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Casal denuncia Casa de Francisca por racismo: 'De preto e gay, era só nós'

Mik Monteiro e Ezequiel Lacerda Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

19/07/2024 15h44Atualizada em 20/07/2024 11h15

O gerente de operações Mik Monteiro, 29, e o tosador Ezequiel Lacerda, 31, alegam terem sido vítimas de racismo e homofobia no espaço Casa de Francisca, na região central de São Paulo.

A situação inicial aconteceu no dia 7 de abril deste ano, segundo eles, e se repetiu no dia 17 do mesmo mês —quando o casal retornou ao restaurante para conversar com o responsável pelo estabelecimento.

Eles registraram boletim de ocorrência em maio, por crime resultante de preconceito de raça ou cor, segundo a Lei 7.716/89, nos artigos que falam sobre "discriminação" e "impedir acesso a restaurante".

A Casa de Francisca foi procurada pela reportagem, mas ainda não retornou. Em nota publicada nas redes sociais, o espaço afirma que acolhe o relato "com toda escuta e cuidado que o assunto provoca" e que segue "colaborando com o inquérito policial que está investigando a acusação".

Garçom indicou lugar escondido

O casal conta que foi ao largo em frente ao restaurante para acompanhar um samba, no dia 7 de abril, promovido pela Casa de Francisca. Em determinado momento, eles decidiram subir ao mezanino para conhecer a casa.

"Na hora que a gente sobe e olha do mezanino, para ver o samba, imediatamente vem o garçom e me fala que eu não podia ficar ali", afirma Ezequiel.

"Quando a gente subiu, o garçom falou que não poderia atender a gente. Eu perguntei qual era o motivo: se tinha capacidade de pessoas, se precisava consumir. Ele disse que era porque estávamos de pé. Mas tinham outras pessoas ali de pé", completa Mik.

Eles foram convidados a se retirar do mezanino e uma garçonete os abordou, indicando uma mesa para eles sentarem —escondido, longe de um lugar em que poderiam acompanhar o samba sem a visão ser comprometida. Decidiram ir embora.

Segundo Ezequiel, pessoas brancas estavam em pé no mezanino e não precisaram se retirar, nem foram orientadas a irem para o canto. "Todas as outras pessoas que estavam em cima do mezanino eram brancas", ressaltou ele.

De preto e gay, era só eu e o Mike, além dos seguranças e a moça que veio tentar apaziguar a conversa calorosa. Ezequiel Lacerda

"A gente tinha acabado de chegar, para conhecer o espaço. A gente estava transitando. E ele simplesmente me tirou de lá de cima do local, onde eu podia ter visão", destacou ele.

Mik acionou uma advogada e foi marcada uma reunião com o responsável pelo estabelecimento no dia 17 de abril. "Estávamos subindo e o Ezequiel foi barrado pelo segurança, perguntando o que ele estava fazendo ali."

"Eu cheguei na praça, olhei para dentro do restaurante para ver se encontrava minha advogada. Ele [segurança] tocou meu ombro perguntando aonde eu ia. Tomei um susto", lembrou Ezequiel.

A Casa de Francisca funciona no centro de SP, em um prédio histórico Imagem: Divulgação

Casal pediu indenização

Diante das duas situações, a advogada do casal enviou uma notificação extrajudicial para a Casa de Francisca pedindo indenização de R$ 350 mil em danos morais e R$ 3.813 em danos materiais.

É a única maneira que pessoas com o nível social que eles têm entendem. Se não doer no bolso deles, eles não entendem, infelizmente. Mik Monteiro

Segundo Mik, apesar de não constar no documento, foram solicitadas por ele e Ezequiel mais algumas medidas de retratação pelo que aconteceu, com o objetivo de evitar novas situações. "Um treinamento com a equipe, uma retratação pública e que a gente pudesse acompanhar o andamento das medidas que seriam tomadas", pontua ele.

Pela demora do retorno da notificação, o casal registrou o boletim de ocorrência no dia 22 de maio. A defesa do estabelecimento enviou uma contra-notificação negando a indenização no dia 24 de maio.

A ocorrência foi trazida a público na última quarta-feira, dia 17, quando Mik e Ezequiel postaram um vídeo nas redes sociais expondo o que passaram na Casa de Francisca.

Ezequiel afirma que chegou a receber mensagens de ataque em suas redes sociais depois do vídeo. "Tive que ficar sem internet para me dar um tempo de toda essa situação."

A defesa da Casa de Francisca enviou uma notificação pedindo a remoção das imagens, acusando o casal de calúnia e difamação. O vídeo segue no ar.

Casa de Francisca se pronunciou

A Casa de Francisca foi buscada pela reportagem pelo Instagram e por e-mail, mas até o momento não se pronunciou. O espaço segue aberto.

No Instagram, o estabelecimento afirmou que recebeu "com muita tristeza" o vídeo publicado pelo casal com "acusações que teriam ocorrido na casa".

Desde o início acolhemos o relato com toda escuta e cuidado que o assunto nos provoca, mas como não atendemos ao alto valor financeiro que nos pediram extrajudicialmente, infelizmente optaram pelo caminho irresponsável em nos atacar nas redes sociais diante de um assunto que publicamente é sabido o quanto para nós é de extrema importância. Casa de Francisca em nota nas redes sociais

"Seguimos tranquilos colaborando com o inquérito policial que está investigando a acusação sem nenhuma informação mais concreta dos fatos alegados. Temos muita segurança dos princípios da casa e seguiremos celebrando a diversidade que tanto acreditamos e implicados também em nossa atuação diante das violências raciais e do abismo social que persistem em nosso país", diz a nota.

A SSP também foi procurada a respeito do andamento das investigações e enviou uma nota dizendo que o caso foi encaminhado à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, a Decradi, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). "Um inquérito policial foi instaurado e a equipe da unidade realiza diligências que possam auxiliar no esclarecimento dos fatos", diz a nota.

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