'Armas de fogo meu corpo não alcançarão': oração inspirou hit dos Racionais
Do UOL, em São Paulo
09/08/2023 10h25Atualizada em 09/08/2023 16h40
"Armas de fogo o meu corpo não alcançarão" e "facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar". O soldado da PM Patrick Bastos Reis, 30, exibia frases como essa em suas tatuagens, conforme relata a coluna de Josmar Jozino no UOL. As citações são famosas, principalmente para quem é próximo de temas religiosos ou gosta de música, principalmente com Jorge Ben Jor e o rap do Racionais MC's, com a introdução do famoso disco "Sobrevivendo no Inferno".
De onde vem?
As frases ostentadas por Reis, que era casado e pai de uma criança de dois anos, remetem principalmente a uma oração para São Jorge. Ela representa um pedido de proteção contra inimigos - e tem uma origem recente, como se vê em versos como os que citam segurança contra "armas de fogo".
Uma das orações é assim:
Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.
Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.
Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos.
Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.
São Jorge Rogai por Nós.
Jorge Ben e Racionais
Jorge Ben Jor foi um dos músicos que usaram a oração em suas letras. "Jorge da Capadócia" foi lançada no álbum "Solta o Pavão" (1975) e ganhou diversas versões de outros artistas, em especial Caetano Veloso e Fernanda de Abreu. Nos anos 1990, foi parar no rap.
O disco "Sobrevivendo no Inferno", o mais famoso dos Racionais MC's, abre com uma introdução que contrasta com o rap pesado do restante do disco. Ela traz uma versão cantada e mais curta com trechos de "Jorge da Capadócia", de Jorge Ben - à frente de um sample de uma música de Isaac Hayes.
"Se eu falar, uma pá de gente vai falar que é comédia. Eu sonhei com a música do Isaac e com a música do Jorge Ben em cima. Eu já gostava da música e era a música que tava faltando no disco. Faltava uma coisa mais íntima, religiosa, de proteção, da nossa origem, principalmente minha e do Ice Blue, ligado ao candomblé. E ogum é o orixá da guerra, que abre o caminho, a primeira música é pra abrir caminho, além de homenagear o Jorge Ben, que sou fã", disse Mano Brown, em uma entrevista à MTV, na época do lançamento.
A faixa começa com a fala "ogunhê", que exemplifica o sincretismo no Brasil. São Jorge é presente em religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, que o veneram com outro nome: Ogum.
Por que guerreiro?
A prece para São Jorge não tem uma origem definida, mas se espalhou na cultura popular devido à fama do santo.
Não se sabe se ele existiu, mas a tradição diz que Jorge nasceu por volta do ano 280 d.C. na Capadócia, atual Turquia, e se mudou mais tarde para a região da Palestina. Ele se alistou no exército do Império Romano e foi morto em 303 d.C. por se negar a matar e perseguir cristãos — como ele. Diz-se que Jorge foi decapitado no dia 23 de abril, data em que se homenageia o santo.
Já a lenda dele como guerreiro vem de perto do ano 1300. Nesta época, um escriba dominicano conhecido como Jacopo de Varazze compilou histórias dos primeiros santos em um livro conhecido como "Lenda Dourada". São Jorge estava nas páginas - mas a história do soldado turco ganhou ares muito diferentes.
No capítulo dedicado a São Jorge há a história de uma cidade que sofre com um dragão que queimava casas e contaminava a água. Para acalmar o monstro, jovens virgens eram entregues para sacrifício. Quando foi a vez da filha do rei, São Jorge teria aparecido montado em seu cavalo. Após vencer o dragão, o santo teria cortado a cabeça do animal, o que fez toda a cidade se converter ao cristianismo.
A morte de Reis
Segundo a coluna de Josmar Jozino, o projétil de pistola 9 mm que matou o soldado Patrick Bastos Reis, 30, entrou pelo ombro esquerdo e atravessou o tórax do policial militar, onde havia as tatuagens com as frases "armas de fogo o meu corpo não alcançarão" e "facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar".
Reis era da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), unidade de elite da PM, e fazia patrulhamento na Vila Zilda, no Guarujá, Baixada Santista, no último dia 27, quando foi atingido por um disparo.
A bala também atingiu os pulmões e a aorta ascendente de Reis e se alojou perto da região infraclavicular direita, onde havia a tatuagem com a inscrição em inglês "only the strongest will survive", que em português quer dizer "só os mais fortes sobreviverão".