Uma em cada sete escolas do Rio foi alvo de bala perdida, diz Anuário
Uma a cada sete escolas do Rio de Janeiro foi alvo de bala perdida ou tiroteio, segundo levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que divulgou hoje dados do Anuário 2023.
O que aconteceu
As escolas do Rio foram as que mais registraram episódios de violência em relação aos outros estados. A situação ocorreu em 586 instituições de um total de 4.331 que participaram da pesquisa. Os dados são referentes a 2021 e foram respondidos pelos diretores de mais de 74 mil escolas brasileiras que realizaram o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
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O Rio também foi o estado onde as aulas foram mais interrompidas por episódios de violência. Ao todo, 269 escolas disseram ter interrompido o calendário escolar durante vários dias.
A escola, no Rio de Janeiro, é uma instituição quase 8 vezes mais perigosa de se frequentar e ser vítima do fogo cruzado entre polícia e criminosos do que nos demais estados do Brasil. Cauê Martins, pesquisador do Fórum
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O levantamento não aponta a região onde estão localizadas essas escolas afetadas.
De 673 tiroteios registrados na região metropolitana do Rio, 460 ocorreram perto de escolas, segundo dados divulgados no mês passado pelo Instituto Fogo Cruzado. O cenário de violência no entorno de unidades educacionais tem sido mapeados pelas organizações.
É importante observar que esses episódios de violência atravessam a desigualdade social, já que os locais passíveis de ter esse fogo cruzado são as periferias da cidade.
Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Escola vira 'refúgio', diz sindicato
Durante um tiroteio, algumas escolas são usadas como "refúgio" por policiais ou traficantes, segundo Helenita Beserra, coordenadora geral do Sepe (Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro). "Sem porteiros, sem vigia, sem equipe em número suficiente, a escola acaba ficando refém", diz.
São aulas suspensas, são marcas de bala nas paredes, direções que precisam assegurar a vida dos alunos e funcionários sem ter como fazê-lo. Helenita Beserra, coordenadora geral do Sepe
Antes de se afastar para a atuar no sindicato, ela trabalhava em uma escola de Caxias em que, segundo Helenita, os muros eram usados por policiais na troca de tiros.
Os episódios de tiroteios ou bala perdida são o cenário mais trágico que a escola está submetida. [...] Muitas vezes as trocas de tiro ocorrem no horário de entrada ou saída de turnos dos alunos e isso impede que o direito constitucional de acesso à escola seja assegurado.
Helenita Beserra, coordenadora geral do Sepe (Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro)
Resguardo com alunos e professores. Professora da rede estadual há 28 anos, Marta Soares diz que é necessário criar protocolos por parte da Segurança Pública para proteger as crianças das operações policiais. "Para começar, as incursões policiais não podem ocorrer no horário escolar", afirma.
É um contexto dificil para o qual você não foi preparado na sua formação como professor. Nada na minha formação me preparou para a violência com a qual a gente convive diariamente ou esporadicamente nas escolas.
Alexandre Santos, professor da rede pública em Duque de Caxias (RJ)
Violência escolar no Brasil
A escalada de violência escolar aparece em outros estados brasileiros. Ao todo, 669 escolas disseram ter interrompido o calendário escolar devido a episódio de violência —isso, dentro de um contexto da pandemia da covid-19, em que as escolas não estavam 100% em funcionamento presencial.
Na Bahia, por exemplo, 99 escolas informaram que interromperam suas atividades por episódios de violência. Na semana passada, um projétil atingiu uma panela na cozinha de uma escola pública, em Salvador.
Estamos preocupados com a capital e o interior do estado, porque todos os dias sabemos de escolas suspendendo aulas por causa de tiroteios. Rui Oliveira, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia.
Algumas escolas na Bahia têm feito simulações de rota de fuga com os alunos, segundo Oliveira.
Como a escola pode realizar sua função social de geração de conhecimento, de capacitação dos alunos, se esse processo ocorre no meio de um tiroteio? Ela passa a ser também um local de violência, que se retroalimenta do que acontece no seu entorno.
Cauê Martins, pesquisador
Nos últimos meses, o debate sobre violência escolar voltou ao centro das discussão devido aos ataques a escolas —caso diferente do retratado pelos dados do Anuário. Um deles ocorreu no mês passado, em Cambé, no Paraná, e deixou dois adolescentes mortos.