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Favela x Nunes: moradores da Vila Mariana prometem 'guerra' contra túnel

Obra próxima às favelas Sousa Ramos e Coronel Luis Alves - Pedro Vilas Boas/UOL Obra próxima às favelas Sousa Ramos e Coronel Luis Alves - Pedro Vilas Boas/UOL
Obra próxima às favelas Sousa Ramos e Coronel Luis Alves Imagem: Pedro Vilas Boas/UOL

Do UOL, em São Paulo

17/02/2025 05h30Atualizada em 18/02/2025 17h00

A decisão da Prefeitura de São Paulo de romper o contrato e derrubar a licitação para as obras dos túneis na Vila Mariana, na zona sul da cidade, deu força aos moradores da favela Sousa Ramos na disputa para que a gestão Ricardo Nunes (MDB) aceite uma proposta alternativa que não retire a comunidade do bairro.

O que aconteceu

"É guerra", resumiu ao UOL o arquiteto e urbanista Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores da favela. "Eles perceberam que precisam seguir a lei. A pressão de uma comunidade conseguiu romper um contrato público", acrescentou.

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O secretário municipal de Habitação, Sidney Cruz, visitou pela primeira vez a favela na última sexta-feira (14), dias após o MP-SP recomendar o rompimento do contrato. A comunidade fica localizada na rua Sousa Ramos e seria atingida pela obra. A ideia da prefeitura é construir dois túneis com duas faixas cada, em sentidos contrários, no cruzamento da rua Sena Madureira com a rua Domingos de Morais.

Assim como em uma guerra, nós recebemos nosso adversário. Estamos dispostos a conversar
Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores

Os moradores sugerem como alternativa a retirada de um dos três semáforos da região, em direção à rua Maurício Francisco Klabin. "O primeiro semáforo na Sena Madureira seria retirado e o posto ao lado, desapropriado. Os carros seguiriam em direção à Klabin. Esses dois semáforos seguidos travam o trânsito", afirmou o presidente da associação.

Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores da favela Sousa Ramos Imagem: Pedro Vilas Boas/UOL

Alternativa é interessante, mas tem que ser desenvolvida, diz especialista. Para Sergio Ortiz, coordenador de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes, a retirada de um semáforo poderia melhorar o tráfego na região da Sena Madureira, mas o alcance seria menor do que o complexo viário proposto pela prefeitura.

O ideal seria termos um estudo de impacto isento, que apresentasse alternativas, porque construir túneis não é barato. E estaríamos privilegiando carros, em um momento em que discutimos cada vez mais o pedestre e que haja menos tráfego na cidade Sergio Ortiz, coordenador de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes

A comunidade também está mais confiante porque uma nova licitação levará em consideração o atual Plano Diretor da cidade. A área onde está a favela é considerada de interesse social e proteção ambiental, sinalizações que não existiam há mais de dez anos, na gestão Gilberto Kassab (2006-2012), quando o projeto teve início.

O UOL questionou a prefeitura sobre as próximas etapas após a recomendação do MP-SP e sobre a proposta da comunidade. A nota enviada pelo município apenas confirma o recebimento do ofício judicial e diz que uma nova licitação será anunciada em breve.

Posse dos imóveis

Entrada da favela Sousa Ramos, ao lado de condomínios da Vila Mariana Imagem: Pedro Vilas Boas/UOL

A derrubada da licitação também aumentou a expectativa dos moradores da Sousa Ramos de obter a posse dos imóveis. "Vão começar do zero, fechar contrato com uma empresa, fazer a licitação. Esperamos que, nesse meio tempo, a Justiça libere nossa posse", afirmou Eduardo Canejo.

Ele se refere a uma ação que tramita na Justiça para obtenção da CUEM (Concessão de Uso Especial para fins de Moradia). Um perito avaliará se a favela atende aos requisitos para receber a autorização.

Também há um pedido de regularização fundiária em andamento na prefeitura. Procurada, a Secretaria de Habitação disse que o pedido está em fase de estudo técnico e que isso não representa o início formal do processo de regularização. A pasta também afirmou que se reuniu com famílias no mês passado para apresentar propostas de "reassentamento e soluções habitacionais", ou seja, retirada dos moradores do local.

'Ajustar a questão das árvores'

No último dia 5, o prefeito Ricardo Nunes disse que ia "ajustar a questão das árvores" após a recomendação do MP-SP, mas não comentou sobre a Sousa Ramos e outra favela na região. "Se a gente for ficar brigando na Justiça, as coisas não vão andar. (...) Vamos sentar com o pessoal do Ministério Público, ver o que eles querem que coloque, que não coloque. Vamos adequar, vou aproveitar para ajustar a questão das árvores", afirmou, na ocasião.

O MP-SP deu dez dias para a Prefeitura de São Paulo rescindir o contrato das obras dos túneis sob o risco de Nunes ser alvo de uma ação por improbidade administrativa. A recomendação é resultado de um dos três inquéritos abertos no órgão para investigar a obra.

Promotor afirma não haver "possibilidade de acordo" com empresa investigada por fraude. No documento do MP-SP, Silvio Marques alega que o contrato firmado entre a prefeitura e a Álya Construtora S.A., antiga Queiroz Galvão S.A., "decorre de fraude da qual a empresa participou e envolve outras licitações do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo".


Cotidiano