'Caiu no meu braço e apagou', diz pai de bebê que morreu no Sírio-Libanês

Um filme de terror. É assim que o empresário João* define a madrugada do dia 7 de abril de 2018, quando seu filho, Pedro de Assis Cândido, de um ano, morreu no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O Hospital foi condenado em segunda instância a indenizar os pais do garoto em R$ 969,6 mil, valor que ainda será acrescido de juros e correção monetária. A informação foi publicada por Rogério Gentile, colunista do UOL

Segundo a decisão, a morte de Pedro aconteceu por erro e negligência médica, após seis horas de intenso sofrimento e agonia.

"Meu filho caiu no meu braço, apagou, teve uma parada cardiorrespiratória. Deu um último suspiro e caiu", lembrou João, em depoimento ao UOL.

À reportagem, o Hospital Sírio-Libanês afirmou que não comentaria sobre o andamento do processo. À Justiça, o hospital e os médicos negaram que tenha ocorrido falha ou negligência.

'Entrou no hospital andando'

Depois de infecções recorrentes, Pedro foi diagnosticado, no segundo semestre de 2017, com doença granulomatosa crônica, condição considerada rara e que causa maior predisposição a infecções por fungos e bactérias.

"Ele tinha uma vida normal, brincava, só ficava com febre, mas tomava um antibiótico e melhorava. Ele tinha uma vida dentro da normalidade para aquela faixa etária", diz o pai de Pedro.

A orientação do médico hematologista contratado pela família — e que passou a acompanhar o bebê de forma particular — foi a realização de um transplante de medula óssea. Na época, o profissional era coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Sírio-Libanês.

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Segundo os pais de Pedro, foi oferecida "uma estrutura que é referência" e "os maiores especialistas" em assistência 24 horas por dia. "Eu fiquei tranquilo com aquilo que me foi vendido", afirmou João.

Depois de alguns meses, surgiu um doador e o procedimento foi marcado para o dia 18 de abril.

O bebê foi internado no Sírio-Libanês no dia 2 de abril para passar por uma série de exames e iniciar a quimioterapia, que teria a função de "anular" sua medula e prepará-lo para o transplante.

"O Pedro foi andando, uma criança normal. Foram centenas de exames e, como esperado, não tinha nenhum problema de saúde. Então, deram o sinal verde para a quimioterapia", lembra João.

Um dia antes do procedimento, João conversou com o médico. "Ele falou que ia começar a infusão da timoglobulina no dia seguinte, mas que estaria na França."

É uma frase que eu não esqueço: 'se seu filho espirrar, vai ter cinco médicos em cima dele'.

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'Meu filho caiu no meu braço'

A primeira aplicação do medicamento começou às 18h20 do dia 6 de abril, segundo o prontuário ao qual a reportagem teve acesso. Às 18h50, foi aumentada a infusão.

"O Pedro começou a ficar irritado. De repente, começou a chorar, vomitou, não quis comer. Falamos para a enfermeira e ela dizia: 'é normal, é do medicamento'", lembra o pai.

Só que começou a tomar uma proporção absurda, ele começou a gritar. Virou um filme de terror e se estendeu por muitas horas. A gente pedia para chamar um médico para fazer uma avaliação, e falavam que estavam falando com o médico por telefone.

O Sírio declarou à Justiça que a bula do medicamento indica a necessidade de supervisão médica, que é "perfeitamente suprida pela equipe interdisciplinar, capaz de acompanhar a infusão, relatar e acionar um médico na hipótese de qualquer intercorrência".

Depois de cerca de quatro horas, a enfermeira aplicou morfina. "Falaram que a médica orientou por telefone", acrescenta João. Pedro recebeu uma segunda dose de morfina depois, ainda sem a supervisão de um médico, de acordo com a decisão.

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"Quinze minutos depois, meu filho caiu no meu braço, apagou, teve uma parada cardiorrespiratória. Deu um último suspiro e caiu. Na hora que a enfermeira viu e encostou nele, ela saiu correndo, pegou o telefone, digitou um código e soou um alarme", afirma.

O código digitado pela enfermeira, conhecido no meio médico como código azul, é acionado quando um paciente entra em parada cardíaca. "Em coisa de dois minutos, apareceram umas 20 pessoas entre médicos, enfermeiros, bombeiros e seguranças", diz o pai.

