'Ameaçam nos matar', diz mãe de jovem morto após agressão em escola de SP
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
17/07/2024 04h00
Desde a trágica morte de Carlos Teixeira, um adolescente de 13 anos, após agressões sofridas na Escola Estadual Júlio Pardo Couto, em Praia Grande, no litoral de São Paulo, a família vive um pesadelo contínuo. Além do luto devastador, Michele, mãe do jovem, relata que eles têm sido alvo de constantes ameaças.
O que aconteceu
Michele de Lima Teixeira, 39, contou ao UOL que, desde a morte do filho, carinhosamente chamado de Carlinhos, em 16 de abril deste ano, a família vem sendo alvo de ameaças constantes. São mensagens nas redes sociais, enviadas por perfis criados somente com esse objetivo e que, após o envio, são deletados. Com medo, a família está hospedada na casa de familiares.
Nas mensagens, enviadas à irmã de Michele, que é cabeleireira, a pessoa, sob o pseudônimo Melanina4551, ameaça os pais de Carlinhos de morte. "A justiça pune, o crime mata", diz um trecho. "Vou beber teu sangue e o do teu marido, seus lixos. Vou arrancar o teu coração e mandar para a vaca da tua irmã, que a próxima vai ser ela", escreve a pessoa, em outro trecho.
A filha do casal também é ameaçada nas mensagens. "Vai sentar no colo do diabo, sua puta do c?. Podia muito bem pegar a tua filha para fazer vocês sofrerem. Já temos as fotos da família e o endereço. Vai ser questão de tempo pegar um por um", escreve a pessoa.
Bom já vou ser direto, só avisa para a família do Carlinhos que já sabemos onde é o prédio onde o pai trabalha, onde ele fica, onde ele mora, tem gente de olho em vocês. Onde a vaca que divulgou mora, onde trabalha, sabemos de tudo, vai ser só questão de tempo para 'subir' todo mundo.
Mensagem encaminhada pelo Instagram
A mãe conta que a família morava no mesmo bairro em que vivem os jovens acusados de agredir o filho. A polícia foi avisada pelo advogado da família, que registrou um boletim de ocorrência, mas ainda não se sabe de onde estão partindo as ameaças. Por isso, o desejo de deixar o bairro e, se necessário, até mesmo de cidade ou estado. Ela diz que, quando o marido vai trabalhar, ele se vê obrigado a mudar sempre o caminho, com medo de ser atacado.
Nossa vida foi destruída. Desde a morte do meu filho, estamos recebendo ameaças diárias. Um dos suspeitos chegou a se vangloriar nas redes sociais de ter fãs pelo Brasil após ter matado uma criança.
Michele de Lima Teixeira
Avanço das investigações
Amigos da família criaram uma vaquinha virtual para angariar dinheiro para ajudar a família a se mudar. O dinheiro também será usado na contratação de um perito independente, que avalie os laudos médicos e o necroscópico, na esperança de esclarecer as causas da morte de Carlinhos. Michele chegou a publicar um vídeo nas redes sociais, onde desabafa sobre tudo o que vem acontecendo.
Na opinião de Michele, além da negligência da direção da escola em apurar o ocorrido e trabalhar para evitar o bullying que o menino sofria desde que foi transferido para a unidade, as investigações sobre o caso não avançaram. A Polícia Civil chegou a apreender dois adolescentes de 14 anos, colegas do filho, suspeitos de envolvimento nas agressões. "Porém, até o momento, não tivemos acesso às imagens das câmeras de segurança e não há um laudo definitivo sobre a causa da morte, por exemplo", avisa.
A investigação revelou que os suspeitos pularam sobre as costas do menino, causando-lhe dores. Inicialmente, ele foi levado pelo pai a um pronto-socorro, onde foi atendido e liberado. Como as dores continuaram, Carlinhos foi levado a uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Praia Grande, onde permaneceu internado. Posteriormente, ele foi transferido para a Santa Casa, onde faleceu no dia 16 de abril.
Audiência Pública
Em audiência pública realizada na Alesp, no dia 4 deste mês, o delegado Alex Mendonça do Nascimento explicou que a demora nas investigações se deve à espera pelo laudo pericial, que inicialmente apontou broncopneumonia bilateral como causa da morte de Carlinhos. O laudo está sendo complementado com base em relatórios médicos de Praia Grande e Santos, solicitados pela polícia. A Polícia Civil também pediu ao CRM uma investigação sobre a conduta médica no atendimento ao menino, após denúncia de descaso pela família.
Desde o incidente, toda a direção da Escola Estadual Júlio Pardo Couto foi substituída, informou a dirigente regional de ensino, Joelma Aparecida Alves da Silva. A nova gestão da escola inclui ações de acolhimento e combate ao bullying, com apoio de uma psicóloga e do Grêmio Estudantil.
O Programa Conviva-SP, da Secretaria Estadual de Educação, confirmou a agressão no dia 19 de março, mas não encontrou provas do espancamento em 9 de abril. Equipes especializadas foram enviadas à escola para intensificar o trabalho de combate ao bullying.
Em nota, a SSP-SP informou que a investigação do caso prossegue pelo 1° DP de Praia Grande. As imagens das câmeras de segurança foram analisadas pela equipe policial. "Os laudos periciais serão analisados pela autoridade policial, assim que finalizados. Dois adolescentes, de 14 anos, foram identificados como os autores e foram encaminhados à Fundação Casa, onde permaneceram à disposição da Justiça".
A Prefeitura de Praia Grande informa que a Secretaria de Saúde Pública do Município abriu um processo administrativo para apurar todos os procedimentos adotados no atendimento na unidade. "Foi criada uma junta médica para verificar todos os procedimentos e ouvir todas as partes envolvidas. Caso seja constatada alguma irregularidade, serão tomadas as providências cabíveis". A pasta municipal também tem contribuído com os órgãos que solicitaram informações, como o TCE/SP, Ministério Público e Polícia Civil, respondendo as demandas levantadas.
Em nota, a Santa Casa de Santos informou que Carlinhos deu entrada no hospital no dia 16 de abril, vindo da UPA, por volta das 13h50, em estado gravíssimo. "Ele apresentou três paradas cardiorrespiratórias enquanto permaneceu no pronto atendimento da Santa Casa de Santos, evoluindo a óbito às 15h25".
Ação contra o Estado
A família responsabiliza o Poder Público estadual pelo que aconteceu e entrou com um pedido de indenização, cujo valor não foi revelado por seu advogado, Mohamad Ayache. "Trata-se de um processo de natureza obrigacional indenizatória. Acusação de responsabilidade objetiva do estado, conforme artigo 37, parágrafo 6° da CF (Constituição Federal)", explicou.
O artigo estabelece que as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos são objetivamente responsáveis pelos danos causados a terceiros, com base na teoria do risco administrativo. "Esta teoria impõe ao Estado a obrigação de indenizar sempre que causar prejuízo a terceiros, sendo necessário comprovar o dano e o nexo", diz o texto.
Eu todos os dias pergunto a Deus por que levou meu filho dessa forma, sabe? Já são três meses de sofrimento. Às vezes eu olho essas mães que perdem os filhos porque eles ficaram doentes, e eu sinto inveja dessas mães. Porque elas podem chorar em paz, elas podem ter a certeza que foi Deus que tirou a vida do filho delas. Eu não. Foi a maldade humana que matou meu filho. E ainda temos que lidar com o deboche das pessoas na rua, gente encarando. Como se meu filho tivesse culpa em morrer.
Michele de Lima Teixeira