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Em 25 anos, PF apreende 57 vezes mais droga, mas admite crime mais forte

Cadela da PM localiza 727 kg de droga escondidos em barraco de Paraisópolis, em SP Imagem: Divulgação/PM

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

26/02/2020 12h00

O ministro da Justiça, Sergio Moro, usou seu perfil no Twitter em novembro para divulgar a quebra de mais um recorde de apreensão de cocaína batido pela PF (Polícia Federal). Na ocasião, Moro ressaltou que o volume da droga recolhido no ano já era superior ao dobro do apreendido no mesmo período de 2017.

A PF, aliás, vem quebrando ano após ano recordes de apreensões de drogas. Nos últimos 25 anos, a quantidade de cocaína e maconha tomada de traficantes pela corporação aumentou 5.708%.

Acontece que, segundo a própria PF, isso não foi suficiente para reduzir o consumo de entorpecentes no país nem enfraquecer as organizações criminosas.

Pelo contrário. Apesar da intensificação do combate ao comércio ilegal, especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o uso de drogas aumentou e o crime está mais forte.

A constatação foi reforçada pelo delegado Elvis Secco, coordenador-geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas da PF: "O poder do crime organizado aumentou porque o tráfico de drogas é extremamente lucrativo. A apreensão de drogas não é suficiente para combater as organizações", disse ele ao UOL.

Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não se pronunciou sobre a política de apreensões e combate ao tráfico de drogas.

Consumo impulsiona tráfico

O professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), Leandro Piquet Carneiro, especialista em questões de segurança, explicou que o aumento das apreensões de droga pela PF está diretamente ligado ao crescimento e disseminação do consumo delas no país.

Segundo ele, em 1995, o uso de cocaína, por exemplo, estava concentrado principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Por isso, naquele ano, as apreensões da droga eram maiores ali e no Mato Grosso do Sul, estado em que cocaína produzida na Bolívia entra no Brasil.

"O consumo de cocaína cresceu e se espalhou, principalmente por causa do crack [derivado da cocaína]", afirmou Carneiro. "Com mais gente usando droga, os carregamentos aumentaram, a PF se aperfeiçoou e apreendeu mais."

13.mai.2019 - PF e Receita Federal apreenderam 1.038 quilos de cocaína no Porto de Natal; droga foi encontrada em carregamento de mangas Imagem: Divulgação/Polícia Federal

Apreensões de droga

1995

Maconha - 3.268 kg
Cocaína - 3.112 kg
Total - 6.380 kg

2019

Maconha - 265.991 kg
Cocaína - 104.582 kg
Total - 370.571 kg

Aumento

Maconha - 8.039%
Cocaína - 3.260%
Total - 5.708%

Fonte: PF

Apreensão subiu, mas preço da droga caiu, observa especialista

Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ratificou a visão de Carneiro sobre a importância do consumo para o aumento das apreensões. "Na década de 90, a cracolândia de São Paulo tinha cem pessoas. Hoje circulam 2.000 todo dia", disse ele.

Mingardi afirmou que as apreensões de droga não afetam a demanda pelo entorpecente. Poderiam até causar um aumento de preço, o que dificultaria o consumo. Na prática, porém, o que se viu nos últimos anos foi um barateamento da droga, o que sinaliza que a oferta dela aumentou mesmo com todo o esforço de combate ao narcotráfico.

"Uma pedra de crack em 1995 custava entre R$ 8 e R$ 10. Hoje, custa R$ 5", disse. "O tráfico se 'profissionalizou' com o fortalecimento das facções como o PCC [Primeiro Comando da Capital], que hoje controla a venda nacional."

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Apreender droga não resolve, diz delegado

O presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados da PF), Edvandir Paiva, disse que apreender entorpecentes no Brasil é como "enxugar gelo".

Ele lembrou que outros países têm repensado a criminalização das drogas, pois avaliam que a guerra contra seu comércio ilegal está perdida.

"Sabemos que apreender droga não resolve", disse o delegado. "Moro faz propaganda dos dados, mas eles não representam muita coisa."
Paiva disse que, de dez anos para cá, a PF tem focado seu trabalho na prisão de líderes de quadrilhas e no bloqueio de bens do tráfico.

O presidente da ADPF informou que, em 2010, foram bloqueados a pedido da PF R$ 19 milhões em bens do crime organizado. Em 2019, foram R$ 654 milhões — aumento de 3.340%.

"Descapitalizar é um caminho", complementou Mingardi. "Mas temos que ter ciência de que, quando a PF fecha uma porta, o crime abre outra"

O delegado da Elvis Secco, chefe da CGPRE (Coordenação-geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas) da PF, confirmou que a prioridade da corporação hoje é descapitalizar facções, prender líderes do tráfico e cooperar com outros países para erradicar o plantio de maconha, por exemplo.

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