Com alerta de incêndio e menos verba, hospital no Rio pega fogo e 3 morrem
Bombeiros foram acionados às 9h50 de hoje, enquanto uma nuvem de fumaça tomava conta do prédio 1 do HFB (Hospital Federal de Bonsucesso), na zona norte do Rio. Expressões como "perda de controle" e "desespero" foram usadas por funcionários e parentes para descrever os momentos em que tentavam salvar os 162 pacientes removidos da unidade de saúde.
Duas mulheres de 42 e 83 anos, que estavam internadas em estado grave em decorrência da covid-19, não resistiram à transferência e morreram. A morte de um terceiro paciente foi informada por volta das 21h50. A causa do fogo, controlado em 40 minutos, é investigada pela Polícia Federal. Ao menos desde 2019, o HFB tinha ciência dos riscos de incêndio —a DPU (Defensoria Pública da União) relatou que dois transformadores funcionavam com superaquecimento, falta de estrutura do sistema elétrico e inoperância de hidrantes.
Em plena pandemia do novo coronavírus, o hospital —o mais importante da rede federal de saúde no estado— recebeu menos recursos em comparação aos anos anteriores. Sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governo federal reduziu em 11% o orçamento do HFB ante o último ano do governo Michel Temer (MDB). Procurado, o Ministério da Saúde ainda não se manifestou.
Os problemas elétricos são conhecidos desde ao menos 2005. "No ano passado, foi feito um relatório do Corpo de Bombeiros que [apontou que] nós estávamos sentados praticamente em cima de uma bomba, de um barril de pólvora", relatou Júlio Noronha, diretor do corpo clínico do HFB.
O Corpo de Bombeiros informou que o centro de saúde não possui certificado de aprovação da corporação. "A unidade possui duas notificações e dois autos de infração. Mas é muito difícil, quase impossível nós interditarmos um hospital com 600 leitos em meio a uma crise sanitária", disse o secretário de Defesa Civil, coronel Leandro Monteiro.
Desespero durante remoção
Funcionários relataram momentos de tensão e desespero em meio à fumaça que tomou conta de um dos prédios da unidade.
Os 162 pacientes do prédio 1 foram retirados às pressas —parte deles foram acomodados no estacionamento do HFB enquanto ao menos 30 foram levados para uma oficina mecânica. Em seguida, eles foram removidos para o prédio 2 e outras unidades de saúde.
Núbia da Silva Rodrigues, 42, sofreu uma parada cardíaca durante a transferência entre os prédios dos hospital (ela estava entubada). A vítima de 83 anos, que não teve a identidade revelada, chegou a ser transferida do CTI do prédio 1 para o da maternidade, mas faleceu.
Foi muito desesperador, mas a gente ali precisava manter a calma pelos pacientes. Teve uma hora que perdemos o controle, porque eram muitos pacientes internados. Precisamos colocar um papel na camisola deles para poder saber quem era quem
Enfermeira que pediu para não ser identificada
A técnica de enfermagem, Tassiana Freitas, 30, disse, logo após a evacuação, não saber para onde alguns pacientes tinham sido levados. "Tem pacientes que não sabemos aonde estão. Estão perdidos e estamos procurando, porque saímos todos juntos. Não tivemos recursos."
Por sua vez, quando souberam do incêndio, parentes de pacientes correram para o hospital. O tio da estudante Ketlyn Oliveira, 27, que tem câncer, foi localizado na oficina mecânica.
Precisamos levar ele primeiro pra cá [oficina] pra sair da fumaça. A gente estava em casa quando ficamos sabendo do incêndio. Agora ele está bem, está melhor. Não inalou muita fumaça
Ketlyn Oliveira, sobrinha de paciente
"Eu estava em uma sala e vimos uma fumaça no prédio aí do lado. Eu achei que não era nada, mas aí começou uma correria", disse o autônomo Sandro Salustiano, 46, cujo pai está internado.
Grávida de oito meses, a estudante Josiane Farias, 19, estava internada para exames na área neonatal quando começaram a pedir para que deixassem o hospital.
Pior foi ver as criancinhas lá dentro, as médicas tendo que retirar todos eles, não tinha fumaça aonde a gente estava, mas foi horrível. Fiquei com muito medo, nunca pensei em passar por isso
Josiane Farias, estudante
"Minha sobrinha está grávida de cinco meses e veio fazer um exame no hospital. Ela ficou abrigada na capela e não conseguia notícias. Ela estava muito nervosa, ainda mais por causa do bebê, mas agora ela está bem e nada de pior aconteceu", relatou Roberta Gomes, funcionária do hospital.
No começo da noite, os bombeiros recomendaram por precaução a retirada de todos os pacientes dos dois prédios do HFB.
Ao todo, o hospital tem 289 pacientes —143 já deixaram a unidade e a previsão é de que 146, entre eles bebês, sejam transferidos para diversos hospitais. A operação deve se estender madrugada adentro.
Causa desconhecida
O incêndio atingiu a enfermaria e os equipamentos de raio-x. O Corpo de Bombeiros afirmou que só poderá determinar a razão após perícia da Polícia Federal.
Testemunhas e o tenente-coronel Lauro Botto, porta-voz dos Bombeiros, disseram que o problema foi percebido inicialmente no almoxarifado, onde há muitas fraldas guardadas, o que teria contribuído para o fogo aumentar.
"O incêndio pelo que sabemos até agora se originou no subsolo, onde tem um estoque de fraldas, mas isso precisa ser avaliado direitinho pela perícia", disse Botto.
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