'Queria abraçar meu tio', diz sobrinho de Genivaldo após agentes condenados
O mecânico Wallison de Jesus Santos, 32, relatou uma sensação de alívio após o término do julgamento que condenou três ex-policiais rodoviários federais por torturar e matar o tio dele, Genivaldo de Jesus Santos. Ao UOL, Wallison disse que gostaria de poder abraçar o tio após o fim do processo.
O que aconteceu
O depoimento de Wallison na terça-feira (3) teve 6 horas e 40 minutos de duração. Segundo ele, mais oito familiares prestaram depoimento, entre eles, a mãe de Wallison, irmã de Genivaldo. Após 12 dias de julgamento, três ex-policiais rodoviários federais foram condenados na madrugada deste sábado (7) na cidade de Umbaúba (SE).
"Foi muito doloroso, foi pesado, sempre trataram meu tio como um criminoso", diz o mecânico. O caso Genivaldo teve repercussão nacional após o homem ter sido abordado e morto em maio de 2022 por agentes rodoviários federais enquanto pilotava uma motocicleta.
Familiares acreditam que terão "momento de paz" após o término do julgamento. Wallison afirma o resultado do Tribunal do Júri não trará o tio de volta, mas representa uma nova fase na vida da família. "Vamos ter um momento de paz. [O resultado] não vai trazer a vida dele de volta. Queria ter saído de lá e dar e um abraço nele, queria que ele pudesse tocar a vida dele"
"Vamos poder virar a página e tocar a nossa vida", diz sobrinho de Genivaldo. Segundo ele, o caso do tio torturado e morto pela polícia poderia não ter tido o desfecho que teve, não fosse a ampla visibilidade que ganhou. "Esse júri veio acontecer porque teve muita mídia, achamos que não ia dar em nada", afirma.
Cansaço físico e psicológico
Dias de julgamento geraram pressão 'terrível' sobre familiares. "Era um terror pensa se teríamos justiça", diz ele. Wallison relata que todos os dias os familiares de Genivaldo se deslocavam para o local do julgamento para acender velas e prestar homenagens a ele.
O sobrinho de Genivaldo relata que os dias de julgamento geraram cansaço físico e psicológico sobre toda a família. "Doeu muito ter de ouvir os testemunhos contra ele. O cansaço físico foi devastador, assistir aos depoimentos a favor dos policiais era devastador. Eles queriam dizer que a morte do meu tio era uma fatalidade.
Sobrinho de Genivaldo foi o primeiro a depor e se emocionou ao lembrar o dia em que presenciou a abordagem da polícia ao tio. "Relembrar tudo foi muito pesado para mim. Na hora que vi meu tio saindo daquela situação, tive uma sensação de impotência, ele me pediu ajuda e isso me emociona demais".
O julgamento se encerrou por volta das 5h da manhã deste sábado. A 7ª Vara Federal de Sergipe ouviu cerca de 30 testemunhas, incluindo parentes da vítima, peritos e especialistas.
O agente Paulo Rodolpho Lima Nascimento foi condenado por homicídio triplamente qualificado a 28 anos de prisão. Kléber Nascimento Freitas e William de Barros Noia foram condenados a 23 anos, um mês e nove dias de prisão por tortura seguida de morte. As penas foram agravadas pelo motivo fútil, pela asfixia e pelas circunstâncias que impossibilitaram a defesa da vítima.
'Presenciei tudo, do começo ao fim'
Wallison tem uma oficina mecânica na cidade de Umbaúba (SE) e viu o tio sendo abordado pela polícia em 25 de maio de 2022. "Já tinha visto muitos casos de abordagem violenta da PF na cidade, aí quando vi o agente com meu tio, eu fui logo para cima do acontecimento."
O sobrinho lembra que pediu para a mãe levar os documentos da motocicleta até o local em que estavam. "Ele estava sem capacete. O policial mandou eu me afastar, eu ia pedir pra minha mãe trazer o documento. Meu tio já estava com a mão na cabeça", lembra.
Remédios caíram do bolso de Genivaldo durante a abordagem. Segundo o sobrinho, o tio andava com remédios e uma receita médica no bolso —que caíram no chão— ao sofrer a abordagem. "Ver a justiça ser feita me deu um alívio grande, mas me emocionou muito também. Chorei muito na hora porque lembrei das pessoas que falavam que nada iria acontecer", diz.
'Se o julgamento demorasse um ano para acontecer, esperaríamos o tempo que fosse necessário', diz o sobrinho. Segundo Wallison, pessoas que perdem familiares para a violência policial não devem desistir de buscar a justiça. "Procurem a Justiça de qualquer forma, família é tudo. A Justiça tem que ser feita".
Relembre o crime
Genivaldo de Jesus Santos, 38, homem negro foi morto após ser trancado dentro de um porta-malas em abordagem truculenta da PRF. Ele sofreu asfixia, segundo informou o IML (Instituto Médico Legal), em análises preliminares. O caso ocorreu ontem em Umbaúba, litoral sul de Sergipe.
Quando questionado, teria tentado explicar que tomava remédios para distúrbios psiquiátricos. No dia 25 de maio de 2022, a vítima, presa dentro da viatura, foi submetida a um gás lacrimogêneo, que formou uma densa fumaça branca dentro da viatura e o asfixiou.
Imagens de um vídeo gravado à época mostram que Genivaldo ergue os braços em atendimento à polícia. Porém, por várias vezes na gravação é possível ouvir os policiais gritando com ele e até o ofendendo. Mais tarde, ele é visto no porta-malas da viatura, com fumaça.
Pelas frestas da porta traseira, era possível ver fumaça escapando e as pernas dele enquanto gritava no interior da viatura. Assim que Genivaldo parou de se debater e gritar, os policiais fecharam a porta traseira da viatura, entraram no carro e deixaram o local.
Genivaldo morreu momentos depois. Ele ainda foi levado ao hospital, já desacordado, mas não resistiu. O IML apontou que a causa da morte foi "insuficiência aguda secundária a asfixia". Em agosto de 2023, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, assinou a demissão dos três agentes da PRF envolvidos na morte de Genivaldo. Outros dois policiais foram suspensos.
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