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Megatraficante se aproveitou de alvarás por email na pandemia para fugir

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

12/02/2021 04h00

O alvará falso que permitiu a saída de um dos maiores traficantes de armas do mundo pela porta da frente de uma cadeia do Rio foi emitido por email em decorrência da pandemia da covid-19. A quadrilha se aproveitou dessa situação para planejar a fuga. O MPF (Ministério Público Federal), que instaurou inquérito, não descarta o envolvimento de servidores públicos.

Vídeo obtido pelo UOL registrou o momento em que João Filipe Barbieri deixava o complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, na tarde de 18 de novembro de 2020. Descoberto nesta semana, o caso foi revelado pela TV Globo e confirmado pelo UOL.

Filho de Frederick Barbieri, preso nos Estados Unidos e conhecido como "Senhor das Armas", João Filipe foi condenado a 27 anos de reclusão, acusado de integrar uma quadrilha de tráfico internacional de armas responsável pelo envio de cerca de mil fuzis ao Brasil. Um mês antes da sua fuga, João Victor Silva Rosa, também condenado por integrar o grupo, deixou o presídio usando o mesmo tipo de fraude.

Suspeito se identificou como oficial de justiça em email

Para fontes da reportagem que atuam na Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), responsável pela gestão do sistema prisional no Rio, o processo de soltura adotado em razão da pandemia facilitou a fuga, uma vez que que todo o trâmite foi feito por email enviado por um suspeito que se identificou como oficial de justiça.

Encarregado da investigação pelo MPF (Ministério Público Federal), o procurador Eduardo Benones diz acreditar na possibilidade de participação de agentes públicos na fuga. Ele também entende que a emissão de alvarás de soltura por email durante a pandemia facilitou a ação da quadrilha.

Mas isso [emissão de alvarás por email] não é desculpa. É muito difícil que não tenha ocorrido a participação criminosa de servidores públicos. Vamos agora investigar como se deu a confecção, elaboração e chegada desse documento falso à Seap

Eduardo Benones, procurador

"A comunicação via email não ameniza em nada a gravidade dos fatos ou a responsabilidade de eventuais envolvidos. Mesmo porque o uso de meios eletrônicos tem ganhado cada vez mais espaço no serviço público", complementou.

"Só após as investigações será possível saber se houve conivência ou falha", ponderou a advogada criminalista Carolyne Albernard que avaliou o caso a pedido do UOL.

Como foi a fraude e o que diz a Seap

Cinco dias antes da fuga de João Filipe, o setor responsável pela entrada e saída de presos recebeu um email emitido por um homem que se apresentou como oficial de justiça, segundo revelou a TV Globo. Nele, havia um ofício com assinatura falsa da juíza que estava de plantão naquele dia. Mas um funcionário da Seap analisou o histórico do interno e pediu esclarecimentos.

No dia que antecedeu a fuga, foi enviado novo email em nome da mesma juíza com pedido de suspensão imediata da execução da pena, ordenando que João Filipe fosse solto em até 24 horas. Ele foi liberado pelo responsável por entrada e saída de internos.

Em nota, a Seap disse que estabeleceu um novo protocolo de dupla checagem de documentos eletrônicos para evitar fraudes relacionadas ao envio de comunicações judiciais falsas e abriu sindicância interna.

A Justiça Federal expediu mandados de prisão para João Filipe e João Victor, considerados foragidos. A defesa deles não foi localizada pela reportagem.

Fuzis no Galeão

Dezesseis suspeitos de integrar a quadrilha foram denunciados em 2017 pelos crimes de organização criminosa, tráfico internacional e comércio ilegal de armas de fogo, munições e acessórios de uso restrito. Naquele ano, 60 fuzis de guerra foram encontrados no terminal de cargas do aeroporto do Galeão. Segundo o MPF, o grupo importou ilegalmente de Miami fuzis, munições e carregadores disfarçados em declarações como aquecedores e bombas de água.