Conteúdo publicado há 6 meses

Com casas inundadas, pescadores de Pelotas decidem morar dentro de barcos

Às margens da Lagoa dos Patos, a Colônia de Pescadores Z3 é o aglomerado mais populoso da zona rural de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul. A área é, também, a mais pobre entre as devastadas pela enchente que atinge o município desde o início do mês de maio. Apenas parte da avenida principal do local não está debaixo d'água.

A maior parte da população local sobrevive de pesca artesanal. Dependendo da época do ano, os pescadores locais costumam retirar da água corvina, tainha, linguado ou camarão. Normalmente, os trabalhadores dependem que a água doce da Lagoa dos Patos baixe para que a água salgada do mar chegue e, consequentemente, traga frutos do mar.

23.mai.2024 - Casa de pescador à beira da Lagoa dos Patos, na Colônia Z3, em Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Casa de pescador à beira da Lagoa dos Patos, na Colônia Z3, em Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Na região da Divinéia, que contempla duas ilhotas, são dezenas de embarcações atracadas nas docas. Dentro delas, cerca de 30 pescadores estão, há duas semanas, morando dentro dos próprios barcos ou em embarcações emprestadas.

Eles decidiram permanecer atracados para cuidar dos próprios barcos, e explicaram que além de estarem acostumados a sobreviver embarcados, há, ainda, o fato de os abrigos estarem cheios.

Comidas, roupas, cobertores, água e produtos de higiene, chegam até eles por colegas que estão abrigados em terra firme. Se não chegam, os pescadores vão até os postos de doações - localizados na única via da cidade que não está inundada - e, depois, retornam para seguirem atracados.

O pescador Alexander Braga Carvalhal completou 35 anos no último dia 15, em meio à enchente. "Minha casa agora deu uma abaixada na água. Mas está lá com água pela cintura. Acima do umbigo. Como eu estou de voluntário aqui, aí eu permaneço aqui", disse.

23.mai.2024 - Pescador Alexander Braga Carvalhal tem atuado como voluntário na Colônia Z3 desde o início das enchentes em Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Pescador Alexander Braga Carvalhal tem atuado como voluntário na Colônia Z3 desde o início das enchentes em Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Foi Carvalhal quem levou a reportagem do UOL, com apoio da Marinha do Brasil, até a Divinéia, na tarde de quinta-feira (23)."Tem bastante gente dormindo nos barcos, porque pescador é acostumado a estar acampado, morando em barco. Salvaram as coisas, o pouco que tinham e, depois, foram para os barcos", explicou.

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No local, a reportagem encontrou outro pescador, Eduardo Alves Santos, 26, que está embarcado com a esposa, Jéssica. Quando a enchente começou, ele e a companheira foram para a casa da mãe dela. Mas a casa da sogra também foi atingida pela enchente e, então, o casal decidiu ficar embarcado.

Aqui pelo menos estamos cuidando, né? Estamos bem quentinhos, mais quentinhos que lá nas barracas, eu acho.
Eduardo Alves Santos

23.mai.2024 - Pescadores Rodrigo Machado (esq.) e Eduardo Santos (dir.) atracados em barcos em Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Pescadores Rodrigo Machado (esq.) e Eduardo Santos (dir.) atracados em barcos em Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

No barco ao lado, Rodrigo Machado, 48, se apresentou dizendo ser, orgulhosamente, pescador desde os 8 anos. "Lá [em casas ou abrigos] tem que estar preocupado se a água está subindo. Aqui, pelo menos, o cara já está a salvo", argumentou. Ele está atracado desde o início da enchente.

"Apoio tem vindo pouca coisa. Quando vem uma marmita, é muito pouquinha coisa, não alimenta um ser humano nunca. Estou tomando banho esquentando água no fogão, jogando um balde por cima. Melhor do que ficar lá naquele salão [onde há um abrigo], que tem que pegar uma hora, duas horas na fila, para tomar um banho", disse.