Segundo o pai, foi montada uma estrutura em volta do berço para reanimar o bebê. Neste momento, ele e a esposa foram retirados da sala e direcionados para um corredor próximo ao elevador, onde permaneceram até de manhã.

"Me lembro de ouvir frases como 'eu preciso descer com ele para a UTI' e alguém responder 'doutora, não tem vaga na UTI'", conta. João e a esposa souberam que o filho fora reanimado, embora ainda estivesse inconsciente.

Às 8 horas da manhã, Alessandra Gomes, a médica responsável por Pedro naquela internação e que estaria, segundo o hospital, orientando a equipe por telefone, informou os pais, presencialmente, de que o bebê havia morrido.

"Como morreu? Meu filho estava brincando comigo ontem. Por que não veio o médico?", perguntou João. Essas são respostas que ele e a esposa buscam até hoje.

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Perdemos toda a referência que podíamos ter, perdemos o chão, perdemos tudo. Apesar de ter uma doença de base, o Pedro era uma criança saudável. Qual era o problema?

'Preciso de resposta'

João conta que soube a causa da morte do filho pelo laudo do IML, que indicou um sangramento oriundo de perfuração intestinal. Nenhum dos exames realizados na semana de internação identificou a alteração, segundo a família informou à Justiça.

"Todos os exames realizados dentro do próprio hospital não mostravam nenhum tipo de infecção, não tinha nenhum tipo de inflamação, não tinha muito menos hemorragia", disse.

A gente quer entender quem foram os responsáveis e o que aconteceu, onde falharam. Eu preciso dessa resposta se não eu não durmo. Meu filho estava brincando comigo, eu não vou descansar. E se acontecer com outro pai?

Mesmo diante da condenação, João não considera que a justiça tenha sido feita porque não sabe "o que mudou" para que outras pessoas não passem pelo o que ele e a esposa passaram.

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"O que eu queria ouvir é: 'houve perigos, a gente ajustou, isso não vai mais acontecer. Criamos canais, departamentos. Isso não vai acontecer com outras pessoas, mitigamos os riscos de talvez acontecer de novo'. Eles nunca estiveram abertos a discutir isso", diz João.

O que dizem o hospital e os médicos

Com a condenação em segunda instância, o Hospital Sírio-Libanês pode recorrer em último recurso ao STJ ou STF.

Ao UOL, o Hospital Sírio-Libanês expressou "votos de pesar" e disse que se solidariza com a família de Pedro Assis Cândido.

"Uma vez que o caso segue tramitando na Justiça, em respeito a todos os envolvidos e ao rito processual, o hospital não comentará sobre seu andamento", completou a nota.

Na defesa apresentada à Justiça, o hospital declarou que a criança recebeu acompanhamento em tempo integral, ainda que não houvesse um médico ao seu lado durante a aplicação do medicamento. "Mas esse fato não implica em falha ou negligência", disse. "Não existia a necessidade da presença de um médico em tempo integral."

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O hospital afirmou ainda que a morte do garoto foi causada por um sangramento oriundo de perfuração intestinal, "que é uma complicação típica da doença granulomatosa crônica."

A médica Alessandra Gomes, responsável por Pedro durante a internação, virou ré por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) por suposta negligência. À reportagem, a defesa da médica rebateu as acusações de negligência e erro médico.

"Temos relatos de testemunhas e relatório comprovando que ela [a médica] compareceu ao hospital, mas isso ainda vai ser debatido na esfera judicial", afirmou Rinaldo Lagonegro Júnior, advogado que representa a médica na esfera criminal.

Já a defesa na esfera cível de Alessandra e do hematologista Vanderson Rocha disse à reportagem que não eles não comentariam o caso.

À Justiça, os médicos argumentaram em sua defesa que o óbito não teve nenhuma relação com os atendimentos prestados no hospital. De acordo com eles, o paciente "era portador de doença grave, de alto risco de mortalidade e vinha passando por diversos episódios de complicações, apesar de apresentar esporadicamente quadros de estabilidade".

Eles dizem que os pais "foram exaustivamente advertidos sobre os riscos compreendidos no tratamento do paciente, inclusive sobre a possibilidade de óbito".

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*Nome trocado a pedido do entrevistado

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