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Mulher convive com doença que pode parar coração: 'Achava ser espiritual'

Hoje Vanessa tem 41 anos e quando foi diagnosticada, aos 20, o médico disse que ela viveria somente por mais dois - Reprodução/ Facebook
Hoje Vanessa tem 41 anos e quando foi diagnosticada, aos 20, o médico disse que ela viveria somente por mais dois Imagem: Reprodução/ Facebook

Caio Santana

Do UOL, em São Paulo

18/12/2021 05h00Atualizada em 19/12/2021 11h47

Vanessa Bonança, 41, atualmente mora em Praia Grande, no litoral de São Paulo, e vive com uma doença que tirou seu equilíbrio e pode parar seu coração. Diagnosticada com ataxia de Friedreich quando passava dos 20 para os 21 anos, ela sequer sabia que poderia viver muito mais do que seu médico disse.

"No começo foi muito difícil, porque o médico falou que eu ia viver dois anos só. Por conta desta patologia, ela mexe muito com o músculo, os órgãos e a qualquer hora o meu coração pode parar", explica ela em entrevista ao UOL.

Ela conta que os sintomas da rara doença começaram quando ela tinha 17 anos. Quando andava, uma das pernas ou as duas perdiam o equilíbrio, impedindo que ela fizesse coisas mais rápidas e que exigissem certo esforço, como correr. Segundo ela, era como se alguém a estivesse empurrando.

A partir dali, atividades simples como ligar o carro passou a ser um desafio. "Algo me bloqueava, eu não conseguia. Só depois de alguns minutos". Ela foi descobrir a doença rara quase dois anos depois dos sintomas iniciais, como as tonturas, que ficaram mais frequentes.

"Demorei quase uns dois para ir ao médico, porque eu fiquei com muito medo e com insegurança, achando que era algo de outro mundo, espiritual. Porque era muita mudança, comecei a ficar mais deprimida sem saber o que estava acontecendo comigo. [...] Ele falou que era grave, que eu ia morrer, que eu não podia fazer nada e tinha que ficar deitada", afirma.

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Vanessa gosta muito de pintar os cabelos, desde os 14 anos; além da cor azul, ela já teve fios loiros, rosa e agora está ruiva
Imagem: Reprodução/ Facebook

'Não deixei me abater'

Vanessa disse que assim que recebeu o diagnóstico foi um choque para ela. Várias pessoas chegaram a enviar cartas e presentes quando souberam que ela poderia não viver por muito tempo. Mas isso não a impediu de estudar e trabalhar — chegando a entrar na faculdade de Gestão de Recursos Humanos, que precisou ser trancada após perder um emprego.

"Cheguei até a casar. Hoje me separei. Não deixei me abater pela patologia. O problema é que eu tenho minhas limitações, ando de cadeira [de rodas], porque eu preciso de fisioterapia contínua, é o único remédio que existe", declara a aposentada.

Até muay thai ela chegou a fazer, mas hoje busca focar apenas nas sessões de fisioterapia. Ela diz que, por ser aposentada, nem sempre tem condições para pagar o tratamento. Por isso, sempre que pode, tenta fazer algo de diferente e agora espera conseguir entrar numa escola de dança para alongamento. "Acredito que vai ser balé", diz.

Vanessa desenvolveu a doença devido a um padrão de herança genética recessivo dos pais. "A ataxia de Friedreich é uma doença geneticamente determinada e ela tem um padrão de herança que a gente chama de autossômico recessivo. Ou seja, cada pessoa tem 23 mil genes. Esses genes são herdados dos pais, a gente sempre acaba herdando um do pai e um da mãe", explica ao UOL Pedro José Tomaselli, médico assistente do ambulatório de neurogenética do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP).

"Quando é recessivo, você tem que ter a mutação nos dois alelos, tanto no cromossomo do gene que veio do pai quanto no da mãe. Isso quer dizer que ela (a doença) é um padrão de herança autossômico recessivo. A ataxia de Friedreich é a causa mais comum de ataxia geneticamente determinada com esse padrão de herança recessivo", complementa.

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Vanessa durante sessão de fisioterapia
Imagem: Reprodução/ Instagram

Incidência

A prevalência deste do tipo que Vanessa tem é de até oito casos para cada 100 mil pessoas, dependendo da população analisada, podendo acometer homens e mulheres. Tomaselli confirma que os sintomas geralmente começam na infância ou adolescência levando à perda progressiva da coordenação (ataxia).

A perda de equilíbrio vai levando a uma perda importante da capacidade de caminhar, podendo evoluir e comprometer até a articulação da fala e a sensibilidade. "[Levando assim] à perda da capacidade proprioceptiva, que é esse componente do sistema nervoso sensitivo que permite a gente perceber onde está o pé e ajuda nosso organismo a ficar bem orientado corporalmente".

Caracterizada por ser uma doença genética e progressiva, o doutor em neurologia afirma que geralmente o paciente perde a capacidade de andar cerca de 10 a 20 anos após o início dos sintomas. "A expectativa de vida gira em torno de 27 anos de idade e o diagnóstico é confirmado por um teste molecular", completa.

"É uma doença causada por uma repetição de um trinucleotídeo GAA, uma sequência de três nucelotídeos, numa região intrônica que está localizada em um gene chamado frataxina", detalha. Segundo ele, em pessoas que não possuem a doença, há entre 5 e 30 repetições. "Acima disso, você vai ter essa doença desde que elas estejam nos dois alelos. Geralmente nos pacientes com Friedreich a gente vai ter entre 70 e até mil repetições".

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Vanessa já chegou a fazer faculdade, mas trancou após ser demitida de um emprego; ela também já casou e hoje mora sozinha
Imagem: Reprodução/ Instagram

O coração

Além dos sintomas como perda de equilíbrio e dificuldade de articular a fala, essa condição também inclui alterações oculares como a presença de nistagmo, ou seja, movimento dos olhos de forma involuntária. Não há, até o momento, tratamentos específicos que tenham sido aprovados para tratamento dessa doença. "Na ataxia de Friedreich há o envolvimento cardíaco decorrente da proliferação mitocondrial e perda das proteínas contráteis e consequente fibrose miocárdica".

"Essas alterações causam uma hipertrofia concêntrica ou mesmo miocardiopatia dilatada. Sendo esta última e arritmias as comuns causas de óbito nesses pacientes", elucida o médico.

Mesmo com todos os cenários e o que pode acometê-la, Vanessa não se deixa abater. Nem mesmo com a chance do coração parar. "Por enquanto, meu coração está em ordem. Pelo menos estava, antes de pegar covid", brinca. Também por isso, ela busca outras formas de ficar feliz. Há alguns anos, por exemplo, ela passou a ser simpatizante de um motoclube e faz parte deles desde 2019, motivo de alegria pelas amizades conquistadas.

"Sou muito guerreira, moro sozinha. Não sou uma pessoa totalmente debilitada, mas tenho meus limites. De vez em quando, dou umas escorregadas e caio. [...] Sou muito ativa, muito feliz. Gosto de bagunça, não gosto de ficar deprimida. Não entrei em depressão. Minha família e meus amigos me apoiam. Eu ainda tenho esperança de conseguir pelo menos melhorar fisicamente com fisioterapia", conclui.