobre sua localização (aparelho semelhante ao GPS, de uso obrigatório, que é monitorado pela Marinha), segundo o capitão de fragata Rodrigo Pinheiro Padilha, um dos porta-vozes da Marinha.
Uma vez identificada, a embarcação suspeita começa a ser seguida por câmeras e por militares situados em postos de observação em bases da Marinha ao longo da baía.
Se as autoridades decidirem abordar a embarcação, lanchas da Capitania dos Portos são acionadas. Porém, se houver suspeita que os tripulantes do barco podem exercer algum tipo de resistência, uma lancha blindada equipada com metralhadoras pesadas é acionada.
Essa lancha transporta integrantes do Grupamento de Mergulhadores de Combate, uma tropa de elite da Força de Submarinos da Marinha, de configuração semelhante aos Seals norte-americanos, o grupo de comando que matou o extremista Osama Bin Laden em 2011. Esses militares desempenham funções de invasão e combate em embarcações (além de ações de inteligência, dependendo da missão que recebem).
Projeto-piloto
O sistema de monitoramento é chamado de projeto-piloto do SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul). Ou seja, ele é uma parte de um programa maior da Marinha iniciado em 2007, com o objetivo de proteger da ação de outras nações os recursos minerais e áreas de pesca localizados em uma zona do mar de exploração exclusiva do Brasil --esse território marítimo tem 4,5 milhões de km², segundo a Marinha.
Esse sistema visa combater todo tido de crimes no mar, desde evitar que pequenas embarcações transportem drogas e armas usando portos ou a costa brasileira, combater pirataria, proteger instalações petrolíferas e evitar crimes ambientais, como pesca irregular e poluição ambiental.
A baía de Guanabara foi escolhida como cenário do projeto-piloto do sistema pois a navegação na região ocorre de forma restrita. Além disso, a área tem elevada importância militar, pois a esquadra brasileira fica sediada em bases dentro da baía e a saída dos navios para o mar é uma operação extremamente sensível --em caso de conflito com outros países, por exemplo, se uma embarcação fosse atingida na região, que tem passagem estreita, isso impediria o fluxo de navios. Por isso, o monitoramento da região acontece também abaixo da superfície do mar.
A fase dois do projeto vai monitorar as principais linhas marítimas de comunicação que passam perto do Rio em uma área de 96 km entre Arraial do Cabo (norte) e Marambaia (sul). Ele deve depois ser estendido para a região de Santos (SP) e, no futuro, possivelmente para o lago de Itaipu (PR).
Operando há cerca de dois anos e meio na baía de Guanabara, o projeto-piloto do SisGAAz foi utilizado em ao menos 16 operações. Entre elas, estavam a apreensão de um barco pesqueiro brasileiro que navegava com 380 kg de cocaína (em auxílio à Polícia Federal) e a identificação e revista de um veleiro sul-africano que já tinha sido usado no passado para transporte de drogas (embora nada tenha sido encontrado).
Se o projeto der certo, a Marinha tentará implantá-lo em todo o país.
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