Topo

"Não queremos ser colonizados pela Argentina", diz representante do governo das Malvinas

Thiago Chaves-Scarelli <br> Do UOL Notícias <br> Em São Paulo

22/02/2010 16h48

O governo das ilhas Malvinas (Falklands) reiterou nesta segunda-feira (22) que a população do arquipélago não tem interesse em ser incorporada à Argentina, uma reivindicação histórica de Buenos Aires que voltou a ganhar espaço nas últimas semanas. Hoje, a companhia de petróleo britânica Desire Petroleum iniciou suas operações de prospecção petrolífera nas proximidades do arquipélago com a perfuração de um primeiro poço, anunciou a empresa em um comunicado.

A Argentina tem razão em reivindicar as Malvinas?

“Não queremos ser colonizados pela Argentina”, afirmou por telefone ao UOL Notícias a parlamentar Emma Edwards, desde a cidade de Stanley, capital das Malvinas. “Queremos ser independentes”.

A polêmica sobre a nacionalidade das Malvinas voltou à cena nas últimas semanas, com o anúncio de que a prospecção de petróleo no arquipélago seria retomada. A iniciativa foi o suficiente para tocar a ferida de Buenos Aires, que em 1982 perdeu para o Reino Unido a guerra pelo controle da ilha, mas nunca desistiu de argumentar que as Malvinas seriam legitimamente argentinas (veja box ao lado).

O conflito das Malvinas

  • UOL Arte

    As Ilhas Malvinas (Falklands) são um arquipélago localizado no Atlântico Sul cujo território, atualmente sob controle britânico, é reivindicado pela Argentina.

    As ilhas, sem moradores nativos, foram descobertas pela Espanha em 1520. Após conflitos diplomáticos com franceses e britânicos, os espanhóis mantiveram o controle do arquipélago, que passou a ser reivindicado como território da Argentina depois que Buenos Aires conseguiu independência da coroa espanhola.

    Contudo, os argentinos não conseguiram impedir que em 1833 os britânicos enviassem colonos para habitar as ilhas – e essa população, que desde então se dedica à pesca e à criação de ovelhas, deu origem à maior parte dos atuais 2.500 habitantes.

    O conflito sobre a nacionalidade das Malvinas atingiu seu ponto mais quente em 1982, quando a Argentina enviou militares para ocupar as ilhas. Em pouco mais de dois meses, o Reino Unido retomou o controle das Falklands, em um conflito no qual morreram 655 argentinos e 255 britânicos.

    A vitória consolidou o controle britânico, mas as Malvinas permanecem uma questão de honra nacional para a Argentina, que com frequência se dirige à ONU para criticar o “colonialismo” inglês no Atlântico Sul.

    Atualmente, a administração interna do arquipélago é exercida pela população local por meio da Assembleia Legislativa e do Conselho Executivo. Como não há partidos políticos, todos os parlamentares são eleitos como independentes e não existe oposição formal. O chefe do poder Executivo é Tim Thorogood.

    As questões externas e a defesa das Malvinas são controladas pelo Reino Unido por meio de um governador. Este cargo é ocupado hoje por Alan Huckle, que oficialmente representa a rainha Elizabeth 2ª.

Para tentar bloquear as atividades de perfuração, Buenos Aires emitiu um decreto proibindo a circulação de navios em qualquer rota Argentina-Malvinas sem prévia autorização. Mas, segundo a parlamentar kelper, a medida causou mais barulho do que consequências práticas, já que as perfurações foram iniciadas hoje, como planejado.

“Os equipamentos para as perfurações, produzidos na Europa, já estão aqui na ilha”, afirmou Edwards. “[Esse decreto] é só mais uma dessas coisas que os argentinos fazem.”

“O petróleo é nosso”

Um dos principais pontos citados pela Argentina em suas frequentes petições à ONU sobre o tema é que as Malvinas seriam um resquício de imperialismo britânico, sem autogoverno, em plena América do Sul. A representante do governo kelper, de sua parte, discorda das críticas.

“Nós já somos muito independentes, podemos criar nossas leis, nossos próprios impostos, eleger democraticamente nossos representantes. A única coisa em que o Reino Unido tem voz é na política externa, mas todas as decisões nessa área também são apresentadas e discutidas com o governo local”, explica.

Essa independência diz respeito também ao petróleo, afirma Emma Edwards. “Tudo o que diz respeito ao petróleo é decidido aqui. [O primeiro-ministro britânico] Gordon Brown defendeu nossa autonomia para isso e reiterou que este petróleo pertence ao povo das Falklands.”

Essa população, segundo a parlamentar, é formada principalmente por descendentes de britânicos e de escoceses, mas inclui também comunidades de chilenos e argentinos, entre outros. “Mas nós já estamos aqui há nove gerações, nascidos e criados aqui, nós não somos britânicos, somos nativos, somos falklanders”, defende Edwards.

Argentina em busca de apoio

As declarações da parlamentar chegam no mesmo dia em que a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, se pronuncia em Cancún (México), durante a cúpula do Grupo do Rio, pedindo que seus vizinhos da América Latina se posicionem a seu favor na disputa diplomática com o Reino Unido.

“Não entendo porque a América do Sul ficaria do lado da argentina nessa questão. Esperamos que o resto da América do Sul aceite o princípio da autodeterminação. Nós não queremos ser argentinos”, comenta a parlamentar.

Essa posição dura reflete um histórico de tensão latente desde a guerra das Malvinas, em 1982, quando uma tentativa da Buenos Aires de retomar a ilha à força acabou com cerca de mil mortos, em sua maioria argentinos. Desde então o Reino Unidos mantém um contingente militar fixo no arquipélago.

“Nós nunca tivemos realmente um comércio com a Argentina. Temos relações principalmente com Chile, com o Reino Unido, mas é difícil ter uma relação próxima com um país que quer vir aqui colonizar você”, responde Emma Edwards.

Ovelhas e petróleo

A questão no petróleo também não é nova. Em 1998, seis poços foram furados no norte das Malvinas, mas a companhia interrompeu os investimentos porque o preço do petróleo (então a US$ 10,35 o barril) não tornava a prospecção viável. Hoje, com o barril a US$ 75, o conjunto de petroleiras com concessões na área, lideradas pela Desire Petroleum, revisaram as contas.

Um documento com data de 11 de janeiro no site da Desire cita nove cenários diferentes, com o petróleo a US$ 50, US$ 75 e US$ 100, e com três diferentes níveis de produção. De acordo com a projeção, oito dos nove cenários são viáveis, o que justificaria a retomada da prospecção.

Para uma economia baseada na pesca e na criação de ovelhas, o nascimento de uma indústria petroleira pode significar muito dinheiro em caixa, mas a parlamentar prefere não trabalhar com hipóteses.

“Existe uma regulação sobre os impostos que serão recolhidos se houver exploração de petróleo. Mas pode não haver nenhum óleo, assim com pode haver muito. É prematuro especular o que vai acontecer com um dinheiro que ainda não existe”, comenta.

E é verdade que o Reino Unido reforçou as tropas na ilha para garantir a exploração do petróleo? “Não sabemos sobre o movimento de tropas na ilha. Essa é uma questão que é tratada por Londres. Só Londres pode informar”, responde Edwards, que, como todo kelper, também é súdita da rainha Elizabeth 2ª.