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Ela tem mercúrio no sangue: 'Tenho medo, mas tento não pensar na morte'

Aldira Akay Munduruku, 31 anos, mora na aldeia Sawré Muybu, no Médio Tapajós, Oeste do Pará.  - Arquivo Pessoal
Aldira Akay Munduruku, 31 anos, mora na aldeia Sawré Muybu, no Médio Tapajós, Oeste do Pará. Imagem: Arquivo Pessoal

Adriana Amâncio

Colaboração para o UOL

04/06/2023 04h00

A região do Tapajós, no Oeste do Pará, é a segunda maior área ocupada com garimpo no Brasil: 1.592 hectares, segundo o Mapbiomas (rede colaborativa de ONGs, universidades e startups). O mercúrio, usado como amálgama (liga metálica) na extração do ouro, contamina os peixes, a água, o ar e vai parar no sangue da população indígena. Nas aldeias, o consumo de peixe e da água de rios e igarapés é muito comum. E é por esse caminho que o mercúrio entra no sangue e se acumula no organismo de povos indígenas.

Esse é o caso da mulher indígena Aldira Akay Munduruku, de 31 anos, que mora na aldeia Sawré Muybu, no Médio Tapajós. Em meados de 2022, ela recebeu o resultado do teste da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), com nível alto de mercúrio no sangue. Para Aldira, o resultado do teste foi a explicação para uma série de problemas de saúde que ela viu se agravar nos últimos anos.

"Quando recebi o resultado do exame, vi que as dificuldades que eu estava sentido poderiam ser por causa do mercúrio. Eu tinha muita dormência nas pernas, nos braços. Mal conseguia ficar em pé. Uma das minhas filhas nasceu morta. Eu tive muita complicação nessa última gravidez. Pode ser que tenha sido por causa do mercúrio, mas não tenho certeza."

Aldira só descobriu que estava contaminada depois de um amigo ter morrido por causa da doença. Foi aí, que ela e sua família procuraram a Fiocruz para fazer os testes.

"Escrevemos uma carta para a Fiocruz pedindo para fazer os testes. Fomos atendidos em 2017. O pessoal veio aqui e coletou o nosso cabelo. Aí, veio a pandemia e a gente só recebeu o resultado em 2022. No meu caso, deu muito alterado, na linha vermelha. Isso quer dizer que estou muito contaminada. Fiquei com medo e chorei."

Eu acredito que a contaminação ocorreu por causa do consumo da água e dos peixes. Mas nós não podemos deixar de comer peixe, dependemos desse alimento."

Ela conta que é difícil conviver com o garimpo. "A gente sabe que foram eles que trouxeram a doença para a aldeia. Vamos lutar para dizer que não queremos o garimpo perto de nós. Não sabemos o que eles podem fazer com as nossas crianças, o que podem fazer com a gente mesmo. É muito difícil conviver com o rio sujo, como o Rio Tapajós e viver perto das dragas."

Mas não é só Aldira que testou positivo. Segundo ela, o resultado dos exames do marido e dos filhos também vieram alterados.

Tenho um filho de 7 anos, outro de 5 e uma pequena de um ano e sete meses. Eles estão contaminados, mas em um nível aceitável. Mas, daqui a algum tempo, esse nível de mercúrio pode aumentar. Até porque, também aumentou os casos de anemia entre as crianças. Evito pensar nas doenças e na morte, mas me preocupo todos os dias com cada sintoma que surge."

Mesmo buscando por atendimento médico, Aldira sofre com os sintomas. "Tenho dor nos olhos e uma anemia bem forte. Tenho que ir fazer exame e tomar remédio. Na aldeia não tem médico, a gente tem que pegar a voadeira (barco com motor veloz) até o ramal e andar 70 km e duas horas e meia até a cidade. Se tiver muita chuva, dependendo do caso, a estrada fica muito ruim e demora ainda mais."

Seis de cada dez indígenas afetados

Em 2020, uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com a WWF Brasil mostrou que seis de cada dez indígenas do médio Tapajós, região onde vive Aldira, estavam com níveis de mercúrio acima de 6µg.g-1, limite permitido pelas agências de saúde. Quando se aproxima das áreas de garimpo ilegal, esses mesmos níveis se apresentam em nove de cada dez pessoas.

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Pesquisa de 2020 mostra que seis em cada dez indígenas do médio Tapajós estavam com níveis de mercúrio acima do limite permitido pelas agências de saúde.
Imagem: Arquivo Pessoal

O neurologista da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Erick Jennings, explica que "o mercúrio entra no corpo na forma de metilmercúrio e se instala nos órgãos".

Quanto mais contato uma pessoa tem com o produto, mais aumenta a sua concentração no organismo, processo chamado de bioacumulação. No caso das mulheres gestantes, o metal pode atravessar a placenta e contaminar o feto.

O neurologista alerta que a contaminação com o mercúrio é algo complexo, pois os sintomas que o metal provoca podem ser confundidos com manifestações de outras doenças.

Ele pode provocar aumento da pressão arterial, alteração hormonal, cognitiva, visual, que podem ser associados a outros quadros, mas, na verdade, já pode ser ação do mercúrio. É preciso destrinchar tudo isso para identificar que, de fato, é ação do mercúrio. Na Amazônia a contaminação com mercúrio é mais lenta e mais crônica."