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Unidos contra Lugo, colorados e liberais disputam Presidência em meio a denúncias de corrupção

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

21/04/2013 06h00

Colorados e liberais paraguaios abriram mão de uma rivalidade de 125 anos, permeada por golpes, conspirações e até por uma guerra civil, para derrubar, em junho passado, o então presidente Fernando Lugo, num processo que durou menos de 30 horas.

PERFIS DOS CANDIDATOS

  • Horácio Cartes, do Partido Colorado, o 'Berlusconi paraguaio'

  • Efraín Alegre, do Partido Liberal, político de carreira e ex-ministro de Lugo

Dez meses depois da queda do ex-bispo, os partidos voltam a ocupar trincheiras opostas: o colorado Horacio Cartes, 56, um multimilionário neófito na política, e o liberal Efraín Alegre, 50, político de carreira e ex-ministro de Obras de Lugo, disputam voto a voto as eleições presidenciais, que ocorrem neste domingo (19).

O impeachment-relâmpago do ex-bispo, o primeiro presidente não-colorado e não-liberal desde 1887, só se viabilizou graças a um acordo entre a Associação Nacional Republicana (ANR, nome oficial do Partido Colorado) e do Partido Liberal Radical Autêntico (os liberais), que votaram em bloco na Câmara e no Senado pela deposição de Lugo –as siglas somam mais de 80% das cadeiras do Congresso paraguaio.

Na época do impeachment, o discurso de colorados e liberais era uníssono: a deposição de Lugo, a despeito do tempo recorde --que inviabilizou a defesa do ex-presidente--, não poderia ser considerada um golpe, por estar respaldada na Constituição e ser necessária para devolver a tranquilidade ao Paraguai.

Tiroteio eleitoral

Na reta final da campanha, a relação dos partidos voltou à normalidade: acusações de compra de votos, denúncias de uso da máquina e até ofensas pessoais ganharam corpo em ambos os lados.

Em comício na última quinta-feira (18), Alegre atacou o passado de Cartes, que chegou a ficar preso por evasão de divisas no final da década de 80. Sobre o candidato colorado, recaem suspeitas de ligação com uma rede de lavagem de dinheiro e narcotráfico, conforme telegrama vazado pelo WikiLeaks em 2010. “O povo sabe onde está a máfia e onde está o Paraguai decente. E o Paraguai decente vai triunfar em 21 de abril”, afirmou.

À agência AFP, o liberal disse que Cartes “é a reafirmação do modelo de contrabando, da máfia e da pirataria” --no Brasil, o colorado foi citado na CPI da Pirataria, em 2004, que apontou que uma de suas empresas do ramo de tabaco fazia contrabando de cigarros para o Brasil.

Durante carreata em Assunção também na quinta-feira, Cartes atacou o adversário, insinuando que Federico Franco usa cargos no governo em troca de apoio. O colorado citou ainda acusações contra Alegre, que teria utilizado recursos públicos da administradora da hidrelétrica de Yacyretá para custear voos pessoais. “Vocês não vão ver meus filhos pedindo comissões por aí, nem vendo a Yacyretá em avião alheio.”

Para conquistar votos, os colorados têm utilizando também o apoio da União de Cidadãos Éticos (Unace) --sigla criada pelo ex-general Lino Oviedo, ao candidato liberal. A campanha de Cartes sustenta que a união das siglas está relacionada à compra de terras superfaturadas do senador Jorge Oviedo Matto, da Unace, pelo governo de Federico Franco.

RAIO-X DO PARAGUAI

Arte/UOL
Nome oficial: República do Paraguai

Capital: Assunção

Localização: América do Sul

Superfície: 406.750 km²

População: 7.356.789

Moeda: Guarani

Idioma oficial: Espanhol e Guarani

PIB per capita: US$ 5.400

Religião: Católica (89,6%), Protestante (6,2%), outra (1,9%)

Governo: Presidencialista

Principais atividades econômicas: agricultura (grãos e sementes), comércio e geração de energia

Na última terça-feira (16), a cinco dias das eleições, Matto renunciou à presidência do Senado após as denúncias de que ele embolsou mais de R$ 25 milhões no esquema de compra de terras.

