'Chamou de puta e pobre', diz mulher que fugiu remando de ilha de Pitanguy

A psicóloga Cristiane Corrêa Santa Catarina, 53, ainda se recupera dos momentos de tensão ao tentar fugir da ilha do famoso cirurgião plástico Ivo Pitanguy, já falecido, remando com as mãos sobre uma prancha de stand up paddle. O inquérito policial aberto para apurar o que aconteceu foi encerrado na semana passada e encaminhado para o Jecrim (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro.

O que aconteceu

A tentativa de fuga ocorreu depois que Helcius Pitanguy, 62, herdeiro do cirurgião, a teria ofendido e humilhado publicamente durante sua estadia - a convite dele - na Ilha dos Porcos, de propriedade da família Pitanguy, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Cristiane contou esta semana, em entrevista ao UOL, que o incidente ocorrido no mês passado continua a atormentar seus pensamentos e perturbar seu sono. As marcas deixadas em seu corpo durante a tentativa de fuga desapareceram, mas as lembranças do incidente ainda a perseguem.

O herdeiro convidou Cristiane pouco após voltar de uma viagem à Itália. Ela o descreve como uma pessoa "diferente", sempre cercado de "pessoas incríveis e com histórias fascinantes". Mas pontua que sua personalidade muda quando bebe.

No dia 13 de junho (quinta-feira), ela conta que Helcius a buscou em casa, já embriagado, e durante a viagem até Angra dos Reis, a mandou se calar várias vezes, o que a fez se sentir desrespeitada. Chegando à Ilha dos Porcos, Cristiane notou a ausência das funcionárias mulheres. Helcius respondeu bruscamente quando questionado, dizendo que agora só haveria funcionários homens na ilha. Isso a deixou desconfortável e preocupada.

Na sexta-feira, Cristiane teve um dia relativamente tranquilo, entretanto, à noite, um incidente perturbador ocorreu. Enquanto ela tentava se concentrar em seu livro, Helcius insistiu para que ela visse algo em seu celular.

De repente, ele vira para mim da poltrona, e diz 'olha o que o Ludovico (um amigo) me mandou' e insiste para eu deixar meu livro de lado, me levantar e ir até ele para ver o que tinha de tão importante no celular dele que ele queria me mostrar. Quando eu olho, pasme. Era uma mulher nua, de quatro, e o ânus dela em destaque, marcado em vermelho. Eu dei um tapa no celular e o aparelho foi caindo e ele equilibrando o aparelho e já ríspido me chamando de 'biruta'. Eu falei 'biruta é você que é desrespeitoso, estou na maior paz lendo meu livro, não quero ver isso, quem gosta de ver isso é você'.
Cristiane Correa Santa Catarina

Ofendida, a psicóloga foi para o seu chalé e, no dia seguinte, sábado, resolveu sair para passear e Helcius insistiu em ir com ela. Cristiane encontrou uma amiga em Angra e a convidou para visitar a ilha. A amiga estava acompanhada da família do namorado, com cinco crianças e três babás. O herdeiro convidou a todos para o almoço em sua casa.

Depois que a família foi embora, Helcius começou a insultar Cristiane e suas amigas, chamando-as de "putas". Indignada, ela se levantou da mesa, avisando que deixaria a ilha. Ele, então, a teria insultado ainda mais ao dizer: "Pior você, que é puta virgem, não deixa ninguém lhe tocar, por isso é pobre".

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Me senti desrespeitada. Fica muito claro que ele sofre de dupla personalidade. Ele me xingou de 'puta virgem' acho que é porque, depois que eu me separei do pai da minha filha, fiquei com essa ideia de que relacionamento íntimo não era para mim e sempre fui muito categórica com o meu 'não'.
Cristiane Corrêa Santa Catarina

Furiosa e sentindo-se humilhada, Cristiane decidiu ir embora imediatamente. Ela foi até o chalé, pegou seus pertences e desceu para o deque, onde pediu a um marinheiro, apelidado de Russo, que a levasse de barco até a marina Akidabã, no continente. Russo informou que não tinha permissão para isso, seguindo uma ordem genérica de Helcius, de que ninguém deveria deixar a ilha.

Fuga na prancha

Desesperada, Cristiane decidiu fugir usando uma prancha de stand-up paddle. Ela deixou suas bolsas no barco e começou a remar em direção à ilha de Roberto Marinho para pedir ajuda. Ao chegar lá, um funcionário a mandou voltar para a ilha de Helcius. Russo veio buscá-la, mas Cristiane percebeu que seus pertences não estavam no barco. Temendo por sua segurança, ela se jogou no mar e voltou para a prancha de stand-up paddle.

