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Cratera gigante debaixo d'água no litoral de SP é alvo de ação

A área onde foi instalada a cava subaquática fica entre os municípios de Santos e Cubatão Imagem: Divulgação/VLI

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

26/07/2024 04h00

Uma cava subaquática localizada na divisa entre o Largo do Casqueiro, em Cubatão, e o estuário de Santos, no litoral de São Paulo, tornou-se o centro de uma complexa disputa. Moradores e pescadores da região dizem que a cava fez os peixes desaparecerem. Já as empresas responsáveis negam irregularidades.

O que é a cava

A cratera embaixo d'água tem 480 metros de diâmetro, 22 metros de profundidade e está preenchida por cerca de 2,8 milhões de metros cúbicos de sedimentos. A cava subaquática foi criada para armazenar sedimentos dragados do canal de Piaçaguera.

A cratera foi escavada sob responsabilidade da Usiminas e da VLI. No buraco, foram despejados materiais retirados na limpeza do canal de Piaçaguera, como areia e lodo. O local começou a ser escavado em 2016 e preenchido em 2017. Segundo o site Cava Subaquática, lançado pela VLI, a cava foi coberta com material adequado —como uma espécie de tampa.

O canal de Piaçaguera é um canal de navegação que liga o estuário do porto de Santos à Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista). É utilizado para acesso a terminais de uso privado de empresas como a VLI e a Usiminas.

Ilustração da cava subaquática no litoral de SP Imagem: Divulgação/VLI

'Difícil pegar peixe'

Moradores e pescadores da região dizem que os peixes desapareceram. Os pescadores tiveram de mudar de profissão e as comunidades caiçaras passaram a temer poluentes e metais pesados na água. Desde dezembro de 2017, o Movimento Contra a Cava Subaquática luta contra impactos ambientais e sociais que afirma serem causados pela disposição dos sedimentos no local.

Nosso ponto central sempre foi a disposição inadequada dos sedimentos contaminados. Não éramos contra a dragagem do canal de Piaçaguera, mas contra a forma como os sedimentos foram tratados e descartados. A contaminação afeta toda a Baixada Santista e os riscos à saúde são imensos.
Leandro Araújo, coordenador do Movimento Contra a Cava Subaquática

Cezar Guma, 39, é descendente de pescadores que atuavam na região há décadas e diz que a cava subaquática tem impactos na sua atividade. "A gente vem sofrendo muito, principalmente com essas empresas que vêm se alastrando e limitando os espaços do pescador, tirando nossa área pesqueira. A lama que jogam se espalha e fica difícil para nós pegarmos o peixe. O que vai ser da nossa geração amanhã?", questiona Guma.

A lama da dragagem prejudica a pesca de arrasto, diz Guma. Ele afirma que se preocupa com as próximas gerações, que provavelmente terão de aprender um ofício novo e, provavelmente, migrar para outras cidades para sobreviver.

Meu filho ama pescar. Então, imagina como ele vai sustentar a família. Porque hoje nós ainda estamos aqui, e amanhã? Tem embarcação, equipamento, rede que pescamos. Tem uma cultura que meu pai passou para mim e eu passo para os meus filhos. Mas de que adianta tudo isso se não tiver peixe para pescar?
Cezar Guma

Os peixes desapareceram e os pescadores não têm de onde tirar o sustento, diz Marly Vicente, representante do Isac (Instituto Socioambiental e Cultural) da Vila dos Pescadores. Muitos pescadores até hoje sofrem as consequências, segundo ela.

A economia local girou por muito tempo em torno da pesca artesanal, mas hoje diminuiu muito o número de pescadores. O local onde foi instalada a cava era de onde os pescadores tiravam o sustento. A partir desses impactos, só houve prejuízo para o pescador. Hoje, o pescador migra para outras atividades e a pesca artesanal está fadada à extinção.
Marly Vicente

Ação pública

O MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) e o MPF (Ministério Público Federal) entraram com uma ação civil pública em outubro de 2023 para mitigar os danos causados pela cava subaquática. A ação cita supostas irregularidades cometidas pelas empresas envolvidas, além da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).

Estudos citados na ação do MP-SP e MPF indicam que os sedimentos no canal de Piaçaguera permanecem altamente contaminados. Isso representaria um risco contínuo ao meio ambiente e prejudicaria áreas de berçário marinho essenciais para a reprodução de diversas espécies, segundo os órgãos. A ação ainda não foi julgada.

O MP-SP e o MPF ainda afirmam que as empresas modificaram e conduziram o empreendimento sem as devidas autorizações, desconsiderando as diretrizes de relatórios obrigatórios de impacto ambiental. A Cetesb também foi implicada por supostamente permitir a continuidade das operações com base em uma licença vencida e por não seguir as recomendações para a disposição dos sedimentos em locais mais seguros.