Ontem (17), novas denúncias, dessa vez contra um colorado, apimentaram a batalha: o jornal ABC Color teve acesso a uma gravação que mostra o senador Silvio Ovelar comprando votos de uma liderança de um assentamento. Para cada voto colorado, ele receberia cerca de R$ 48.

Ovelar alegou que a negociação fazia parte de uma investigação sua para, na verdade, mostrar que os liberais estavam vendendo votos. O senador disse ainda que o Ministério Público estava a par de sua iniciativa, que teria fracassado porque os adversários descobriram seus planos. “Iríamos pegá-los, mas eles nos pegaram antes”, afirmou. Por conta das denúncias, Ovelar foi suspenso do Senado por 60 dias.

A última denúncia veio à tona na sexta-feira (19), quando o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral do Paraguai (TSJE) cancelou o convênio com a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação --vinculada ao governo de Franco-- que permitia ao órgão do processo de verificação e controle do sistema de contagem de votos.

Segundo o TSJE, a secretaria desrespeitou a cláusula de confidencialidade, ao vazar informações sobre o sistema eleitoral.

Pesquisas divergem

As pesquisas eleitorais não permitem estabelecer um cenário preciso, dada a falta de credibilidade das sondagens, que indicam percentuais distintos para os dois principais candidatos. Em pesquisa da Grau & Associados divulgada no domingo (14), Cartes aparece com 45,3%, contra 31,2% de Alegre. Já na sondagem do Gabinete de Estudos de Opinião (GEO), o colorado aparece com 34,8% das intenções, atrás do liberal, que tem 36,7%.

A terceira força é o apresentador de televisão Mario Ferreiro, candidato do movimento Avança País, uma das três coalizões de esquerda que disputam o pleito, que aparece com cerca de 10% das intenções de votos nas pesquisas.

Anibal Carrillo, candidato da Frente Guasú, agrupamento de partidos que sustentou o governo Lugo, oscila em torno de 2%. Como não há segundo turno no Paraguai, vence o candidato que conquistar maioria simples dos votos.

Além do presidente, os cerca de 3,5 milhões de eleitores paraguaios irão escolher governadores de 17 departamentos (Estados), 45 senadores, 80 deputados e os representantes do país no parlamento do Mercosul. Lugo, que rodou o país nas últimas semanas, deve se eleger para o Senado. O voto é obrigatório para maiores de idade.

Entre os observadores brasileiros destacados para acompanhar a eleição estão os brasileiros ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) e Guilherme Patriota, irmão do chanceler Antono Patriota, que monitora a situação política no Paraguai, desde a queda de Lugo, pela Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Mercosul e outros desafios

O próximo mandatário terá como desafio reintegrar o Paraguai ao Mercosul e à Unasul, já que o país está suspenso das duas organizações desde a queda de Lugo. Nesse interim, o Mercosul conseguiu integrar a Venezuela ao bloco, o que não tinha ocorrido ainda por rejeição do Congresso paraguaio.

Outra questão a ser enfrentada é a pobreza, que atinge 49,6% dos paraguaios, segundo dados do Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas). No campo, a taxa sobe para 59,3%.

O Paraguai possui hoje o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), com 0,669 pontos, atrás apenas da Guiana (0,636). O país possui ainda uma das maiores concentrações de renda e de terra do continente, que provoca conflitos entre “carperos” --como são chamados os sem-terra-- e “brasiguaios”, imigrantes brasileiros que adquiriam terras a preços baixos nas décadas de 60 a 80 e hoje formam a elite agrária do país.

Nas relações com o Brasil, o novo presidente terá que mostrar habilidade para conduzir as negociações em torno do valor pago pela energia de Itaipu. O tratado entre os dois países prevê que cada lado utilize 50% da energia. O Paraguai só consome 5% a que tem dinheiro e vende o restante ao Brasil por US$ 8,40 o MW/h, valor ínfimo se comparado ao que o Brasil paga em leilões de energia (mais de US$ 60).

Em negociações com o governo brasileiro, Lugo conseguiu elevar o valor em 200%, o que é considerado insuficiente tanto por Cartes, como por Alegre.

Por fim, o novo mandatário terá que encontrar maneiras de tornar mais eficaz o combate ao narcotráfico e ao contrabando. O Paraguai é rota do tráfego internacional de drogas e é por onde boa parte dos entorpecentes adentra ao Brasil.