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De Abraão a Maomé: como judeus e árabes ocuparam a 'Terra Santa'

Pintura do artista húngaro József Molnár retrata a partida de Abraão para a "Terra Prometida" Imagem: Domínio Público

Do UOL, em São Paulo

29/10/2023 04h00Atualizada em 30/10/2023 17h29

Quando o Hamas invadiu Israel por terra, céu e mar no dia 7 de outubro, provocando resposta do Estado judeu, uma nova guerra entrava para o rol de conflitos e dominação que marcam a região desde que as primeiras tribos começaram a ocupar aquelas terras há quase 5.000 anos.

A origem bíblica de judeus e árabes

Apesar das desavenças, a Bíblia aponta a mesma origem para judeus e árabes: ambos são semitas, descendentes de Sem, um dos filhos de Noé. Viria do ramo de Sem o principal patriarca do Velho Testamento, Abraão.

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A promessa de Deus. Abraão era um chefe tribal nascido em Ur (Babilônia, atual Iraque) que, segundo a Bíblia, ouviu da divindade Yahweh que ele deveria rumar a uma terra chamada Canaã. Lá, sua descendência seria "tão numerosa quanto as estrelas do céu".

A origem da divisão entre judeus e árabes. Já estabelecido na "terra prometida", Abraão não conseguia ter filhos porque sua esposa, Sara, era infértil. Ela, então, permitiu que o marido dormisse com uma escrava egípcia, que deu à luz Ismael.

O caminho percorrido por Abraão, segundo a Bíblia Imagem: Domínio Público

Deus, no entanto, alertou Abraão que a promessa só seria concedida aos descendentes de um filho seu com Sara, que finalmente concebe Isaac, pai de Jacó, formando a tríade de patriarcas judeus. Sara tenta expulsar Ismael, mas Deus teria dito a Abraão que um outro povo nasceria de sua descendência.

Enquanto os descendentes de Isaac se estabeleceram em Canaã, os de Ismael se espalharam pelo que hoje é conhecida como Península Arábica.

Moisés e a escravidão no Egito. Já em Canaã, os judeus precisavam deixar aquelas terras regularmente em períodos de seca. Em uma dessas migrações, teriam sido escravizados no Egito por 400 anos, até que Moisés liberta seu povo, e fica por 40 anos no deserto até voltar a Canaã, já ocupada. A Bíblia diz que os judeus empreenderam uma guerra e retomaram Canaã.

E o que diz a arqueologia?

A arqueologia não encontrou até hoje vestígios da existência de Abraão e Moisés. A escravidão no Egito e a conquista de Canaã seriam mitos, segundo Israel Finkelstein, arqueólogo israelense autorizado pelo próprio Estado de Israel, e o historiador italiano Mario Liverani —duas das principais referências no estudo do período.

Mapa da Palestina em 830 a.C baseado em relatos históricos e bíblicos Imagem: Wikimedia Commons

Tudo indica que Canaã começou a ser ocupada por volta de 2.800 a.C, mas as primeiras cidades-estados apareceram 800 anos depois. Foi nesse período que conflitos e a miscigenação de outros povos com os cananeus formaram os israelitas no norte do território que hoje entendemos como Israel-Palestina. Eles batizaram sua região de Israel em homenagem ao deus El, a principal divindade do panteão de deuses cananeus.

As primeiras dominações. Por quase 400 anos, entre 1550 a.C e 1180 a.C, a região foi dominada pelo Egito. Depois desse período, o território gozou de certa autonomia até a chegada dos assírios em 900 a.C. Foram eles que destruíram Samaria, a capital do Reino de Israel por volta de 700 a.C.

Os israelitas que sobreviveram foram para o sul, em uma região que ficaria conhecida como Judá. Lá já viviam os abraamitas, que se diziam descendentes de Abraão e que adoravam El Shadday. Na mesma época, também emigraram do sul para Judá os judaítas, que chegaram na região por volta de 900 a.C e adoravam o deus Yahweh, todos do panteão cananeu.

Em 450 a.C, o historiador grego Heródoto chama a região de Palestina pela primeira vez. Era uma referência aos filisteus, um grupo possivelmente indo-europeu que conviveu por séculos com os povos semitas.

O verdadeiro Êxodo? Por volta de 600 a.C Judá foi dominada pelo Império Neobabilônico, que deporta da região sul toda a elite judaíta, sobrando os abraamitas, os judaítas pobres e os israelitas. "O império acreditava que destruía a cultura de um povo se levasse cativa sua elite", diz o professor de história judaica Daniel Brasil Justi, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará).

Em 400 a.C, o Império Persa domina a região, e parte dos deportados judaítas retorna à Judá.

É no contexto desse retorno que o mito do Êxodo será inventado.
Daniel Brasil Justi, historiador

"A narrativa adapta o retorno da elite judaíta do exílio na Babilônia", diz Justi. "A conquista da sustentabilidade agrícola na mesma época também pode ser uma metáfora para o fim de um período de escravidão", já que a população local não precisava mais emigrar como em séculos anteriores.

Nasce o judaísmo

Além do mito do êxodo, essa elite reformulou sua religião: ela destituiu as divindades dos camponeses, fundiu os deuses de israelitas e abraamitas como se fossem Yahweh e uniu diferentes histórias orais de patriarcas em uma só, com Abraão, Isaac e Jacó. Nasce o judaísmo no século 2º a.C, embora o monoteísmo tenha sido oficialmente adotado cem anos depois.

