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Mãe de santo instala Belzebu em casa do RS: 'É um rei, não tenho vergonha'

Do UOL, em São Paulo

22/03/2023 09h09Atualizada em 22/03/2023 11h12

A casa de Mãe Michelly da Cigana, 44, virou atração em Alvorada (RS) depois que um vizinho postou uma foto do muro no Twitter: no alto da fachada está uma estátua de Belzebu.

Eu já cultuo Belzebu há nove anos e ele trouxe mudanças significativas na minha vida. Quis colocá-lo na fachada como uma homenagem, uma forma visual de deixar claro que para mim ele é um deus, uma entidade responsável por todas as mudanças positivas que eu tive na minha vida até hoje — e foram muitas"

Ao UOL, Mãe Michelly explica que ali funciona um centro religioso, que tem a polêmica entidade como uma de suas divindades.

Para os cristãos, Belzebu é um dos nomes do diabo, mas, para Michelly e também para outras religiões, trata-se apenas de uma divindade que não carrega o conceito de "bem e mal".

Segundo a sacerdotisa, a casa onde mora é dividida em três salões, cada um deles dedicado a uma vertente religiosa diferente: em um existe uma homenagem para mãe Oxum, em outro se pratica a umbanda e no terceiro se faz os ritos de quimbanda — nele, está o túmulo de Belzebu.

De matriz afro-brasileira, a quimbanda mistura elementos de diversos sistemas de crenças e tem como uma de suas crenças manipular forças.

Alguns enxergam como algo ruim, algo negativo, mas eu sou testemunha de que não é ruim. Eu peço proteção, saúde, todas as coisas boas que a gente quer para as nossas vidas e eu sou atendida. Então eu quis exaltar o nome dele e dizer que não tenho e nunca vou ter vergonha da minha fé"
Mãe Michelly da Cigana

A estátua instalada pela mulher em frente à casa é a representação da divindade representada com corpo humano e asas e cabeça de bode.

A imagem não foi a primeira coisa a trazer atenção para mãe Michelly, que tem mais de 700 mil seguidores no Instagram. Ela é conhecida também por fazer amarrações para o amor e até mesmo resolver brigas por herança — ritos controversos dentro de vertentes como a umbanda, que defende o livre arbítrio.

Apesar de os comentários nos posts se dividirem entre elogios e críticas pesadas, a religiosa conta que não sofre preconceito religioso na cidade em que vive. E, segundo um estudo da UFRGS publicado em 2020, a tolerância não é fruto da sorte.

Os dois últimos censos do IBGE indicaram o Rio Grande do Sul como o estado mais afro-religioso do Brasil, superando inclusive a Bahia em números proporcionais e absolutos. Segundo o levantamento feito em 2010, quando o estado já tinha 1.342 casas de religiões de matriz africana, a quimbanda apareceu como o universo escolhido por 28% dos fiéis gaúchos.

Minha casa nunca foi alvo de vandalismo e hostilidade. Nunca tive problema, porque Alvorada é uma das cidades que mais tem casas da religião no Brasil, é bem tranquilo. Por exemplo, o primeiro túmulo do Brasil da pombagira Maria Padilha foi feito por mim e está aberto a visitação pública, no Cemitério Municipal.

maria padilha - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Mãe Michelly da Cigana em frente ao túmulo para Maria Padilha, no Cemitério Municipal de Alvorada
Imagem: Arquivo Pessoal

Pombasgiras são entidades de religiões de matriz afro-brasileiras incorporadas por médiuns. Alguns sacerdotes as enxergam como mensageiras dos orixás, que assumem diferentes personalidades. Entre as mais conhecidas está a de Marila Padilha, ligada à amante do rei de Castela, na Península Ibérica.

Imagem custou R$ 20 mil

Michelly comprou a estátua da entidade com um artista gaúcho. Feita de fibra, a imagem custou R$ 5.000. Ela desembolsou mais R$ 10 mil pela estrutura de vidro em que ela está resguardada e outros R$ 5.000 pela base de concreto que serve de sustentação.

"Eu sou uma mãe de santo muito focada em agradar a entidade, eu nem imaginei que ia dar toda essa repercussão. Quando eu coloquei a imagem ali, foi para agradar o meu senhor. Para mim, ele é um rei. Uma entidade que está acima de tudo e que me traz todas essas coisas positivas e boas", afirmou.

E Michelly acredita que Belzebu teve participação no sucesso de sua imagem nas redes sociais, às vésperas da Sexta-feira Santa, data que relembra o calvário de Cristo e que também é importante na casa de quimbanda.

"O túmulo de Belzebu é aberto somente na Sexta-feira Santa, em que eu alimento e fortaleço essa energia dele. Eu acredito que essa repercussão toda é coisa dele, do espiritual", diz a religiosa, deixando claro ainda que os outros salões de sua casa não têm relação com a entidade.

O Belzebu está conectado apenas à quimbanda. Eu também sou mãe de santo, umbandista, mas são religiões diferentes e eu estou apta a executar todas.