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Pai de 3 filhos, entregador negro agredido no Rio pedala 12 horas por dia

Lola Ferreira e Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

12/04/2023 04h00

O entregador negro Max Ângelo dos Santos, 36, trabalha há um ano e meio em aplicativos e pedala diariamente na zona sul do Rio de Janeiro. No domingo (9), ele foi agredido por uma mulher e o caso ganhou repercussão nacional.

O que aconteceu

A ex-atleta de vôlei e nutricionista Sandra Mathias Correia de Sá agrediu Max. Ela é aguardada pela 15ª DP (Gávea) para ser ouvida hoje.

Imagens mostram Sandra puxando a camisa e dando socos no entregador. Ela pega a guia da coleira do cachorro e dá uma chicotada nas costas dele.

A nutricionista mandou os entregadores voltarem para favela e os xingou de "lixo", conta a vítima. As agressões teriam começado porque Sandra não gostou de ver os entregadores na calçada.

Eu fui muito humilhado. Quis me afastar e não quis revidar, mas se eu boto a mão nela, hoje eu estaria em [um presídio de] Bangu, porque ela iria alegar que eu a agredi. Não quero que aconteça com outra pessoa, quero justiça."
Max Ângelo dos Santos, entregador

O trabalho é muito cansativo. Para vir alguém e me xingar? Não é certo. Eu saio de manhã todos os dias, em sol e chuva, e minha única fonte de renda é o aplicativo."

Max Ângelo dos Santos, entregador agredido em São Conrado - Reprodução/Band - Reprodução/Band
Max Ângelo dos Santos, entregador agredido
Imagem: Reprodução/Band

Rotina como entregador

Os aplicativos se tornaram a principal fonte de renda quando Max ficou desempregado. Antes, trabalhava como porteiro e fazia as entregas somente nas horas vagas.

Para pagar as contas, Max conta que pedala no mínimo 12 horas por dia, podendo chegar a 16 ou 18 horas. O entregador diz que, no auge da pandemia, era possível faturar um bom valor em 5 ou 6 horas de trabalho.

Sem moto, faz todo trabalho de bicicleta por São Conrado e adjacências. Tem dias que vai a bairros mais distantes, em busca de mais movimento nas entregas.

Para mim é muito cansativo. Às vezes pego uma entrega muito longe, levo de 15 a 20 minutos para chegar e o mesmo tempo para voltar. Quando o movimento está fraco, vou pro Leblon, Ipanema, Copacabana ou Botafogo. De bicicleta é cansativo.
Max Ângelo dos Santos, entregador

Expectativa por justiça e menos racismo

Max é casado e pai de três filhos, de 13, 12 e 8 anos de idade. As crianças viram o vídeo, mas ele diz que não teve uma conversa longa com os filhos ainda por causa da rotina de exames no IML, depoimento à Polícia Civil e entrevistas.

O entregador decidiu publicar as imagens das agressões após uma noite inteira sem dormir. "Sabemos que o racismo não vai acabar, existem muitos racistas, mas se as pessoas denunciarem o que acontece, pelo menos pode diminuir", disse.

Ele conta que não quer nenhum acordo judicial, mas que Sandra pague integralmente pelos crimes sob investigação.

Sandra Mathias Correia de Sá - Reprodução - Reprodução
Sandra Mathias Correia de Sá foi filmada agredindo entregadores em São Conrado, no Rio
Imagem: Reprodução

Continua perto da casa da agressora

Após a repercussão do caso, ele segue no mesmo ponto de trabalho — perto da casa de Sandra — e não teme represálias. "Não pensei nisso [que ela pudesse se vingar], vou só ficar um pouco mais atento do que geralmente fico."

Max diz que recebeu apoio dos aplicativos em que está cadastrado, com suporte psicológico e o que mais ele precisar.

Todos nós podemos ser melhores, todos cometemos erros e temos nossas falhas. Mas acho que todos podem ser um pouco melhores. Não é porque tem dinheiro que pode humilhar outra pessoa que é de classe mais baixa, ou tem o tom de pele diferente do dela. Isso está completamente errado."

Sandra foi procurada pela reportagem do UOL, mas não retornou os contatos.