Morro de São Paulo: turista morto tinha ferida e suspeitou de infarto
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
19/07/2024 04h00
A família de Cid Penha, 65, o turista santista que morreu após supostamente ter sido picado por uma aranha durante uma viagem a Morro de São Paulo, na Bahia, afirma que ele não sabia o que poderia ter acontecido para o surgimento de uma ferida na perna e achou que estivesse infartando.
O que aconteceu
O empresário Pedro Henrique Fujarra Penha, 32, compartilhou, com exclusividade para o UOL, um relato detalhado e emocionado sobre os últimos momentos de seu pai. Ele conta que saiu de Santos, no litoral de São Paulo, e viajou para a Bahia assim que soube de seu estado de saúde, permanecendo ao lado dele até seus momentos finais.
Pedro descreveu como a família se mobilizou rapidamente depois que Cid ligou, do barco a caminho do município de Valença, para a ex-esposa, suspeitando que estava tendo um infarto. "Ele não mencionou picada de aranha, apenas a preocupação com um possível infarto. Minha irmã foi super ágil pesquisando bons hospitais para o meu pai".
A ferida na perna surgiu na terça-feira (9) e Cid procurou atendimento em um posto médico local, devido aos sintomas que estava apresentando. Depois, ele foi encaminhado para a Santa Casa de Valença, referência na região, onde os médicos realizaram procedimentos, mas ele não apresentou melhora significativa. Devido ao seu histórico de problemas cardíacos, foi levado para o Incar (Instituto do Coração), em Santo Antônio de Jesus.
Quando Pedro chegou ao hospital, encontrou o pai consciente e comunicativo. Ele estava lúcido, conversando, aparentemente bem e tranquilo. E disse não ter sentido nenhuma picada antes do aparecimento da ferida.
Ele falou muito sobre estar otimista e disse que tudo ia dar certo. Perguntei se ele achava que tinha sido uma aranha. Ele falou, 'não senti nada.' Perguntei se ele olhou a cama, o tênis, o lençol, onde ele sentou, onde ele pisou, e ele disse que não tinha sentido nada. Começaram a criar essa hipótese da aranha porque era uma ferida roxa, que em muitos casos pode parecer picada de aranha, mas poderia ser uma bactéria, poderia ser uma infecção, uma picada de outro bicho, não sei dizer.
Pedro Henrique Fujarra Penha
Pedro também falou sobre a preocupação do pai com os problemas cardíacos. "Ele entrou no hospital com suspeita de infarto, porque já tinha um histórico de infarto e uma insuficiência cardíaca significativa. A preocupação inicial não era nem a picada, mas sim o coração."
O empresário mencionou que a origem da ferida na perna do pai era incerta. "Não importa se foi uma picada de aranha, uma bactéria ou outra coisa. O que importa é que a ferida infeccionou e, por conta dos problemas cardíacos do meu pai, o quadro foi se agravando. Ele teve que tomar medicamentos fortes, como antibióticos, que acabaram forçando ainda mais o coração, e ele não resistiu". Cid morreu no domingo (14).
Ânimo e força para viver
Enquanto tenta superar a dor da perda, Pedro se agarra às lembranças positivas que o pai deixou. Ele afirma que, apesar dele ser muito discreto, tinha muitos amigos e era bem conhecido e querido pela comunidade santista. "Durante o velório, muitas pessoas falaram que meu pai era mais que um amigo, era um irmão, um pai que não tiveram. Ele conseguiu ser parceiro de verdade para muita gente".
Pedro destacou a energia e o entusiasmo de Cid e afirmou que, para ele, a partida do pai foi inesperada, "pois ele tinha muita energia, ânimo e força para viver". Segundo o filho, Cid fez de tudo na vida. Foi tenente do exército, jornalista, comentarista, advogado, formado em administração, motociclista e atualmente, cursava o 7° período da faculdade de medicina.
Sempre admirei demais meu pai. Ele foi o melhor pai possível para mim, e depois do velório, descobri que ele era ainda maior do que eu imaginava. A coisa que ele mais me ensinou é ser correto e dar valor para a vida. Foi o que falei nas minhas palavras finais no funeral, que a vida tem valor e vale muito a pena ser vivida.
Pedro Henrique Fujarra Penha
O UOL entrou em contato com a Prefeitura de Cairu e a Santa Casa de Valença, para obter mais informações, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos. A Sesab (Secretaria de Saúde da Bahia) informou, em nota, que não comenta ou fornece informações sobre pacientes da rede de assistência estadual. Procurado, o Ministério da Saúde informou que as informações deveriam ser apuradas junto à Secretaria de Saúde de Cairu. A reportagem não recebeu retorno da Sesau até o momento.
O que dizem especialistas
Paulo Goldoni, tecnologista do Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto Butantan, em São Paulo, afirma que não é possível determinar se Cid foi mesmo picado por uma aranha apenas pela descrição do caso. No entanto, ele diz que existem na Bahia 391 espécies de aranhas registradas. E que a presença da aranha-marrom (Loxosceles sp) em Morro de São Paulo, que fica no município de Cairu, não é rara como se pensa.
Segundo o especialista, a picada de aranha-marrom geralmente é imperceptível e pode apresentar dois tipos principais de manifestações clínicas. Na forma cutânea, que ocorre em 87% a 98% dos casos, os sintomas incluem dor, edema endurecido e eritema no local da picada, que se acentuam nas primeiras 24 a 72 horas.
Na forma cutâneo-visceral (hemolítica), que ocorre em 1% a 13% dos casos, além do comprometimento cutâneo, observam-se anemia, icterícia, hemoglobinúria, petéquias e equimoses, relacionadas à coagulação intravascular disseminada, geralmente nas primeiras 24 horas. Esta forma pode evoluir para insuficiência renal aguda, principal causa de óbito no loxoscelismo (envenenamento pela Loxosceles sp).
Para a médica Célia Malaque, do Hospital Vital Brazil, do Butantan, em regiões onde não ocorrem muitos casos de picadas de aranhas, o principal desafio é fazer o diagnóstico correto. É crucial diferenciar a picada de uma infecção, pois os sintomas iniciais podem ser semelhantes.
Um diagnóstico preciso requer uma história detalhada do acidente, incluindo como ocorreu a picada, os primeiros sintomas e sua evolução nas primeiras 24/48 horas, explica a médica. A experiência local, estudos experimentais e a observação prévia de casos em humanos são fundamentais para guiar o diagnóstico e o tratamento adequado.