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Tubarões em Balneário Camboriú: Quais são os riscos e diferenças do Recife?

Luan Martendal

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

07/11/2021 04h01

Às vésperas da temporada do verão de 2022, o número de relatos do avistamento de tubarões na orla de Balneário Camboriú (SC) chegou a 28, desde agosto, segundo levantamento do Museu Oceanográfico da Univali. A presença dos animais na água está sendo observada com maior frequência desde que teve início o alargamento da faixa de areia na praia central da cidade turística.

Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que as aparições testemunhadas por surfistas, pescadores e banhistas — até então incomuns na cidade — não significam um maior risco para seres humanos. A principal explicação está nas espécies em circulação no litoral catarinense, que costumam ser de animais menores e de grupos menos suscetíveis a incidentes com banhistas, em comparação com o cenário encontrado em partes do litoral pernambucano, por exemplo, região que reúne o maior número de incidentes com tubarões no Brasil.

Rodrigo Mazzoleni, oceanógrafo especialista em tubarões e titular do laboratório de ecossistemas aquáticos da Univali, aponta que as espécies mais comuns encontradas em Santa Catarina interagem principalmente com a pesca. Dentre elas, os tubarões mangona, martelo, azul e galhudo. Também são recorrentes o tubarão-cobre, cambeva-preta, cação-frango e cação-azeiteiro. Já em partes de Pernambuco há incidência de outros tipos, mais associados a incidentes com pessoas em todo o mundo, incluindo os tubarões tigre, touro e cabeça-chata.

"As espécies e o porte dos tubarões que se têm no Recife (PE) são diferentes das avistadas em Balneário Camboriú. Na cidade do Sul, as costeiras são um pouco menores e o maior exemplo é o tubarão-martelo, mas eles não ficam perto da costa, têm média de 2,5 metros e podem chegar, no máximo, a quatro metros de comprimento. Já as registradas no Recife são maiores e mais propensas a incidentes", afirma.

Essas espécies menores até podem aparecer nos mares sulistas, mas numa frequência menor, pois são animais que preferem viver em águas quentes — e a água do litoral catarinense é mais temperada, mesmo no verão. Os indivíduos do tipo que costumam nadar nas proximidades de Balneário Camboriú, normalmente, são filhotes.

"A tendência de algum ataque é astronomicamente menor do que em Pernambuco, primeiro, pelas características das espécies e a diferença no gráfico de corrente marítima dessas regiões e até uma questão da ecologia costeira, que é diferente. É claro que um aprofundamento demanda estudos, mas, a princípio são realidades distintas", considera Mazzoleni.

Dados do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões (ISAF), mantido pelo Departamento de História Natural do Museu da Flórida, reforçam a diferença: de 1931 a 2020 apenas dois incidentes com tubarões foram registrados, oficialmente, em Santa Catarina, há algumas décadas; já em Pernambuco, segundo o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit) do estado, já são 64 ocorrências, com 26 mortes, apenas nos últimos 31 anos, de 1992 a 2021.

Interação histórica

História 1 - Arquivo histórico de Balneário Camboriú - Arquivo histórico de Balneário Camboriú
Relação dos tubarões locais com pescadores é antiga. Na imagem, Germano Corrêa com espécimes capturados, na década de 1950
Imagem: Arquivo histórico de Balneário Camboriú

Desde a década de 1930, há registros oficiais de tubarões nas águas da cidade catarinense. O acervo do Arquivo Histórico de Balneário Camboriú conta com fotografias da relação desses peixes com pescadores locais das décadas de 1950 e 1960. Essa interação com humanos voltou a pautar a discussão pública nas últimas semanas, quando mais animais passaram a ser avistados.

Tulio Ferri, 40, professor de surf na cidade há 25 anos, chegou a temer que alguns alunos pudessem suspender aulas após os primeiros vídeos compartilhados nas redes. "Desde pequeno, ouço relatos de avistamentos de tubarões por aqui, mas nunca houve tantos quanto agora. O foco das pessoas hoje está nos tubarões devido ao imaginário popular, mas nunca avistei tantas tartarugas e peixes tão perto como agora. Há uma redescoberta da fauna marinha", opina.

Há pouco mais de duas semanas um atleta, popularmente conhecido como Pitta, de 40 anos, foi surpreendido por um tubarão — com características que levam a crer ser um tubarão-mangona — enquanto surfava. Segundo ele, em mais de 30 anos pegando onda em Balneário Camboriú, jamais imaginou passar por um susto do tipo.