A ação solicita a desativação imediata da cava subaquática e a remoção dos sedimentos contaminados, propondo um projeto de recuperação ambiental do estuário. Pede, ainda, que as empresas compensem financeiramente pelos danos ambientais causados e consequências negativas para as comunidades locais.

O que dizem as empresas

Em nota, a VLI informou que a cava foi a solução técnica adotada para o confinamento seguro dos sedimentos dragados do canal de Piaçaguera que já estavam na região há décadas. Segundo a VLI, para sua instalação à margem oeste do canal, passou antes por rigoroso processo administrativo, que contou com a realização de estudo ambiental prévio e todas as demais etapas exigidas na legislação aplicável, tendo sido, ao final, aprovada pelo órgão ambiental competente para sua execução.

Após seu fechamento, o ambiente natural foi recomposto. Os sedimentos, desde então, estão isolados definitivamente, sem contato com o meio externo, em local abrigado, livre de ações de ventos e correntes e da movimentação de embarcações.
VLI, em nota

Os sedimentos estão confinados e seguros, segundo a VLI. "Os monitoramentos ambientais antes e depois da dragagem da cava comprovam que a qualidade da água, hoje, atende parâmetros sensivelmente melhores em relação aos pretéritos, justamente pela ausência de contato desses sedimentos com o estuário", diz a empresa.

Todos os indicadores levantados apontam que não houve nenhum dano ao ecossistema --contando, inclusive, com a apresentação regular e avaliação de relatórios pela Cetesb e monitoramento constante da estrutura da cava.
VLI, em nota

A Cetesb, por sua vez, afirma que os procedimentos seguiram as normas. Também em nota, a Cetesb informou que todos os procedimentos relativos à caracterização do material dragado, planos de dragagem, monitoramento e destinação desses materiais seguiram o disposto na resolução Conama nº 454/12.

As licenças foram concedidas seguindo o rito processual, com sólido embasamento técnico e de acordo com a legislação, não havendo, portanto, motivo técnico ou legal para o questionamento da validade da Licença de Operação n° 2.385, que autorizou a disposição de material dragado do Canal de Piaçaguera - Etapa II na CAD Casqueiro.
Cetesb, em nota

Segundo a Cetesb, os sedimentos estão confinados sob o capeamento realizado, resultando em melhor qualidade ambiental para o estuário. "O licenciamento da dragagem da etapa II foi conduzido com sólida fundamentação e cuidados ambientais, e foi executada sem intercorrências", diz a nota.

O órgão afirma que todas as intervenções realizadas foram devidamente licenciadas com o estabelecimento de exigências técnicas e condicionantes ambientais. "Não houve e não há dano associado ao clean up do canal de Piaçaguera, ao contrário, a atividade foi realizada de forma ambientalmente segura e seus efeitos são comprovadamente positivos."

A Usiminas diz, em nota, que todo o processo relacionado à cava subaquática "cumpriu rigorosamente as legislações ambientais e que o empreendimento foi licenciado pela Cetesb". Segundo a empresa, essa tecnologia foi definida no início do projeto, no EIA-RIMA, e teve o aval do órgão ambiental.

Não há passivo relacionado à Cava Subaquática, inclusive o projeto foi criado justamente para a remoção de um passivo que existia no canal de Piaçaguera. Além disso, há um monitoramento regular, conforme prevê a licença de operação, e os resultados comprovam que a qualidade da água é superior a de antes da dragagem e que vem evoluindo nos últimos anos.
Usiminas, em nota

Já a Secretaria de Governo de Santos informou que a área da cava pertence a Cubatão. E que a responsabilidade pelo monitoramento, análises e ações é da Cetesb.

Ao UOL, o secretário de Meio Ambiente de Cubatão, Halan Clemente, afirmou que todo o processo de aprovação para a implantação da unidade da cava subaquática aconteceu por meio da Cetesb. "A questão específica da disposição em cava do material dragado do Canal de Piaçaguera já havia sido aprovada pelo Consema (Conselho Municipal do Meio Ambiente) em 2005."

Com relação ao monitoramento da cava, fiscalização e suporte a moradores afetados, Clemente disse que é de responsabilidade do órgão de licenciamento ambiental, ou seja, a Cetesb. "A recuperação ambiental da área afetada pela cava subaquática se deu com a conclusão de sua operação e fechamento. Nesse sentido, a cava percebe as ações de sedimentação natural. O empreendedor deve manter um plano de monitoramento no escopo do preconizado no licenciamento ambiental", afirma o secretário.

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