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'Rua da morte' registrou mais vítimas do que a zona sul do Rio em 2023

19.mar.2023 - PMs patrulham rua Araticum, no Anil; foram registradas 14 mortes por ferimentos a bala na via só neste ano - Reprodução/PMERJ
19.mar.2023 - PMs patrulham rua Araticum, no Anil; foram registradas 14 mortes por ferimentos a bala na via só neste ano Imagem: Reprodução/PMERJ

Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo

09/07/2023 04h00

Vinte pessoas foram baleadas na rua Araticum, no bairro do Anil, zona oeste do Rio de Janeiro, entre 1º de janeiro e 30 de junho deste ano. Desse total, 14 morreram. No mesmo período, em toda a zona sul carioca, foram dez baleados e quatro mortos. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado, que acompanha os números da violência na cidade.

O que aconteceu

A rua Araticum fica em uma área disputada pelo Comando Vermelho e por milicianos. A via é estratégica por dar acesso a Muzema, Rio das Pedras e outras favelas cobiçadas por grupos armados.

As trocas de tiro não têm hora para acontecer, segundo os moradores. Os entrevistados preferem não se identificar, mas afirmam que têm medo de passar pela rua para buscar os filhos na escola ou quando voltam mais tarde do trabalho. Motoristas de aplicativo e prestadores de serviço também têm evitado a região.

Moradores são obrigados a pagar taxa de luz a milicianos em alguns trechos da rua. A cobrança é feita à parte — além do valor pago à Light, concessionária de energia. Há relatos de que os grupos armados também ergueram e cobram aluguel em alguns dos prédios na Araticum.

Um shopping divide espaço com casas e condomínios de classe média no começo da rua. Aos poucos, surgem vias transversais com cancelas e portões, não permitidos pela legislação carioca. A parte final da via tem paisagem quase rural, com árvores e grandes condomínios.

O grande número de ocorrências popularizou o apelido "rua da morte". O termo vem sendo usado pela imprensa e por moradores para se referir à via.

Uma rua em guerra - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

O que diz a polícia

As polícias Militar e Civil informaram que atuam em conjunto na região. A PM diz que a região da Gardênia Azul ganhou posto avançado do 18º Batalhão (Jacarepaguá), a comunidade do Tirol recebeu uma cabine blindada e uma base de policiamento foi instalada em Rio das Pedras.

A Polícia Civil afirmou que investiga a atuação de grupos de criminosos, por meio de trabalhos de inteligência e monitoramento de dados para chegar aos envolvidos nos confrontos.

O comando do 18° BPM (Jacarepaguá) vem empreendendo uma série de ações para neutralizar os efeitos da disputa territorial entre facções rivais e garantir a segurança dos cidadãos. As medidas são pautadas pelo setor de inteligência da corporação, de forma integrada com a Polícia Civil, que investiga os responsáveis pela disputa territorial e ações criminosas na região.
Polícia Militar do Rio, em nota enviada ao UOL

Oito mortos em um mês

Apenas em março, oito pessoas morreram em decorrência de ferimentos a bala registrados na rua Araticum, ainda de acordo com o Instituto Fogo Cruzado. Foi o mês com maior número de ocorrências.

Com mais de 6 mil ruas, a zona sul não registrou baleados ou mortos no mês passado. No ano passado, seis pessoas morreram na região, que abriga 18 bairros — como Copacabana, Ipanema e Rocinha.

Rua Araticum fica em área disputada pelo Comando Vermelho e por milícias - Reprodução/Street View - Reprodução/Street View
Rua Araticum fica em área disputada pelo Comando Vermelho e por milícias
Imagem: Reprodução/Street View

Situação é 'lamentável'

Para interromper a dinâmica vista hoje na rua Araticum e outras partes da cidade, só com a conquista do território -- seja pelo Estado, seja por um grupo armado. Só reforço policial e operações não resolvem esse tipo de situação, que depende de investigação das bases econômicas de grupos armados e de rompimento da ligação deles com agentes públicos para se resolver.
Daniel Hirata, professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da UFF

É sintomático que em determinados locais a população viva refém da violência enquanto o poder público não se move para resolver o problema. O que acontece na rua Araticum é lamentável, mas é também um sintoma de como a segurança pública é tratada atualmente no Rio de Janeiro
Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro