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Ingrid Betancourt volta a concorrer à Presidência 20 anos após sequestro

29.mar.2022 - Ingrid Betancourt: "Tenho uma memória mais seletiva, que protege de certa forma do que vivi" - Daniel Munoz/VIEW press/Corbis via Getty Images
29.mar.2022 - Ingrid Betancourt: 'Tenho uma memória mais seletiva, que protege de certa forma do que vivi' Imagem: Daniel Munoz/VIEW press/Corbis via Getty Images

Do UOL, em São Paulo

17/05/2022 13h47

Duas décadas após ser sequestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a política Ingrid Betancourt, 60, volta a aspirar à Presidência.

Em entrevista à Marie Claire, Betancourt contou que pleiteia ao cargo, na eleição marcada para o dia 29 de maio, contra a vontade da família.

Em 2002, sua candidatura presidencial foi abruptamente truncada por um sequestro que durou seis anos, transformando-a na refém da guerrilha colombiana mais conhecida em nível internacional. Ela se estabeleceu no exterior após seu resgate em uma operação militar.

"Foi um processo longo, não concordaram no começo, não queriam de forma alguma. Sentiam que eu correria risco de novo. Tinham medo pela minha vida", relatou a política, mãe de dois filhos e avó de três. Ela diz que o amor à Colômbia é o que a faz encarar as eleições de novo.

A candidata propõe um mandato que combata a corrupção. "Esse, para mim, é como um marco conceitual. E uma vez que temos isso, podemos atuar em acabar com as desigualdades, de classe e gênero, com as injustiças, mas também com a constante insegurança em que se vive aqui", diz.

O combate à corrupção foi precisamente um aspecto que deu notoriedade a Betancourt no fim do século 20, quando criticou severamente figuras de destaque e rompeu com seu Partido Liberal, para fundar a primeira legenda ambientalista da Colômbia, o Partido Verde Oxigênio, tema que ainda vê como uma das prioridades. "Tão importante quanto lutar contra a corrupção é fortalecer a política de proteção ao meio ambiente."

Ela se apresenta como uma alternativa entre a esquerda, que lidera as pesquisas, e a direita no poder. Se eleita, se tornará a primeira mulher a presidir a Colômbia, o que, para ela, "seria uma maneira de equilibrar os fardos" no país.

"Chegamos a duzentos anos com apenas homens liderando o país, liderando a guerra, os confrontos e a polarização. A visão das mulheres nos daria a outra metade do que os colombianos são. Teríamos uma visão com diferentes prioridades sociais, e prioridades que não nos coloquem em confronto, que não nos levam à guerra, e nos permitam construir com solidariedade e amor. Uma revolução de mulheres implica também em acabar com a corrupção que tomou a economia", afirma.

Ingrid também relata casos de machismo, dizendo que o tratamento dado a candidatas é repleto de ataques pessoais, algo que, segundo ela, não acontece com homens.

Faço parte de uma coalizão cuja lógica é nos unir contra a corrupção. Essa coalizão conta com candidatos à presidência. Um dos candidatos foi denunciado justamente por corrupção. Então, saí da coalizão dizendo 'não mais' porque esta é uma violação. Me colocaram como responsável por dividir [o grupo], disseram que sou louca, que me comporto como uma bruxa. E então passei a receber esse tipo de ataque em que a mulher é infantilizada, se torna a princesa ou a bruxa e é atacada por expressar as suas emoções. Não há uma preocupação em respeitar ou me valorizar pela minha coerência ideológica. A preocupação está em me depreciar, diminuir e subjugar Ingrid Betancourt, em entrevista a Marie Claire

A política diz ainda ser a favor da descriminalização das drogas para atacar o narcotráfico.

Sobre a decisão da Justiça do país de descriminalizar o aborto até a 24ª semana de gestação, ela diz ser contra, e, caso eleita, promete fazer o possível "para que não tenham que ir a esse extremo".

"Sou católica, e contra o aborto, mas acredito que as mulheres devem tomar suas decisões com base em suas crenças, experiência, maturidade e condições. Quarenta por cento dos lares na Colômbia são chefiados por mulheres, mulheres que decidiram ter seus filhos apesar do desaparecimento de seus parceiros. Isso diz um pouco do peso que é ser mulher na Colômbia. Eu as respeito e penso que têm que ter o direito de dizer o que querem fazer e o que querem ser."

Betancourt se define ainda como "uma feminista recém-chegada", dizendo que se tornou feminista durante o período em que passou na selva, sequestrada.

"Me convenci de que a questão da proteção das mulheres e o feminismo não são reivindicações contra os homens, são reivindicações humanas. Se os direitos das mulheres são violados, estamos, na verdade, falando sobre a violação do gênero humano. De alguma forma nos anos da minha juventude, vi o feminismo como um confronto de gêneros. Hoje, não vejo assim. O enxergo como uma união de homens e mulheres que querem acabar com a violência contra metade da população", diz.

Sobre a vida naquele período, ela diz que o que mais a marcou quanto ao machismo foram os abusos sexuais, abortos forçados, além de violências física e psicológica.

Vida no cárcere

Questionada sobre qual foi o pior machismo que sofreu durante o período em que foi mantida em cativeiro, Betancourt diz que não gosta de entrar em detalhes, porque são memórias "muito pesadas".

Desde seu sequestro, ela diz que tudo mudou. "Sou uma mulher livre, posso estar com minha família de novo e reconstruir minha vida para ser mãe de novo, para ser irmã de novo, para ser filha [...] Pude curar muitas feridas, redefinir minhas prioridades."

A política diz que o amor de sua família a ajudou a lidar com os traumas e que escrever um livro sobre aquele período foi doloroso. "Tenho uma memória mais seletiva, que protege de certa forma do que vivi."

Questionada sobre como vê o atual cenário no Brasil e o que pensa do governo de Jair Bolsonaro (PL), Betancourt respondeu que não gosta do que vê. "Me parece que é uma visão de mundo machista, de confronto e que gera polarização. Acho que é uma regressão no tempo."

* Com Deutsche Welle e AFP