Do outro lado da Divinéia, Biro Miguel tem no rosto as marcas de uma vida longa. "Fui criado no bote. Estou acostumado", afirmou. Biro ressaltou que o conforto de casa é melhor, mas garantiu estar tranquilo embarcado: "Em casa, você fica olhando a TV, sentadinho no sofá, né? Com luz, televisão, tudo. Aqui é nós dois [apontando para um amigo] e o cachorro."

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23.mai.2024 - Pescador Biro Miguel, que decidiu ficar embarcado durante enchente que atinge Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Pescador Biro Miguel, que decidiu ficar embarcado durante enchente que atinge Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Além dos pescadores, moradores de sobrados da região preferiram continuar na casa, ilhados no segundo andar. É o caso do também pescador Fábio Teixeira, 47, que foi visto levando panelas cheias, além de pratos e talheres, para os amigos embarcados.

"Só vim dar uma conversadinha com meus amigos enquanto o meu primo está fazendo almoço para nós", disse.

23.mai.2024 - Pescador Fábio Teixeira visita amigos embarcados na Colônia Z3
23.mai.2024 - Pescador Fábio Teixeira visita amigos embarcados na Colônia Z3 Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Cadastro Único

Na quinta-feira (23), a pescadora Cleonice Vieira, 61, chegou cedo ao Cras (Centro de Referência em Assistência Social) Três Vendas, na Colônia Z3, para se credenciar junto ao Cadastro Único e, consequentemente, conseguir receber verba do governo para tentar se recuperar financeiramente.

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"Eu estou aqui na casa de uma sobrinha. Ficou tudo tudo embaixo d'água, porque moro na frente do mar. Tirei a geladeira e trouxas de roupa. O resto ficou tudo", conta.

23.mai.2024 - Pescadora Cleonice Vieira, moradora da Colônia Z3, em Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Pescadora Cleonice Vieira, moradora da Colônia Z3, em Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Ela morava com o filho e com a neta. A menina foi levada por outra pessoa da família para um abrigo no centro da cidade e, para conseguir retomar o convívio com a neta, recebeu, via decisão judicial, a obrigação de comprovar que consegue mantê-la em ambiente salubre.

"Eu não tenho nada, mas tudo o que eu tinha estava ali. Fui a primeira vez, para ver. Saí nervosa, e ainda me machuquei toda. Aí eu fui na doutora. Ela disse para mim: 'você não vai mais, porque tu não vai baixar a água e tu não vai levantar teus móveis'. Aí não fui mais", afirma.

Cleonice não conseguiu se cadastrar na quinta-feira (23). Quando estava próximo da vez dela na fila, o sistema caiu, e foi orientada a retornar depois. Ao UOL, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome informou que houve uma instabilidade no Cadastro Único, ocasionada por problemas na rede da Caixa, que é a operadora Sistema:

"Contudo, a instabilidade foi regularizada ainda pela manhã e o Sistema de Cadastro Único opera com normalidade desde então." De acordo com a pasta, desde o dia 29 de abril deste ano, foram incluídas 20.718 famílias do Rio Grande do Sul no CadÚnico.

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23.mai.2024 - Morador da Colônia de Pescadores Z3, em Pelotas (RS)
23.mai.2024 - Morador da Colônia de Pescadores Z3, em Pelotas (RS) Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Prefeitura pretende instalar bombas

Em entrevista ao UOL, a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), afirmou que ainda não há data para os moradores retornarem às suas casas.

"É difícil dizer. Como os próprios pesquisadores não conseguem nos afirmar, as projeções não indicam exatamente uma data. Mas estaremos acompanhando, hora a hora, tanto o nível das águas quanto estaremos com os moradores, tanto na limpeza, na recuperação do que foi perdido", disse.

Ela afirmou também que, na Praia do Laranjal, que também foi atingida pela enchente, a previsão é de que sejam instaladas bombas para tirar a água que está acumulada,. No entanto, para isso, ainda é necessário esperar que haja uma redução no atual nível.

"Neste momento, não conseguimos, não dá. Mas as equipes estão analisando, trabalhando diretamente sobre isso, pra podermos usar todas as alternativas possíveis pra resolver o mais rápido possível essa situação", afirmou.

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