Assédio, fraude: o que levou à intervenção no Conselho de Odontologia de MG
Uma investigação contra o CRO-MG (Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais) apontou a existência de uma série de irregularidades — a maioria delas envolvendo o presidente Raphael Castro Mota —, incluindo assédio sexual, fraude e desvio de dinheiro público. As suspeitas levaram o CFO (Conselho Federal de Odontologia) a decretar intervenção no órgão estadual.
O que aconteceu
Presidente do CRO-MG foi acusado de assédio por uma ex-funcionária. A vítima relata que, desde abril de 2017, Raphael Castro Mota — à época conselheiro do CRO-MG e casado — "insistia em beijos e toques não consentidos" durante eventos e no ambiente de trabalho, segundo o relatório da investigação do CFO ao qual o UOL teve acesso. Em agosto de 2018, durante um congresso, também apalpou seus seios "na frente de vários colegas". Ela ainda afirma ter tido um relacionamento com Raphael em 2021 e que sofreu retaliações após o término.
Raphael rebaixou vítima de cargo e ameaçou divulgar fotos íntimas. Em 2023, as acusações levaram a um pedido de medida protetiva contra Raphael, posteriormente concedido pelo 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de BH. Desde então, o presidente do CRO-MG está proibido de entrar em contato com a ex-funcionária. "Em outras palavras, reconheceu-se a gravidade das denúncias feitas e implementou-se medidas para garantir a segurança da denunciante, (...) com o objetivo de evitar novos episódios de assédio ou de intimidação", conclui o relatório.
Relatório também cita conflito de interesses em financiamento de eventos. A investigação apontou que o evento "Semana Tiradentes da Odontologia Nacional", realizado e divulgado pelo CRO-MG, tinha sua marca registrada em nome de Raphael Castro Mota, o que também sugere apropriação indevida de um bem que deveria pertencer à instituição. Ao todo, o CRO-MG gastou mais de R$ 1,4 milhão ao longo de 2023 com a produção do evento, que também inclui despesas com passagens, diárias e indenizações por quilômetro rodado.
Conselho gastou quase R$ 3,7 milhões com eventos de empresas ligadas a Raphael. O valor corresponde a mais da metade (50,53%) do total gasto com serviços contratados no ano passado, o que indica possível favorecimento e "má administração dos recursos públicos", ainda segundo a investigação. "Essas ações não apenas violam princípios básicos da administração pública, como a moralidade, mas também colocam em risco a credibilidade e a imagem do CRO-MG", diz o relatório.
CRO-MG ainda ignorou proibição à realização de cirurgias estéticas por dentistas. O CRO-MG tem "deliberadamente deixado de fiscalizar" a oferta e o exercício de procedimentos como rinoplastia, blefaroplastia e face lifting, por exemplo, embora uma resolução de 2020 do CFO proíba a prática desse tipo de intervenção por cirurgiões-dentistas. "Foi identificado que cirurgiões-dentistas domiciliados em outros estados (...) estão abrindo inscrições secundárias em Minas Gerais para se valer da leniência do CRO-MG", denuncia o relatório.
Estado já registrou casos de morte e lesão após procedimentos estéticos. No domingo (1º), o "Fantástico" exibiu a história de Leonice Garcia, 63, que foi convencida pelo dentista Fernando Lucas Rodrigues a fazer blefaroplastia, lifting e correção da flacidez do pescoço. Ela passou mal e morreu no hospital, após uma parada cardiorrespiratória. À TV Globo, a defesa de Fernando disse que "todo procedimento cirúrgico implica riscos inerentes". Em julho, outra dentista mineira — Camilla Groppo — já havia sido indiciada após fazer lipoaspirações de papada que causaram infecções em pacientes.
Conclui-se pela existência de graves irregularidades no Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais, incluindo fraudes, assédio sexual e moral, descumprimento da resolução do CFO e possíveis desvios de recursos públicos. A investigação detalhada evidencia um padrão preocupante de má administração e falta de integridade por parte da atual presidência do CRO-MG.
Trecho de relatório da investigação contra o CRO-MG
O que diz Raphael
Presidente do CRO-MG diz que denúncias são 'infundadas'. Em nota enviada ao UOL, Raphael Castro Mota negou que tenha assediado a ex-funcionária e afirmou que as acusações "estão sendo devidamente apuradas em processos judiciais". Raphael ainda afirmou que não mantém relações com empresas que participaram de eventos institucionais e que todas as contratações seguiram os devidos processos de licitação. Por fim, reforçou que o CRO-MG "sempre cumpriu a resolução" do CFO que proíbe a realização de cirurgias estéticas por dentistas (leia mais abaixo).
Sobre as acusações de assédio:
Reitero que não pratiquei qualquer ato de assédio e que as investigações estão em curso, sendo prematuro qualquer julgamento público antes da conclusão definitiva das apurações legais. (...) A empregada do CRO-MG ocupava um cargo comissionado de livre nomeação e exoneração, ou seja, um cargo de confiança da Diretoria. Todas as decisões relacionadas à conduta da empregada foram tomadas pela diretoria, e não apenas pelo presidente. Jamais ameacei divulgar fotos íntimas, até porque não as possuo e não compactuo com esse tipo de prática.
Sobre as acusações de fraude e desvios:
Não mantenho qualquer relação com as empresas que participaram da realização de eventos institucionais do CRO-MG. Todas as contratações realizadas pelo CRO-MG seguiram os devidos procedimentos licitatórios.
Sobre as acusações de descumprimento da resolução do CFO:
Nunca ignoramos a proibição de realização de cirurgias estéticas por cirurgiões-dentistas. O CRO-MG sempre cumpriu a resolução. Entretanto, manifestou apenas preocupação quanto à restrição imposta a cirurgiões-dentistas especializados em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial, bem como em relação à competência do MEC em habilitar profissionais da odontologia para o desempenho de suas funções (...). Em relação ao cirurgião-dentista Fernando Lucas Rodrigues, o CRO-MG atuou de forma enérgica, inclusive determinando sua interdição cautelar.
Sobre a intervenção:
O CFO promoveu uma intervenção política com o objetivo de colocar no comando do CRO-MG os representantes da chapa de oposição, destruindo o excelente trabalho realizado em prol da valorização da odontologia e da proteção da sociedade. Tenho plena confiança de que a justiça será restaurada, pois a lisura dos procedimentos administrativos na gestão do CRO-MG está devidamente comprovada. (...) Jamais me apropriei de recursos do CRO-MG ou me beneficiei do cargo que ocupei. Infelizmente, estou sendo vítima de perseguição política.
Intervenção do CFO
Conjunto de indícios levou o CFO a decidir pela intervenção no CRO-MG. Publicada em 21 de agosto no DOU (Diário Oficial da União), a medida tem como objetivo "reestabelecer a normalidade do funcionamento" do CRO-MG, priorizando os princípios básicos da administração pública, além de realizar uma "ampla e profunda" auditoria interna. Na ocasião, também foi nomeada uma diretoria provisória, com Arnaldo de Almeida Garrocho como presidente, Carlos Alberto do Prado e Silva como secretário-geral e Bruno Leonardo Monteiro Massahud como tesoureiro.
Essa decisão foi aprovada, por unanimidade, em reunião extraordinária do plenário do CFO, após a apresentação de um relatório conclusivo com apontamento de diversas irregularidades (...). O Conselho Federal de Odontologia reitera o compromisso com a profissão e com os profissionais que a exercem legalmente, garantindo sempre o avanço seguro da maior e melhor odontologia do mundo.
CFO, em nota divulgada em 21 de agosto de 2024