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Caso Marielle mudou de mãos 4 vezes; analistas veem prejuízo

Marielle Franco durante sessão na Câmara do Rio - Arquivo/Câmara do Rio
Marielle Franco durante sessão na Câmara do Rio Imagem: Arquivo/Câmara do Rio

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

21/07/2021 04h00

Há três anos e quatro meses as famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes buscam saber quem ordenou o crime que resultou no duplo homicídio em 14 de março de 2018. Mas neste mês, quando a vereadora completaria 42 anos, novas trocas de comando da investigação —na Polícia Civil e no MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro)— causam mais apreensão.

Ao todo, a investigação já mudou de mãos ao menos quatro vezes, considerando os núcleos policial e da promotoria. Especialistas ouvidos pelo UOL veem prejuízo à apuração e mais atraso para a elucidação dos assassinatos. Para os analistas, as trocas podem fazer parte da rotina das instituições, mas eles defendem a estabilidade dos postos por se tratar de um caso sensível.

Na Polícia Civil, já foram três trocas de comando e quatro delegados diferentes. No MP-RJ, as promotoras Simone Sibilio e Leticia Emile, que acompanharam a apuração desde o início, deixaram o caso e afirmaram à família que a decisão é irreversível.

O coordenador do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Bruno Gangoni, assumiu o caso temporariamente até a escolha de um titular. Ou seja, mais uma mudança à vista.

À família, Simone e Leticia alegaram "interferências externas" como justificativa para o abandono do caso, sem explicitar quem estaria interferindo. Oficialmente, o MP-RJ não comenta os motivos da saída. Em nota, a instituição informa que as investigações "não serão prejudicadas" com a saída das promotoras e que o novo responsável será escolhido com "todo o cuidado necessário".

Ao UOL, Sibilio disse não comentar questões da investigação por não ser mais a responsável. A saída acontece após o início das negociações para delação premiada de Júlia Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega.

Ritmo e detalhes da apuração

Analistas ouvidos pelo UOL avaliam que, apesar de não serem inéditas em casos longos, as mudanças geram prejuízo para as investigações.

"É como uma rede de abastecimento de água: a cada vez que você tem que emendar um novo cano, você aumenta a possibilidade de um vazamento", avalia Ricardo Prado, ex-promotor e procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

Os vazamentos, neste caso, seriam eventuais perdas de elementos fundamentais para o avanço das investigações.

Prado reitera que mudanças costumam acontecer em casos do tipo, porque os profissionais trocam de local de trabalho, por exemplo. Mas afirma que podem, sim, gerar um eventual atraso na resolução.

Já Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), avalia que o Caso Marielle guarda duas condições que o classificam como sensível —a comoção pública, pela figura da vereadora, e o possível envolvimento de pessoas com alto poder político ou econômico.

Essas condições deveriam levar o caso a ser investigado corretamente, mas a sensação que passa é de que alguém está sendo protegido."

Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ

Promotora denunciou acusados

A promotora Simone Sibilio estava à frente do caso desde o início por ser coordenadora do Gaeco, divisão inicialmente encarregada de acompanhar as investigações. Em janeiro passado, deixou o cargo, mas continuou no Caso Marielle.

Nos três anos de investigações, ela ouviu mais de 200 pessoas, realizou inúmeras diligências e foi responsável pela denúncia que resultou na prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, apontados como executores do crime.

Em março, após a mudança de comando do MP-RJ, criou-se uma força-tarefa voltada às investigações sob a justificativa de o caso ter "reconhecida complexidade" e "grave repercussão social dos fatos criminosos apurados". Sibilio continuou à frente do grupo.

Todo o material produzido está no papel, mas o conhecimento não fica restrito aos volumes da investigação. É comum que responsáveis por investigações façam relações rápidas quando surgem novos elementos ou saibam buscar em meio à apuração uma peça para o quebra-cabeça.

Quando você troca [os investigadores], a memória vai se perdendo, porque o papel não tem memória. Ler não é a mesma coisa que saber e acompanhar desde o início. O responsável pela investigação se familiariza. Então à medida que se troca, a gente perde um pouco da investigação."

Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas

Alcadipani, que pesquisa organizações policiais, avalia que a presença de promotoras familiarizadas com o caso também era importante para fiscalizar a apuração da Polícia Civil. "O Rio tem um histórico de milícias, a isenção fica comprometida. Muitas trocas prejudicam as investigações", avalia ele, que integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Comando na DH já passou por 4 delegados

As trocas constantes na polícia também são consideradas prejudiciais. A condução do caso na Polícia Civil é de responsabilidade do titular da DH (Delegacia de Homicídios) da Capital.

O último delegado titular da unidade, Moyses Santana, foi substituído três dias antes de as promotoras deixarem o caso. Agora, Henrique Damasceno comanda as investigações —atribuição que já foi de Giniton Lages e Daniel Rosa.

Quem chegar agora vai precisar reler tudo, idealmente, e decidir se concorda com a forma como a investigação foi conduzida. Isso já gera um prejuízo em relação ao tempo."

Irapuã Santana, do Instituto Brasileiro de Direito Processual

Para Santana, o acompanhamento da sociedade civil é fundamental para que o caso seja conduzido da forma correta.

A Anistia Internacional vem fazendo esse papel e, junto com as famílias de Marielle e Anderson, auxilia na articulação com as instituições do Estado e em reuniões com o governador do Rio, Cláudio Castro (PL). Entretanto, Castro ignora o pedido por uma reunião há mais de seis meses.

O advogado criminalista André Galvão avalia que essa alteração recorrente pode resultar no abandono de uma linha de investigação que poderia estar no caminho certo. "É interessante haver diálogo entre substituto e substituído, para que a investigação se desenvolva melhor", opina.

Oficialmente, Polícia Civil e Ministério Público não comentam o caso, que está sob sigilo. Em reunião com pais, irmã e filha de Marielle, o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos, afirmou que pretende criar um canal "mais estreito" com a família —que se diz alijada das investigações.

Marinete Silva, mãe de Marielle, em reunião com Luciano Mattos, procurador-geral de Justiça do Rio - Divulgação/MP-RJ - Divulgação/MP-RJ
Marinete Silva, mãe de Marielle, em reunião com Luciano Mattos, procurador-geral de Justiça do Rio
Imagem: Divulgação/MP-RJ

Cada vez que há uma troca, há um tempo para que as autoridades fiquem a par de tudo. Essa jamais deveria estar trocando de mãos. Certamente o que já esta demorando mais do que deveria, vai levar ainda mais tempo."

Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ

Os homens acusados de matar Marielle e Anderson vão ao Tribunal do Júri em data a ser definida. O mandante do crime ainda é desconhecido.