'Não é 2ª onda, é tsunami', diz moradora de Manaus que perdeu 12 conhecidos

"Quando soube que minha amiga estava internada com covid-19, pensei em ligar. Mas achei melhor esperar até ela ir para o quarto. Não deu tempo. Ela jamais vai saber que eu me importava. A lição que ficou é que tudo é hoje. Quero ficar com meus filhos, ser amorosa com meus amigos e alunos."
A declaração sobre a perda da amiga que lhe apresentou Manaus é uma das primeiras palavras ditas à reportagem por Claudia Carnevskis, 37, professora do curso de artes na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Moradora da cidade há pouco mais de dois anos, ela tem vivenciado dias difíceis na companhia de seus filhos, uma menina de 10 anos e um menino de 5, sem quase sair da casa de pouco mais de 50 m².
Sem reserva de oxigênio desde a semana passada e enfrentando a nova variante do vírus do novo coronavírus, a capital do Amazonas tem unidades de saúde superlotadas.
Carnevskis enxerga na nova face do vírus os rostos de amigos e conhecidos que padecem da doença.
Perdi muito mais pessoas nesta semana para a covid-19 do que em todo ano de 2020. Não é segunda onda, é um tsunami. Quem está em outros estados precisa estar ciente que essa variante é muito mais forte.
Claudia Carnevskis, professora
Com os olhos baixos, ela tenta resgatar na memória nomes e números de pessoas que conhecia e que já partiram. Suspira e afirma que foram 12 conhecidos. "Achávamos que o pior momento da pandemia tinha sido entre março e abril do ano passado, mas tenho certeza de que é agora", diz.
"Cativeiro" e "impotência"
A sensação de estar vivendo e criando filhos em "um cativeiro" —como define Carnevskis— não começou agora, com a crise da falta de oxigênio que assola a região amazonense.
Durante dois meses, entre abril e maio de 2020, ela morou em um apartamento que ficava em frente ao hospital de campanha Nilton Lins, dedicado ao tratamento dos pacientes com covid-19. Da janela, era possível ver o pátio e a entrada do centro médico. "A sensação era de impotência, ainda que nesta época eu ainda carregasse um sentimento otimista", lembra.
Trabalhando em casa, trocou o dia pela noite para preparar aulas. Também cozinhava madrugada adentro. "Neste período, minha tia ficou internada em São Paulo e eu esperava o áudio da equipe médica com informações. Foram mais de 20. Ela também acabou falecendo", conta.
As janelas do apartamento e a sacada eram por onde entrava no apartamento o sol que banhava os filhos diariamente. Ainda assim, Carnevskis passou a evitar estes locais. "O barulho da sirene de ambulância era ensurdecedor e ver aqueles caminhões que carregavam os cadáveres era difícil. Só tomava sol pela manhã quando ia ao mercado rapidamente."
Passou a fechar portas e janelas. "Cada vez era mais difícil manter o bom humor. Teve um ponto em que eu tinha medo de o vírus entrar pela janela", conta.
Qualquer barulho irritava e roubava sua concentração. Decidiu buscar ajuda médica. Descobriu que estava com baixa serotonina e passou a tomar remédios para repor o neurotransmissor que regula o humor.
Medo de adoecer onde falta oxigênio
Após dois meses, se mudou para outra casa em Manaus e enviou a filha para a casa do pai, em Vitória, no Espírito Santo. "Não quero que ela volte agora. Quebrar uma perna pode significar não ter atendimento médico", comenta.
A falta de oxigênio na cidade fez todos os canais de comunicação serem invadidos por conversas sobre a "corrida pelos cilindros". "Um grupo no WhatsApp dedicado a professores e alunos da universidade em que dou aula se transformou num local para trocar informação sobre onde tem oxigênio e o preço", afirma.
"As pessoas praticamente acampam em frente aos hospitais e, quando o oxigênio acaba, correm para comprar."
Ritmo de fuga
Se a instabilidade de atendimento médico e oxigênio continuar, Carnevskis pensa em ir embora. Mas vê uma saída egoísta. "Todos os que têm condições vão embora? Correndo o risco de levar esse vírus para outros lugares e para nossos familiares de outras cidades?", questiona.
Sinto que estou vivendo em uma zona de guerra. Se você perde alguém da sua família, teoricamente está um pouco preparado para isso. Mas ninguém está preparado para ver que em todas as casas têm alguém morrendo ou adoecendo.
Claudia Carnevskis, professora
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