O Helcius estava sendo omisso com tudo. Omisso, permissivo. Alguém que age para provocar omissão. Os funcionários estavam apavorados, porque não tinham ordens para me liberar. Aí, me vi já gritando, xingando. Depois me ajoelhei e comecei a remar com as mãos. Duas remadas para lá, duas para cá. Ajoelhada, porque, em pé, certamente não ia ter equilíbrio para cruzar de uma ilha para outra. Tem corrente, vento, essas coisas todas. Estava de noite. Não lembro de nada. Não olhei para trás, não olhei para frente. Não lembro de nada, só lembro de estar naquele stand-up.
Cristiane Corrêa Santa Catarina

À deriva no mar

A psicóloga ficou à deriva por cerca de uma hora, exausta e com os joelhos feridos, até ser resgatada por funcionários da Ilha dos Porcos. Ela conta que eles a levaram ao posto dos pescadores, em vez da marina Akidabã, para "evitar um escândalo". De lá, Cristiane pegou um Uber no valor de R$ 450 para voltar ao Rio de Janeiro. Um dos funcionários fez um depósito de R$ 400 para ajudá-la com o custo do transporte.

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No dia seguinte, ela registrou um boletim de ocorrência contra Helcius na Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) de Angra dos Reis, acusando-o de injúria. Em nota, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informou que, segundo a Deam, a investigação foi concluída, e o caso encaminhado ao Juizado Especial Criminal (Jecrim).

Era de manhã e eu estava na delegacia achando que era segunda à tarde. Bem confusa mentalmente, bem machucada, dolorida de tanto remar e com essa tristeza no coração, porque nesses anos de amizade vivemos momentos incríveis. Quando o Helcius está de bom humor, ele é um querido. Então isso é um luto que levo agora.
Cristiane Corrêa Santa Catarina

Ter sido maltratada por Helcius "de uma forma tão cruel", diz Cristiane, foi a gota d'água que, para ela, colocou um fim definitivo na relação entre os dois. A psicóloga, que é divorciada e mãe de uma adolescente de 15 anos, conheceu o herdeiro há 12 anos, em uma festa. A partir de então, os dois desenvolveram uma amizade "social, superficial", que foi se fortalecendo com base na confiança mútua. Suas famílias tornaram-se próximas.

Cristiane descreveu suas emoções como intensamente conflituosas. "Não estou lidando nada bem. Eu tenho um misto de humor, de usar essa experiência como aprendizado e um medo absurdo, quando bate a crise de choro, de ficar deprimida", contou.

Além disso, a psicóloga relatou um isolamento social após o incidente. Ela bloqueou vários contatos de seu círculo social anterior, mantendo apenas aqueles que demonstraram verdadeiro suporte. E tenta tocar a vida profissional da melhor forma possível.

Estou isolada em casa, não saio para nada. Nós, mulheres, não devemos perder nossa dignidade, identificando-nos com as insígnias que a sociedade nos oferece, nos sentindo frágeis e subservientes. Essa dinâmica de relacionamento traz inúmeras dificuldades para a nossa realização pessoal e o relacionamento interpessoal.
Cristiane Corrêa Santa Catarina

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A psicóloga fugiu remando com as mãos sobre uma prancha de stand-up paddle
A psicóloga fugiu remando com as mãos sobre uma prancha de stand-up paddle Imagem: Arquivo Pessoal

Audiência de conciliação

Ouvido pelo UOL, o advogado de Cristiane, Dikson Benoliel, informou que aguarda pela intimação para realização da primeira audiência de conciliação que será convocada pelo Jecrim. "A primeira audiência é uma audiência conciliatória onde se tenta encerrar a questão em uma tentativa de conciliação", explicou.

Segundo Benoliel, a possibilidade de Cristiane entrar com um pedido de indenização não foi sequer discutida. Ele afirma não haver, da parte dela, qualquer interesse em compensação indenizatória.

"Ela o denunciou por injúria pela forma inadequada de comportamento dele, como foi narrado na Ocorrência Policial. Agora em uma audiência, a conciliação pode ser obtida até com uma retratação pela parte ofensora, sendo que da parte da Cristiane não há nenhum pedido financeiro", afirma o advogado.

O que diz o herdeiro

Em nota, a defesa de Helcius Pitanguy afirma que as alegações de Cristiane são "absolutamente improcedentes". Segundo o documento, testemunhas ouvidas na investigação alertaram que ela se encontrava "totalmente descontrolada" e, de forma "imprudente", resolveu, "por iniciativa própria", deixar a ilha em um stand up paddle, em direção a outra ilha próxima.

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"Por determinação de Helcius, duas embarcações foram imediatamente resgatá-la, levando-a em segurança à cidade de Angra dos Reis, como ela desejava. Ao revés, porém, de agradecer aos quatro marinheiros que prontamente se deslocaram para ajudá-la, Cristiane Correa, ainda fora de si, talvez pelo uso excessivo de álcool e medicamentos controlados, os ofendeu e os ameaçou de morte, conforme declararam em seus respectivos depoimentos prestados em sede policial", diz a nota.

Segundo a defesa, uma investigação foi aberta contra Cristiane Correa, no qual responde pela prática dos crimes de ameaça e injúria. "Este último [crime] já admitido por ela em mensagem de texto enviada ao marinheiro Fábio Carneiro, anexada aos autos.

"Helcius aguarda confiante o desfecho das investigações e lamenta a indevida exposição de seu nome em fatos inverídicos que não se coadunam com sua história de vida e tampouco com seus princípios e valores", finaliza a defesa no documento.

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