Facção religiosa liderada por Peixão comprou 'fuzil anti-drone' da China


O Terceiro Comando Puro (TCP), facção evangélica chefiada pelo traficante Peixão, importou "fuzil anti-drone" da China para o Rio de Janeiro, indica investigação da Polícia Federal.
O que aconteceu
Bloqueador de sinais de alta tecnologia impede rastreamento de veículos e celulares, o chamado "fuzil anti-drone". A remessa com a mercadoria proibida foi enviada em junho de 2024 da China para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, segundo a PF. O endereço de envio é o de Everton Vieira Francesquet, preso na semana passada sob a acusação de ser o armeiro da organização criminosa.
Armeiro do TCP também é acusado de adquirir lançadores de granada comprados no Paraguai. Material foi apreendido em uma operação da PF em julho do ano passado em uma agência dos Correios. Ele é investigado por planejar e efetivar a importação de outros armamentos para a facção criminosa no país vizinho.
Relacionadas
Francesquet recebia orientações em conversas por WhatsApp com Peixão, líder do TCP. Contato de Álvaro Malaquias, o Peixão, foi salvo no celular do armeiro como "Irmão Isra", em referência ao Complexo de Israel, conjunto de favelas na zona norte do Rio sob o domínio do traficante (veja conversa por áudio abaixo).
Peixão: 'Vamos te mandar o dinheiro do drone'
Peixão - Mas de antemão, eu preciso que tu veja logo o boleto daquele drone pra gente pagar hoje. Já ver depois pra gente comprar aquele localizador de drone também. Vamos comprar o drone, o localizador de drone e a tua bazuca [fuzil anti-drone] quando chegar também. Aí depois que eu pagar a tua bazuca e te dar mais um dinheiro pra tu comprar outra pra gente, pra tu montar outra.
Francesquet - Sim, senhor.
Peixão - Então me manda as fotos das paradas aí e pode me mandar o valor aqui também, já pra eu se [sic] organizar. Porque a partir de agora, a gente não vai parar mais não, mané. Toda semana, a gente vai tá comprando alguma coisa. Hoje, o mais certo de tudo é o drone. Ele vai dar teu dinheiro hoje. E já vamos te mandar o dinheiro do drone.
Francesquet - [Armeiro encaminha mensagem com a foto do drone].
Porra! Coisa linda, irmão! Coisa linda! A gente tem que vim [sic] com todo esse aparato de inteligência possível. Esses drones que jogam bomba aí, a gente tem que comprar com urgência!
Peixão, em áudio por Whatsapp
Francesquet - Outra coisa, mano. Eu pedi ao Zero [criminoso do TCP ainda sem identificação responsável pelo fluxo de dinheiro da facção, segundo a PF] que enviasse um dinheiro, que eu já fiz um pedido aqui de um anti-drone. Aí eu vou fazer o pagamento. Aí, o cara vai me mandar as peças, entendeu? Aí, chegando, eu já monto e já mando pro senhor. Daqui uns dez dias, chega as peças tudinho. Eu vou e monto e segue aí pro senhor, beleza?
Armeiro cita alta do dólar: 'tem que comprar logo'
Peixão - Aí, meu mano. E os drones normal? Qual o prazo de entrega?
Francesquet - Então... Eu tô pesquisando isso agora, entendeu, mano? E o dólar subiu, mano. Não sei se você tá pesquisando aí. Mas o dólar subiu, vai dar uma encarecida. Se tiver de comprar, tem que comprar logo!
Peixão - Se quiser comprar o Mavic 3 Pró... Se quiser comprar aqueles Mini 4... Eu vou precisar comprar, tipo assim, vamos fazer uma conta. As antenas: sabe quanto é que é os aparelhos das antenas? Eu vou me programar. Pra semana que vem, eu vou fazer uma compra de 100 mil [não se sabe se Peixão falava do valor em dólares ou em reais]. Aí, eu quero comprar o que for mais útil. Só que, de certa forma, eu estou precisando de uns drones, entendeu? Eu queria ver uns dez drones, mas eu tenho 100 mil pra gastar. Vindo esses dez drones, mais um ou outro aparato de antiaéreo. Fora a bazuca, que você já tá fazendo.
Versículos, drogas e fuzis
Nas áreas sob o domínio de Peixão, há trechos bíblicos, bandeiras do Estado de Israel e imagens de Cristo em grafites e pinturas gospel. Estrelas de Davi também estavam na decoração do "resort do crime" descoberto pela polícia, onde havia ainda uma instalação em neon com o símbolo.
Bandeiras com a estrela distribuídas em torres por comunidades dominadas por Peixão. Evangélico, o traficante gosta de usar símbolos e personagens bíblicos.
O grupo ficou conhecido pela intolerância a religiões de matriz africana e por usar o nome de Deus para controlar áreas no Rio. No "resort" de Peixão, construído em uma área de preservação ambiental com dinheiro ilícito, a Polícia Civil também encontrou várias bíblias.
Inspirado na "gramática pentecostal", o traficante deu o nome de Complexo de Israel às favelas em que atua em referência à terra prometida para o "povo de Deus" na Bíblia. A facção ainda exige conversão e práticas religiosas específicas para adesão e permanência na organização.
Após serem presos, membros da cúpula da quadrilha chefiada pelo traficante se referiam a ele como "Irmão de Moisés". Peixão apelidou o seu grupo criminoso de "Tropa do Arão", em referência Arão à figura bíblica, irmão de Moisés. A operação ocorreu em maio de 2023, resultando na prisão de 10 pessoas em um bunker do TCP dentro de um projeto social de fachada a serviço do tráfico, segundo a polícia.
O mundo do crime se legitima pelo terror. Mas a religião faz com que ele [Peixão] adquira um outro tipo de poder diante dos seus comandados. Esses presos da cúpula da facção usavam termos bíblicos em conversas informais com os policiais, e demonstravam ter uma espécie de devoção pelo líder da quadrilha, a quem se referiam como 'Irmão de Moisés'.
Marcus Amim, delegado da Polícia Civil do Rio
Como Peixão ocupou área do CV
Traficante invadiu áreas que eram reduto histórico do Comando Vermelho. Segundo fontes na Polícia Civil ouvidas pelo UOL, Peixão expandiu a sua área de domínio entre o fim de 2017 e o começo de 2018. A Tropa do Arão surgiu na Parada de Lucas, depois tomando o controle de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas, na zona norte do Rio.
A área é apontada como histórico reduto da principal facção criminosa do Rio de Janeiro, que tenta retomar esse território. "O Peixão tem um poderio bélico bem expressivo porque precisa disso para manter o Complexo de Israel e impedir as tentativas de invasão do Comando Vermelho", disse o delegado Marcus Amim.
Drogas e armas vindas de fora do país. De acordo com investigações, Peixão tem sido um dos principais líderes do TCP na negociação para trazer drogas e armas de países como Paraguai, Colômbia e Venezuela devido à sua rede de contatos no exterior. "O Peixão é o principal articulador hoje do TCP e conta com uma rede de intermediários, que buscam armas e drogas no exterior", disse o delegado Marcus Amim.
Pelo menos 200 pessoas foram vítimas do TCP nos últimos dois anos no RJ. Em um dos golpes, os criminosos criam anúncios falsos de veículos na internet para sequestrar "clientes" interessados. O dinheiro que seria destinado à compra do carro é roubado e eles pedem Pix aos familiares para soltar os sequestrados.