Tropa de segurança de Marçal defende morte de testemunhas: 'Se pego, atiro'
Um vídeo do treinamento de uma tropa de elite da PM de Goiás até então chefiada pelo tenente-coronel Edson Melo faz apologia ao assassinato de suspeitos e testemunhas em ações com violação dos Direitos Humanos, indicam especialistas consultados pelo UOL. O oficial que chefiava a unidade foi anunciado como segurança de Pablo Marçal (PRTB), pré-candidato a prefeito de São Paulo.
O que aconteceu
Música cita corpo de suspeito sendo colocado ilegalmente no porta-malas da viatura após suposto assassinato. "Matar o bandido, acende uma vela. Bota ele na mala, levou pra Estrada Velha. Eu tenho uma notícia, e o corpo baleado", continua a letra. Especialistas consultados pelo UOL veem indícios de apologia a crimes como homicídio, fraude processual, ocultação de cadáver e abuso de autoridade.
MP goiana diz investigar o caso. A Promotoria informou ainda ter firmado termo de cooperação com as forças de segurança para acompanhar os cursos de formação.
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O vídeo investigado foi registrado em maio de 2023. Na época, a tropa ainda era chefiada pelo tenente-coronel Edson Melo, que pediu licença da corporação para atuar como segurança de Pablo Marçal. Procurada, a PM de Goiás não se manifestou.
A unidade de elite da PM goiana ainda era chefiada por Edson Melo em caso com indícios de suposta armação de cena de crime. Ação ocorrida em 1º de abril deste ano veio à tona após vazamento de vídeo do COD, quando dois homens foram mortos. Seis agentes da unidade foram indiciados por homicídio qualificado por dissimulação e por recurso que impossibilitou a defesa das vítimas.
A assessoria de Marçal se referiu à presença de Edson Melo junto à equipe de segurança como "ajuda de um amigo". "Devido às ameaças [que venho recebendo], o tenente-coronel decidiu afastar-se legalmente de suas atividades policiais em Goiás para me auxiliar durante esse período tão delicado (...). Ele veio para ajudar um amigo, nada mais", disse a equipe de Marçal.
O que mostra o vídeo
"O bicho tá pegando, o COD chegou", inicia a letra ao se referir à ação do Comando de Operações de Divisas. As imagens foram feitas à noite em uma área de mata, com aspirantes marchando enquanto repetiam a música.
É possível ver um dos instrutores com um boné identificando a unidade. Ele aparece ao lado de outro instrutor cantando a música repetida pelos alunos.
"Se pego, eu atiro", diz trecho ao se referir a supostas buscas por testemunha que teria relatado o que viu. "E a testemunha aponta o caçador. Eu quero a testemunha (...). Eu tô de viatura, caçando esse covarde. Se pego, eu atiro, sem dó nem compaixão. Minha emoção é zero, o verdadeiro inferno", diz.
'Medo, terror': o que dizem os especialistas
"Treinamento viola Direitos Humanos", diz Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Bartira Miranda, professora do Mestrado em Direito e Políticas Públicas da UFG e membro do Fórum, que analisou o vídeo a pedido do UOL, diz que curso faz incitação ao crime.
"Isso não pode ser aceito como forma de treinamento", diz pesquisador. Dijaci David de Oliveira, que coordena pesquisas sobre criminalidade e violência da UFG, diz que a própria PM está incentivando o crime ao permitir treinamentos do tipo. "Está sendo criado um cenário de medo e terror. O MP deveria investigar com profundidade".
O treinamento viola os Direitos Humanos e faz incitação ao crime. O vídeo mostra uma mentalidade de 'execução sumária', que transforma policiais em caçadores de bandidos. É um incentivo a ações criminosas motivadas por ódio em um modelo criminoso de Segurança Pública. A polícia de Goiás incentiva ações com letalidade policial, e o vídeo é um reflexo disso.
Bartira Miranda, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O vídeo é emblemático para mostrar que o policial já é treinado para desrespeitar as leis, manipular procedimentos e matar inocentes. Ele fala em 'levar o corpo para a Estrada Velha", não em levar para o hospital. Mas o mais grave é a ideia de que a polícia não atua só contra criminosos. Quem testemunhar um assassinato da PM também passa a ser criminoso aos olhos deles.
Dijaci David de Oliveira, coordenador de pesquisas sobre criminalidade e violência da UFG
O COD é a unidade mais letal da PM de Goiás, e faz questão de estimular essa característica no seu treinamento. Esse vídeo mostra parte de uma estratégia sistemática de violência policial ilegal, estimulada pelo alto comando.
Diego Mendes, advogado do coletivo Mães pela Paz contra a Violência Policial