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Como podemos ter certeza de que o coração exposto é mesmo de dom Pedro 1º?

Coração de dom Pedro 1º na chegada ao Planalto - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coração de dom Pedro 1º na chegada ao Planalto Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Matheus Brum

Colaboração para o UOL

08/09/2022 04h00

No Brasil desde o último dia 22 de agosto, o coração de dom Pedro 1º foi fruto de uma cerimônia pomposa por parte do governo federal e também de uma grande exposição no prédio do Itamaraty, em Brasília. No último domingo (4), uma fila se formou para poder ver o órgão do primeiro Imperador brasileiro. A quantidade de pessoas não surpreendeu, afinal era o último dia para a visitação. O coração do imperador brasileiro voltará para Portugal hoje (8).

Guardado pela Igreja Nossa Senhora da Lapa, em Portugal, desde 1837, o órgão fica em um recipiente embebido por formol. O líquido é trocado de dez em dez anos. Antes de morrer, o próprio dom Pedro deixou um comunicado de que gostaria que seu coração fosse retirado do corpo e ficasse em Porto, cidade pela qual se apaixonou ao final da vida.

Passados quase 200 anos desde que esse fato ocorreu, dá para cravar que esse coração é mesmo de dom Pedro? Segundo o perito criminal Claudemir Dias, mestre em genética e biologia molecular pela Unicamp, é preciso um longo trabalho para poder identificar que o órgão pertenceu mesmo ao primeiro imperador brasileiro.

"Primeira coisa que precisamos saber é se morfologicamente esse coração é humano, de fato. Isso não é difícil, pois vemos a forma e o tamanho do coração. Depois é preciso um processo de identificação, que quase sempre é comparativo. Eu poderia pegar um fragmento deste órgão, extrair o DNA e ter o perfil genético do dono do coração. Mas isso não diz quem é a pessoa", explicou o perito.

A partir disso, segundo Claudemir, o processo de identificação começa a ficar mais trabalhoso.

"Preciso comparar o perfil genético que recolhi do coração com o perfil genético de um cadáver que suspeito ser do dono do coração. Se estamos falando de dom Pedro 1º, precisamos perguntar: 'existem restos mortais dele?'. Sim, existem. Então posso fazer uma exumação, coletar um fragmento de material genético e comparar com o encontrado no coração", disse Dias, destacando que os melhores órgãos para obter esses fragmentos são a cabeça do fêmur, a medula óssea e o dente molar.

O corpo de dom Pedro 1º já foi exumado. Isso ocorreu em 2012. Depois de quase oito anos de negociação com a família imperial, a arqueóloga e historiadora Valdirene do Carmo Ambiel conseguiu autorização para exumar o corpo do Imperador. O estudo fazia parte da dissertação de mestrado que Valdirene apresentou na USP (Universidade de São Paulo).

Em reportagens da época, ficou registrado que os corpos do monarca e de suas esposas passaram por exames de ultrassonografia e tomografia. Não há menção, nas reportagens, de coleta de material genético na ocasião.

"Outra forma de fazer a comparação é pegar as linhagens familiares de D. Pedro, eventuais descendentes e, com base na árvore genealógica, se aproximar do perfil genético do primeiro imperador. Com isso, fazer a comparação", complementou o perito, informando que é o mesmo procedimento feito pela Polícia Civil para identificar corpos de pessoas desaparecidas.

Uso do formol pode danificar DNA

Segundo a Igreja Nossa Senhora da Lapa, o coração do imperador está há todo esse tempo dentro de um recipiente cheio de formol. De acordo com a diretora do Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto do Coração (InCor), Vera Demarchi Aiello, essa é a melhor solução química para se preservar um órgão.

"Há várias formas de você preservar um órgão. Mas, de todas, o formol é o mais usado no mundo inteiro. Se não estiver no formol, o órgão vai apodrecer, secar, embolorar, como qualquer tecido humano", explicou a professora.

Ainda segundo Vera, não há um prazo de validade para o órgão "sobreviver" dentro do formol. "Outros casos, de outros museus, demonstram que é possível manter por séculos o órgão preservado", ressaltou a diretora.

O perito Claudemir Dias concorda com a professora quanto ao uso tradicional do formol. No entanto, segundo o mestre em genética, a substância química traz um desgaste para o material genético do órgão.

"O formol preserva muito bem os tecidos em termos morfológicos. Para fins de DNA, pode gerar dificuldade. A gente sabe que materiais com muito tempo no formol trazem dificuldade para acesso ao material genético. Não é o melhor meio, mas não impossibilita o exame", finalizou.