Josias de Souza

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Opinião

Fingindo-se de desentendido, Haddad entrou na fila de 2026

Estancado por uma bem-sucedida cirurgia, o sangramento na cabeça de Lula acordou o fantasma da carência de alternativas presidências do PT. Inaugurou-se nos subúrbios do partido um tímido debate sobre o pós-Lula. Acomodado pelas circunstâncias no rol de opções, Fernando Haddad apressou-se em declarar: "Não me entendo como candidato em 2026".

Com seu comentário, Haddad revelou-se reverente à etiqueta elementar da política. Tratou a Presidência não como um cargo que se deve postular, mas como um calvário para o qual se é "convocado".

A rápida restauração do quadro clínico de Lula manteve viva a percepção de que, se tiver saúde e desempenho, ele disputará a re-re-re-reeleição. Mas a internação no Hospital Sírio-Libanês introduziu no baralho de Lula a carta da conveniência. Chega um ponto da vida em que o político vê-se compelido a analisar a melhor hora de sair de cena.

Lula atingiu em 2022 um ponto muito parecido com o pico. Impulsionado pelo fator democrático, livrou o país, por pequena margem de votos, de uma reeleição de Bolsonaro. De quebra, obteve das urnas o aval para dizer coisas assim: "Só tem duas pessoas que têm mais experiência que eu neste país: Dom Pedro 2º, que governou durante quase 70 anos, até a proclamação da República; e o Getúlio Vargas, que fez a Revolução de 30, ficou até 1945 e depois foi eleito em 1954. Depois dos dois, só eu."

Guiando-se por seus autocritérios, Lula passou a conviver com o desafio de identificar a hora de deixar o palco por cima, antes de submeter-se ao risco de tudo desandar. Trata-se de enxergar o momento fugaz em que uma coisa se transforma em seu excesso. Ou no seu oposto. O instante exato em que termina a ascensão e começa a queda. Embora ninguém se atreva a dizer sob refletores, parte do petismo cultiva nos bastidores a sensação de que Lula pode dizer a qualquer momento: "Chegou a hora!".

Nesse contexto, a expressão "quarto mandato" passou a soar como denúncia da abulia política que impede o PT de construir um líder alternativo. Mal comparando, o fenômeno faz de Lula uma espécie de opção queremista, ecoando o "queremos Getúlio", de 1945.

Com o dólar ainda a pino, às voltas com as incertezas em relação à sua política econômica, Haddad afirmou que é muito cedo para esboçar as repercussões da conjuntura atual sobre o calendário de 2026. "Acho que o presidente Lula tem todas as condições de chegar competitivo", declarou.

Com uma retórica típica dos velhos tecelões da política, Haddad esquiva-se convenientemente de puxar em público o debate sobre a sucessão interna de Lula. Como qualquer criança de cinco anos, o ministro da Fazenda sabe que há no PT apenas três lideranças com autoridade para fazer uma "convocação": Lula, Lula e Lula. Fingindo-se de desentendido, Haddad aninhou-se na fila de 2026.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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