Evangélicos estão apostando na Mega-Sena e bets: a Bíblia diz que é pecado?
Ranieri Costa
Colaboração para UOL.
19/12/2024 05h30
A relação entre evangélicos e apostas sempre foi um assunto polêmico no Brasil e, atualmente, com as "bets" e "tigrinhos", vem aumentando o debate tendo em vista o expressivo crescimento das apostas esportivas online.
Dados do Datafolha mostram que uma parcela evangélica tem apostado, há, inclusive, uma diferença significativa entre evangélicos e católicos em relação às loterias tradicionais, como a Mega-Sena. Enquanto 19% dos evangélicos já apostaram, entre os católicos esse índice chega a 36%. No entanto, quando o assunto são as bets, os números se aproximam: 23% dos evangélicos admitem já ter apostado, contra 19% dos católicos. O dado mais alarmante está na frequência: 20% dos evangélicos que jogam nas bets apostam diariamente, superando a média de 14% dos católicos.
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Esse cenário preocupa líderes religiosos, que consideram as apostas um desafio ético e espiritual para suas comunidades. O teólogo e pastor Fábio Carrenho, da Primeira Igreja Batista de Campinas (SP), destaca que a prática é incompatível com os princípios da fé cristã. Para ele, a questão vai além do ato de apostar e está profundamente ligada ao coração do cristão e a forma como ele encara sua dependência de Deus.
Nem todas as coisas me são lícitas, mas nem todas edificam e nem todas convêm. Apostar, mesmo que de forma esporádica, não reflete a postura de alguém que confia plenamente no Senhor, afirma o pastor, citando o texto dito pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 6.12.
O ensino sobre mordomia cristã e a visão sobre apostas
Mordomia cristã é como é chamada a responsabilidade de cada cristão em relação à administração dos bens espirituais e materiais dados por Deus. Além disso, é a forma como essa administração é feita em benefício do próximo.
Na Primeira Igreja Batista de Campinas, o ensino sobre mordomia cristã é uma prioridade. De acordo com o pastor Fábio, esse conceito envolve a administração responsável dos recursos que os fiéis acreditam serem dados por Deus.
Cremos que todos os recursos financeiros devem ser dedicados ao Senhor. Deus é o nosso provedor, e quando buscamos loterias e apostas, estamos apelando para a sorte e negando, de certa forma, que o nosso sustento venha dEle"
Carrenho observa que as apostas costumam apresentar uma falsa promessa de solução rápida para problemas financeiros, desviando o foco da verdadeira fonte de esperança para o cristão: Deus.
"Ao apostar em loterias ou bets, as pessoas colocam suas expectativas em um prêmio e, sem perceber, atribuem ao dinheiro o poder de resolver todos os seus problemas. Isso é perigoso, porque transforma o dinheiro em um ídolo, algo que Jesus condenou fortemente ao falar sobre Mamon (pecado da ganância), a entidade ligada à riqueza na época", aponta.
É pecado apostar?
A pergunta sobre o pecado de apostar é frequente e, tempos atrás, pastores eram taxativos em declarar a prática como uma significativa ofensa a Deus. Mas, para o pastor Fábio, essa a visão limita a compreensão sobre o tema e não contribui para uma ação assertiva da igreja.
"A questão não é simplesmente dizer que apostar é pecado. O que importa é o estado do coração ao realizar essa ação. Se a pessoa participa de um bolão de forma ingênua, talvez isso não seja um grande problema. Mas se ela coloca no dinheiro a sua esperança de solução, aí reside o pecado, pois está desconsiderando que Deus é a verdadeira solução para os nossos problemas", afirma.
Carrenho cita o texto bíblico de 1 Timóteo 6.9-10 para reforçar e exemplificar a reflexão: "Aqueles que desejam enriquecer caem em tentações, armadilhas e muitos desejos tolos e nocivos que levam à ruína e destruição. O amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal", recita.
O pastor acrescenta que o problema não está no dinheiro em si, mas no amor e na dependência que se cria em torno do desejo por enriquecer.
Diante do apelo cada vez maior das apostas, a igreja evangélica enfrenta o desafio de combater a prática sem deixar de acolher aqueles que já foram afetados por ela. Para Carrenho, o papel da igreja é ensinar os fiéis a colocar sua confiança em Deus, não em subterfúgios como loterias ou bets.
"É essencial que o cristão entenda que Deus honra o esforço honesto, e não há necessidade de buscar atalhos que, no fim, podem trazer mais prejuízos do que benefícios", conclui.
Milton Paulo Silva, teólogo e pastor da Igreja Vineyard, em Mogi das Cruzes-SP, afirma que sua abordagem foi evoluindo ao longo da prática pastoral. Inicialmente, ele relembra a perspectiva tradicional, onde apostas eram vistas como pecado, especialmente influenciadas por ensinamentos bíblicos que enfatizavam a responsabilidade financeira e a moralidade cristã. Com o passar dos anos, o pastor passou a entender as apostas não como pecado, mas como um risco iminente de vício e descontrole financeiro, que pode levar a sérios problemas pessoais e familiares.
Eu parei de tratar o assunto como pecado e comecei a ver a questão da aposta como um perigo iminente. A pessoa pode se viciar a ponto de colocar a própria vida em risco, a segurança e a estabilidade familiar em risco, porque bota todo o dinheiro do salário nas apostas.
Milton Paulo Silva, teólogo e pastor da Igreja Vineyard
Ele destaca a falsa sensação de que apostas "pequenas", como as realizadas em plataformas digitais, são inofensivas, o que pode incentivar ainda mais a prática sem uma percepção clara dos danos que isso pode causar.
"As apostas dão uma falsa sensação de que é bobagem, coisa pequena, mas, no fundo, as pessoas estão se endividando", explica o pastor que enfatiza que o vício vai além da questão religiosa.