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Americanos votam para tirar juiz que deu pena 'leve' a estuprador, e juristas temem interferência

Juiz Aaron Persky posa com placa contra o processo de recall  - Jeff Chiu/AP
Juiz Aaron Persky posa com placa contra o processo de recall Imagem: Jeff Chiu/AP

Paul Elias

Da AP

10/06/2018 04h01

Na Califórnia (EUA), organizações feministas e o movimento #MeToo (Eu Também) mobilizaram os eleitores, que votaram na última semana pelo afastamento de um juiz que deu pena considerada leve demais (seis meses de prisão) a um acusado de estupro. O episódio, que por um lado mostrou a força das mulheres e a participação popular em decisões que afetam a sociedade, acendeu o sinal de alerta de muitos juristas. Para eles, há risco de interferência política em decisões que deveriam ser técnicas.

“Isso abre um precedente perigoso” disse LaDoris Cordell, juiz aposentado que apoiou uma campanha contra a saída do juiz do caso, Aaron Persky, do condado de Santa Clara.

Cordell é um dos vários professores de direito e juízes aposentados que temem que outros magistrados passem a ouvir a opinião pública, em vez da legislação, em casos grandes e sensíveis.

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Os defensores de Persky pontuam que o juiz perdeu o cargo mesmo tendo dado uma sentença legal, que nem mesmo foi contestada pelas instâncias superiores. A Comissão de Performance Judicial da Califórnia determinou que a sentença foi feita corretamente.

“Remover juízes quando eles seguem as leis e fazem algo impopular mina a independência judicial”, disse o promotor Jeff Rosen por meio de uma nota.

Quando juízes pensarem que podem perder seus cargos por causa de uma decisão impopular, eles podem não ter a coragem necessária para defender o direito de minorias ou de pessoas que precisam de proteção contra poderosos ou mesmo maiorias com paixões compreensivelmente inflamadas”.

Jeff Rosen, promotor da Califórnia

Um estudo de 2015 da Universidade de Nova York (NYU) concluiu que juízes dos estados de Washington e Pensilvânia eram influenciados pelo período eleitoral. Nos Estados Unidos, os juízes podem ser eleitos por voto popular, e a pesquisa percebeu que juízes davam sentenças maiores para crimes graves quando estavam próximos do período de reeleição.

“É bem preocupante que a remoção de juízes se torne um fato cotidiano”, disse a professora de direito da NYU Alicia Bannon. “Seguir a lei não é algo necessariamente popular e juízes precisam de algum tipo de isolamento da opinião pública”.

Em uma entrevista à agência AP no mês passado, Persky havia dito que a votação de sua remoção ameaçava a independência judicial.

“Para obter justiça de um juiz, é necessário que alguém siga as regras. E as regras básicas são as leis”, disse Persky. “O problema com essa votação é que ele pressiona juízes a seguirem as regras da opinião pública em vez das leis”.

Já Michele Dauber, a professora de direito da Universidade de Stanford que liderou o pedido de remoção, disse os oponentes têm uma "visão obscura da integridade judicial" e disse ter fé que os juízes continuarão a exercer sua independência, mesmo com resultado. Ela também pontuou que as votações para remover juízes são raras.

Esta foi a primeira remoção de um juiz da Califórnia em mais de 80 anos. O último caso nos Estados Unidos ocorreu em Wisconsin em 1977. 

Mulheres comemoraram

10.jun.2016 - Professora de direito de Stanford, Michele Dauber, discursa antes de entregar 1 milhão de assinaturas pedindo o recall do juiz Aaron Persky - AP Photo/Eric Risberg - AP Photo/Eric Risberg
Professora de direito de Stanford, Michele Dauber, discursa antes de entregar 1 milhão de assinaturas pedindo o recall do juiz Aaron Persky em 2016
Imagem: AP Photo/Eric Risberg

“A maior mensagem que fica com essa vitória é a de que a violência contra mulheres agora é um tema eleitoral”, disse a professora Dauber, que iniciou o processo contra o juiz.

A remoção de funcionários de cargos públicos (recall, em inglês) é uma ferramenta legal dos Estados Unidos que permite a eleitores de alguns estados decidir pela saída dessas pessoas. Foi o que aconteceu na última terça-feira (5), em Santa Clara, Califórnia. 

Persky, que exercia a função havia 15 anos, condenou o nadador Brock Turner, estudante da Universidade de Stanford, a seis meses de prisão por ter estuprado uma colega em 2015.  Na época, críticos disseram que a sentença de seis meses era muito leniente.

Como justificativa, Persky adotou uma recomendação do departamento de condicional do condado e citou o histórico criminal limpo de Turner, a idade, a perda de sua carreira de nadador e de sua vaga em Stanford. Ele também levou em conta o envolvimento de álcool, como justificativa para a curta sentença. Turner, por sua vez, foi fichado como agressor sexual por toda a vida.

Após a sentença, uma petição apoiada por mais de um milhão de assinaturas pediu a demissão de Persky, que, como Turner, foi atleta de Stanford, pelo qual foi acusado de "tomar partido" a favor do acusado.