Com mais chuva prevista, moradores de Porto Alegre esperam por piora

Basta olhar para o céu para saber que o futuro no curto prazo é ruim. Esta é a avaliação dos moradores de Porto Alegre diante da chuva intensa e insistente que cai desde sexta-feira (10) à noite. Vacinados, eles preparam a resiliência para lidar com o que está por vir. A previsão é de mais chuva forte.

O que aconteceu

Sem dar conta do escoamento da chuva, as bocas de lobo regurgitam água. A situação serve de aviso de que o nível da enchente não deve ceder grande coisa e a cidade continuará inundada nos próximos dias.

Mesmo assim, postos, farmácias e mercados continuam abertos. Além de manter serviços essenciais abertos, trata-se de um ato de resistência. Os moradores preservam o que resta da normalidade.

A força de vontade coletiva é permeada de sensibilidade individual. O dono de posto vende combustível a preço de custo para carros de resgate. Como na fábula em que a formiguinha ajuda com uma gota a combater o incêndio na floresta, veículos de passeio ajudam carretas a distribuir as doações.

Parque infantil é tomado pela água;  céu continua fechado em Porto Alegre
Parque infantil é tomado pela água; céu continua fechado em Porto Alegre Imagem: Felipe Pereira/UOL

O frentista Adriano Garcia, 37 anos, não tem esperanças de a água baixar tão cedo. A prova está nas bombas de combustível que opera. Elas continuam enchendo o tanque de veículos de resgate a todo momento. Mas trabalhar dá a Adriano uma sensação de que algo da rotina foi mantido.

Ele não foi atingido pela água, mas vai receber a avó que foi expulsa de casa pela cheia. "A água bateu no teto. Mas ela falou que não perdeu o mais importante. A família continua com ela".

O frentista Adriano Garcia; trabalho dá ar de normalidade
O frentista Adriano Garcia; trabalho dá ar de normalidade Imagem: Felipe Pereira/UOL

O carinho é visível quando Adriano fala de dona Maria Eva Pereira, 64. A expressão muda quando o frentista menciona quem está por vir ao mundo. A mulher dele está grávida de 7 meses numa época em que a cheia fecha hospitais, alaga ruas e prejudica a chegada de medicamentos em Porto Alegre.

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O frentista prevê dias tensos para família e para cidade. A meteorologia anuncia que vai chover pesado até segunda-feira (12). As próximas 48 horas não trarão alívio e Adriano se prepara para reagir ao que está por vir.

Força-tarefa permanente

A previsão de chuva também antecipa a rotina dos próximos dias de Carla Bolzan, 57. Sócia de uma academia que virou ponto de distribuição de donativos, ela antecipa um entra e sai de gente responsável pelas entregas.

Enquanto eles percorrem as ruas que não foram tomadas pela água, a empresária coordena o time de apoio. Junto com as filhas e alunos da academia, vai montar kits com cesta básica, produtos de higiene e roupas.

Carla Bolzan recebe donativos em sua academia
Carla Bolzan recebe donativos em sua academia Imagem: Felipe Pereira/UOL

A outra forma de ajudar é inusitada. Carla mantém a academia acessível para alunos que estão trabalhando como voluntários. Eles capricham nos exercícios e, quando terminam, agradecem dizendo que estavam precisando extravasar. Os alunos da academia buscam alívio psicológico para a rotina por meio do suor e da endorfina.

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Carla disse que a população percebeu que a crise será longa. Diante do cenário, preparam o corpo e o espírito para manter a saúde e conseguir fazer o que for necessário para retomada da normalidade. "Tem que aguentar, não tem opção".

A previsão do tempo indica somente dois dias de sol até o domingo da próxima semana. Ninguém se ilude que o fim da calamidade esteja próximo. A empresária ressalta que o final das chuvas não significará o final dos problemas. O jeito é manter a serenidade.

Não bateu o desespero, mas a gente sabe que vai ter muito pela frente. Quando a água baixar, vai aparecer uma destruição muito grande
Carla Bolzan

Caminhões do Exército ao lado de área alagada em Porto Alegre
Caminhões do Exército ao lado de área alagada em Porto Alegre Imagem: Felipe Pereira/UOL

Sem alívio

Por algum tempo as pessoas continuarão dependendo dos outros. Fora de casa, milhares de moradores de Porto Alegre precisam de doações para vestir, comer e beber. Este é o resumo da situação para o analista de e-commerce Vitor Diniz, 22.

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O garoto não esconde o pessimismo. "Para mim, vai dar uma piorada nos próximos dias". Ele faz a profecia desoladora refugiado sob uma marquise enquanto a chuva engorda as poças da avenida Ipiranga.

Vitor Diniz tem no celular um aliado para saber onde transportar doações
Vitor Diniz tem no celular um aliado para saber onde transportar doações Imagem: Felipe Pereira/UOL

Vitor trava luta diária com esta água acumulada. Ele é uma espécie de Uber do socorro e transporta alimentos e ração por abrigos de Porto Alegre. Tem no WhatsApp um aliado e na falta de sinal em várias regiões um adversário.

O espírito dos moradores de Porto Alegre é continuar lutando. Como diz o ditado gaúcho: "Não tá morto quem peleia".

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