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Bento 16 faz visita histórica ao Reino Unido no momento em que católicos estão desorientados

Tony Gentile/Reuters
Imagem: Tony Gentile/Reuters

Do UOL Notícias*

Em São Paulo

16/09/2010 07h00

O papa Bento 16 chegou na manhã desta quinta-feira (16) ao Reino Unido, quase 500 anos após a ruptura do rei Henrique 8º com a Igreja Católica. Bento 16 desembarcou em Edimburgo, na Escócia, para iniciar uma visita oficial e pastoral de quatro dias ao Reino Unido. O papa foi recebido ao pé das escadas do avião pelo Príncipe Filipe, duque de Edimburgo, marido da rainha Elizabeth 2º, por membros do Real Regimento da Escócia, que formaram um corredor de honra, e pela hierarquia católica do país. O papa permanecerá no Reino Unido até domingo (19), em uma viagem que deve ser marcada pela busca de diálogo com a Igreja Anglicana, um ano após a abertura do Vaticano aos anglicanos que desejem voltar ao catolicismo.

"Essa visita ocorre em um momento no qual a Igreja Católica está combalida, completamente sem rumo, com seus crentes desorientados. Esperava-se que o Ratzinger [Bento 16] desse um rumo, mas o que acontece é que a Igreja olha cada vez mais para dentro de si mesma", avalia Antônio Flávio Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP, especialista em religião.

Pierucci acredita que o principal foco da visita está no diálogo com a Igreja Anglicana, em especial depois que o Vaticano se envolveu em uma "saia justa" com a religião britânica: há cerca de um ano atrás, Roma anunciou a abertura para anglicanos que desejassem voltar ao catolicismo, admitindo, inclusive, a ordenação de clérigos anglicanos já casados como sacerdotes católicos.

Os católicos são minoria no país, cerca de 5,2 milhões, o que representa 8,87% da população. Mas, diferente de outros países, como o Brasil, em que a religião perde espaço para o pentecostalismo, o número de fiéis britânicos cresce. Milhares de anglicanos tradicionalistas, contrários a medidas da Comunhão Anglicana consideradas liberais, como a ordenação de mulheres e de homossexuais como bispos, já anunciaram seu retorno à Igreja Católica.

Por outro lado, muitos dos 70 milhões de fiéis anglicanos consideram a aproximação do Vaticano uma espécie de anexação a Roma, e por isso a criticaram. A Santa Sé, por sua vez, assegurou que segue comprometida com o ecumenismo, "na linha marcada pelo Concílio Vaticano 2º [de diálogo da Igreja Católica com outras religiões]".

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Numerosos grupos laicos anunciaram manifestações contra Bento 16, acusado de ser ultraconservador e de ter ocultado casos de abusos sexuais de clérigos contra menores, muitos deles ocorridos no Reino Unido e, sobretudo, na vizinha Irlanda. Vinte e dois sacerdotes foram acusados e condenados por terem abusado de menores nos últimos anos. Veja aqui os principais casos.

O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, afirmou que não está descartado um encontro do pontífice com vítimas desses abusos, como já ocorreu nas viagens de Bento 16 aos Estados Unidos, à Austrália e, recentemente, a Malta. O eventual encontro, precisou Lombardi, seria realizado em um clima de discrição, espiritualidade e recolhimento, afastado da presença da imprensa.

Além do posicionamento do papa nos casos de pedofilia, as correntes contrárias à visita criticam o pontífice pelo conservadorismo em temas como aborto, homossexualidade, ordenação de mulheres ao sacerdócio, pesquisa com células-tronco e uso de preservativo.

Beatificação
O motivo central da visita é a beatificação, no domingo, na cidade inglesa de Birmingham, do cardeal John Henry Newman (1801-1890), um anglicano convertido ao catolicismo, considerado um dos pais espirituais do Concílio Vaticano 2º.

Bento 16 ressaltou que Newman viveu uma vida de sacerdócio exemplar e que seus escritos foram uma contribuição fundamental para a Igreja e a sociedade, tanto em sua terra natal como em outras partes do mundo.

Curiosamente, os movimentos homossexuais britânicos consideram Newman um homossexual disfarçado, que foi enterrado ao lado de Ambrose Saint John, que teria sido seu companheiro por 32 anos. Muitos católicos britânicos preferem crer que os dois nunca foram nada além de bons amigos.

Em cinco anos de Pontificado, a viagem ao Reino Unido é a 17ª realizada por Bento 16 pelo mundo, sendo 11 delas a países europeus.

Antes de Bento 16, o papa João Paulo 2º esteve no Reino Unido em 1982, mas tratou-se de uma visita pastoral, diferente da deste ano, que é considerada uma visita de Estado pela rainha Elizabeth 2ª.

Sobre o fato de sua visita ser considerada de Estado pela rainha Elizabeth 2ª, Bento 16 admitiu sentir-se lisonjeado, mas detalhou que não se trata de uma visita política, mas de uma viagem pastoral.

Neste sentido, reconheceu que o Vaticano só é considerado um Estado para garantir a independência na hora de divulgar o Evangelho.

A ruptura de 1534 foi provocado pelo rei inglês Henrique 8º, quando este não conseguiu convencer o papa Clemente 7º a anular seu casamento com Catarina de Aragão, o que levou à criação da Igreja Anglicana, da qual ele se proclamou chefe.

Entrada paga
As missas realizadas por Bento 16 na Inglaterra serão pagas. Os fiéis deverão desembolsar até 25 libras (R$ 66,45) para ver a missa de domingo, em Birmingham (centro de Inglaterra), 20 pela de quinta-feira (R$ 53,15), em Glasgow (Escócia), e 5 (R$ 13,30) por uma vigília no sábado, em Londres.

A Igreja Católica inglesa classifica esses pagamentos como "contribuições econômicas", mas para a imprensa britânica trata-se simplesmente uma venda de ingressos, algo sem precedentes.

Segundo cifras oficiais, o custo do deslocamento do papa ficará perto dos 20 milhões de libras (R$ 53 milhões). Em tempos de crise, e considerando a reticência dos britânicos em pagar pelo encontro (três em cada quatro britânicos acham que o contribuinte não deve pagar pela visita, segundo pesquisa recente) o governo só assumirá entre 10 e 12 milhões de libras (R$ 27 milhões a R$ 32 milhões). Por isso, o clero católico inglês participa o máximo possível no financiamento da visita.

*Com agências internacionais