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'Dono de Mercedes matou minha mulher e me deixou cadeirante'

Ecosport ficou destruída após acidente Imagem: Peter Leone/Futura Press

Vinícius Rangel

Colaboração para o UOL

09/05/2024 04h00

Duas famílias vivem há seis anos com sequelas de um grave acidente que matou duas pessoas, feriu outras seis e deixou uma criança paraplégica. A batida aconteceu em 2018, na rodovia dos Imigrantes, em São Bernardo (SP). O responsável pela tragédia responde ao processo em liberdade.

O que aconteceu

Um grupo de amigos voltava de carro da Baixada Santista quando foi atingido por um veículo Mercedes-Benz CLS prata, dirigido pelo empresário André Veloso Micheletti. No automóvel, estavam Wesley Gomes Bispo com a esposa, Vitória Alves, e filho, além de André Jardim Gonçalves com a companheira Juliana Gamarra e os dois filhos. Vitória e Juliana morreram na hora. O filho de Wesley ficou paraplégico.

Para a Polícia Civil, testemunhas disseram que o motorista da Mercedes disputava um racha com outro veículo. A tese foi sustentada pelo Ministério Público de São Paulo. Apesar de condenações na Justiça por indenizações às vítimas, Micheletti continua impune pela tragédia e foi flagrado curtindo a vida com os amigos em um condomínio na capital.

Micheletti toma banho de sol em um de seus apartamentos Imagem: Reprodução

Sofrimento sem justiça

As vítimas entraram com uma ação cível para tentar uma reparação de danos. Micheletti perdeu em primeira e segunda instância, mas não ressarciu nenhuma das famílias. "Em nenhum momento fomos procurados. Não houve pedido de desculpas. Em nenhum momento eles nos procuraram. Nada até hoje", contou Wesley em entrevista ao UOL.

Nesses últimos anos, estamos na luta todos os dias. Convivo hoje com os problemas causados pela própria imprudência dele [Micheletti]. São muitos gastos com exames, fraldas, remédios, além de ter que conviver com a falta, com a saudade. A única coisa que talvez poderia amenizar um pouco tudo isso era a justiça, mas parece que por ele ser um empresário rico de São Paulo, isso não acontece. Queremos justiça, isso não pode ficar assim enquanto nós sofremos.
Wesley Gomes Bispo

Mudança de vida

Na época da tragédia, Wesley trabalhava com reparos de celular, mas se viu obrigado a mudar de função para se dedicar integralmente ao filho pequeno, hoje com sete anos. A criança sabe a história que carrega e quem é a mãe.

Wesley Bispo com o filho, Enzo Imagem: Arquivo Pessoal

"Meu filho sabe de tudo o que aconteceu", contou. "Eu contei para ele que a mãe faleceu em um acidente e que foi por causa desse acidente que ele ficou paraplégico, mas eu evito ficar falando sobre isso. Ele ainda é muito pequeno e não vejo motivo para ficar enchendo ele com tantas informações. Hoje, eu tenho outra companheira, mudei de profissão, mas vivemos juntos. Temos uma rotina de levar duas por semana para a fisioterapia, numa clínica que ganhamos a ajuda e ele tem acompanhamento psicológico mensal", continuou.

O agora motorista de aplicativo afirmou que, ao ver o homem que matou a sua então companheira solto, tem uma sensação de impunidade. "Ver o culpado solto é a sensação de impunidade. A impunidade no Brasil é só para quem tem dinheiro", finalizou.

'Ele matou minha esposa, minha funcionária e me deixou cadeirante'

André Gonçalves ficou paraplégico após acidente na rodovia Imigrantes Imagem: Arquivo Pessoal

O autônomo André Jardim Gonçalves era quem dirigia o carro atingido pela Mercedes. Com o impacto da batida, o motorista também ficou paraplégico. André teve que mudar toda a rotina por causa do acidente.

No começo, eu dependia muito dos meus pais, da minha irmã, da família inteira. O psicológico foi lá embaixo, só queria morrer. Passou um ano e eu fui começando a me reerguer. Meus filhos foram para a casa da avó materna. Antes eu não me virava sozinho, era só comida no prato, e agora eu faço minha comida sozinho, lavo minha roupa, ajeito a minha cama, casa. Adaptei toda a minha vida por causa do acidente.
André Gonçalves

André também não recebeu nenhum tipo de apoio do responsável pela batida. Hoje sobrevive apenas de algumas revendas de veículos.

"Eu quero que esse cara pelo menos arque com a despesa, o dinheiro que eu estou deixando de ganhar", disse. "Hoje eu estou trabalhando, às vezes, com venda de carros que eu compro em leilão pra revender, mas isso não é nem a metade do que eu ganhava antes. E esse cara, para não sair impune, ou vai ter que ser preso ou vai ter que me indenizar para me dar uma qualidade de vida maior. Se eu pôr na ponta do lápis, já passou de R$ 50 mil o que tive que investir para eu poder me virar sozinho", explicou.

Ecosport ficou destruída após acidente Imagem: Peter Leone/Futura Press

A cena do acidente ainda não saiu da cabeça de André e dos três filhos, que hoje vivem sem a presença materna. A família hoje vive à espera de punição ao responsável pela tragédia.

Ele matou a minha esposa, a minha funcionária, deixou o filho da minha funcionária também na cadeira de rodas até hoje e eu fiquei assim, me deixou cadeirante. Mas já não tem como voltar atrás, então pelo menos quero a indenização para poder me dar uma qualidade de vida melhor, poder comprar uma cadeira mais nova, poder fazer alguma coisa melhor para mim e minha família. Esse picareta não pode ficar impune por tudo que fez, tem que ter justiça.
André Gonçalves

Micheletti culpa as vítimas

André Micheletti é empresário do ramo de construção civil Imagem: Reprodução

O UOL procurou Micheletti, mas não recebeu resposta. A reportagem ligou e enviou mensagem no WhatsApp dele e da esposa e também entrou em contato com o escritório de seu advogado. Mesmo após o UOL deixar recado duas vezes e enviar email, o defensor não retornou contato.

No processo, o motorista nega que tenha participado de um racha. Diz ainda que ajudou a salvar as vítimas e culpa Gonçalves pelo acidente.

A Ecosport, sem qualquer sinalização, invadiu a faixa da esquerda, de modo que a dianteira direita de seu veículo chocou-se com a traseira esquerda da Ecosport.
André Micheletti, na ação

A perícia, porém, indica o contrário.

As provas são robustas e historiam de modo inconteste o excesso de velocidade, como a falta de mantença de distância frontal do veículo que vinha em frente, tudo devidamente comprovado por laudo pericial.
Juiz Fernando Domingues Ladeira, em sentença

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