"Já surfei em muitos lugares no mundo que têm tubarões, mas aqui, não esperava passar por um episódio assim. Nunca havia sido encostado sequer por uma tainha, no mar. Desta vez, o tubarão veio, bateu na minha perna, nas costas e dei cotoveladas nele porque não sabia o que fazer. O cara se apavora. Ele não me machucou, mas se você visse um tubarão vindo na sua direção, mesmo pequeno, você não iria se assustar?", questiona.

Segundo Pitta, algumas pessoas chegaram a duvidar ou tentaram abafar o incidente — e ele desconfia que o comportamento visava não prejudicar a temporada de verão na cidade. "Eu dependo do surfe para sobreviver, não contaria uma história dessas se não fosse real".

Professor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tulio Ferri chegou a temer que alunos de surfe abandonassem aulas com medo após os registros de tubarões no mar da cidade
Imagem: Arquivo pessoal

Atenção necessária

Para o dr. Renato Hajenius Aché de Freitas, professor do departamento de Ecologia e Zoologia e supervisor do Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ocorrências envolvendo algum incidente entre os cações e os seres humanos são incomuns. Isso se deve ao fato de que os tubarões se alimentam de peixes, arraias, lulas, polvos e crustáceos e não enxergam humanos como uma presa em potencial. Porém, ele alerta que é preciso atenção para a aproximação de outros grupos de tubarões, mais territorialistas.

"Essa é uma situação difícil de ocorrer, a tendência é de que esses animais se afastem ao perceber a presença de um ser humano. Entretanto, temos, na costa do Brasil, 89 espécies descritas de tubarões, com biologia e ecologia muito diferentes. O que a gente tem que ficar atento e monitorar são quais estão se aproximando da costa. O tubarão-martelo dificilmente provocaria algum incidente. Agora, se houver a aproximação do tubarão-tigre ou do tubarão-cabeça-chata, por exemplo, existiria uma propensão maior para incidentes", justifica Freitas.

Em paralelo aos casos isolados, o professor Ricardo Mazzoleni também recebe relatos de pessoas com receio do rei dos mares. "É o medo do desconhecido, as pessoas infelizmente associam este animal com o filme 'Tubarão'". Em uma estimativa informal, o professor compara a questão a quantas pessoas morrem atropeladas por ano em Balneário Camboriú, Itajaí e Itapema — um total de 18, em 2020. "No ano passado o ISAF contabilizou 57 incidentes e dez mortes em ocorrências entre tubarões e humanos em todo o mundo, nenhum deles no Sul do Brasil. Então, existe uma aura (do medo) ao redor desses animais, mas temos que lembrar que somos nós que estamos entrando no ambiente natural deles", conclui.

Tuba2 - Vitor Ebel/Arquivo Histórico de Balneário Camboriú - Vitor Ebel/Arquivo Histórico de Balneário Camboriú
Claudio Fisher, ao lado de pescador na década de 1960. Na imagem, um tubarão-martelo
Imagem: Vitor Ebel/Arquivo Histórico de Balneário Camboriú

Prefeitura monitora a situação

Em Balneário Camboriú, a aproximação dos tubarões na orla é notada em meio ao trabalho de retirada de cerca de 2 a 3 milhões de metros cúbicos de areia de uma jazida a 15 quilômetros da costa, com condução do material até a área da praia. A bióloga e secretária de Meio Ambiente do município, Maria Heloisa Furtado Lenzi, afirma que o objetivo da obra é proteger a costa do aumento do nível do mar e recompor as características naturais, inclusive com o plantio de restinga, e que ela atende às condicionantes ambientais.

"A obra pode, de fato, atrair a fauna marinha porque está revolvendo o fundo da enseada e isso suspende mais organismos na coluna d'água, aflorando a cadeia alimentar. Não há problema algum (de desequilíbrio no ecossistema), a questão é que esses animais sempre estiveram aqui e devido à agitação da água, vieram nadar em águas mais rasas e estão sendo vistos", afirma.

Conforme a pasta, com a conclusão da obra — orçada em R$ 66,8 milhões — em novembro, o fundo da enseada irá se estabilizar e os tubarões provavelmente voltarão a nadar em águas mais profundas. "Ao cessar da obra, o frenesi alimentar diminui e, consequentemente, a quantidade de animais atraídos", afirma.

Ainda conforme a secretária municipal, a prefeitura possui um programa de monitoramento da biota aquática que irá monitorar a enseada por até 36 meses. Além dos tubarões registrados pela população, não computados no levantamento, a iniciativa verificou 237 avistamentos de animais, com registros fotográficos, de baleias, golfinhos, pinguins, tartarugas e lobos-marinhos.