O domínio sacerdotal foi impiedoso com as tradições dos abraamitas e conservou pouquíssimo das israelitas. A história era escrita pelas mãos de sacerdotes.
Daniel Brasil Justi, historiador

Israelitas, por exemplo, nunca tiveram Abraão ou Isaac como figuras míticas, apenas Jacó. "No mito bíblico, o nome de Jacó é mudado [para Israel] para assimilar os antigos israelitas", diz Justi.

A expulsão dos Judeus

Em 27 a.C chega o Império Romano. Em 70 d.C, Roma enfrenta a resistência de parte dos judeus à ocupação destruindo o Templo de Salomão, mas "só após o ano 135 houve um espalhamento significativo desse povo", diz o professor. Eles foram para o que hoje é a Jordânia, Turquia e Europa Oriental.

É nessa época que o imperador Adriano elevou a Palestina —como a região já era conhecida— ao status de província.

O perfil da população se altera com a chegada das "populações helenísticas romanizadas" nos impérios Macedônico e Romano. Em 395, quando o Império Romano se dividiu, a Palestina se tornou província do Império Romano do Oriente.

Maomé e o nascimento do Islã

Enquanto judeus viviam em Judá, algumas fontes apontam que os futuros árabes descenderam de diversas tribos na Península Arábica, principalmente dos quedaristas, tribo nômade entre o Golfo Pérsico e a Península do Sinai que se diziam descendentes de Quedar, o segundo filho de Ismael.

"Não há dados precisos porque havia muita mistura na península", diz a professora da Unifesp Samira Adel Osman, especialista em história da Ásia e do islamismo. O idioma árabe começou a se formar a partir do aramaico e do acadiano ainda nos séculos 5 e 4 a.C.

Região na Península Arábica onde teriam vivido os quedaristas, tribo nômade que se dizia descendente de Ismael Imagem: Wikimedia Commons

A Palestina e a futura Península Arábica ficaram sob domínio dos romanos orientais até o século 7, quando surge Maomé. Para os muçulmanos, ele foi o último dos principais profetas, depois de Abraão, Isaac, Jacó, Ismael, Moisés e Jesus. Nascido em 571, em 610 teria recebido a visita do anjo Gabriel, que recitou versos que posteriormente se tornariam o livro sagrado Alcorão.

Em 613, ele começa sua pregação religiosa. Encontrando resistência em Meca, muda-se para Medina, onde ganha popularidade. Em 622, decide unificar a Península Arábica sob a mesma religião. Após conquistar Medina, avançou sobre Meca. Ele, então, se aliou a tribos nômades e guerreou contra outras, convertendo essas populações.

"Em dez anos ele conquistou a Península Arábica inteira, morrendo logo depois", diz a professora. "A religião e a língua deram unidade ao islã e à ideia de povo."

Ilustração retrata encontro de Maomé com o anjo Gabriel Imagem: Domínio Público

Chegada do islã à Palestina

Após a morte de Maomé, seus sucessores, os califas, iniciam uma expansão que tomou territórios dos impérios Bizantino e Persa. Os califas omiadas conquistam o norte da África, península ibérica, Afeganistão, Paquistão e Ásia Central, enquanto os califas ortodoxos avançaram sobre o Líbano, Síria, Egito e Palestina, dominada em 644.

O Império Árabe Islãmico se mantém unificado até 1252, quando os mongóis invadem e destroem Bagdá, fragmentando o império.
Samira Adel Osman

Antes disso, porém, Jerusalém se transforma em um domínio cristão em 1099. Os cruzados justificavam a necessidade de "resgatar a Cidade Santa dos inféis muçulmanos". "Era para liberar as rotas comerciais no Mediterrâneo e facilitar o acesso às especiarias do Oriente", diz a especialista.

Os muçulmanos já eram maioria naquelas terras. Todo mundo já falava árabe, inclusive judeus e cristãos.
Samira Adel Osman

Após o fim do domínio cristão em 1187, a "Terra Santa" volta ao Império Islãmico, passa para os mongóis até ser dominada em 1517 pelos turcos do Império Otomano —muçulmanos não-arábes que se converteram na expansão islãmica.

A Palestina permaneceu sob domínio otomano até 1922, quando é incorporada pelo Império Britânico após a 1ª Guerra.

Judeus voltam à Palestina

No final do século 19 começaram a surgir teorias nacionalistas na Europa. Uma delas foi crucial para o atual conflito Israel-Palestina: Em 1896, o austríaco de origem judaica Theodor Herzl fundou o Movimento Sionista.

Mapa atual de Israel Imagem: BBC

Sua tese era que a sobrevivência do povo judeu dependia da formação de um país na Palestina, onde a Israel bíblica existiu.

Quando o Império Otomano caiu e os britânicos assumiram, os judeus espalhados pelo mundo começaram a migrar em massa para lá. Essa migração foi financiada pelo Fundo Nacional Sionista e se intensificou durante a perseguição nazista.

Com a saída dos britânicos, a ONU aprovou, em 1947, um acordo que dividia o território entre árabes e judeus. Os judeus aceitaram; os árabes, não. "92% da população, dona de 70% da terra, teria de ocupar 47% do território", diz a professora.

O líder israelense David Ben-Gurion, então, declara a independência de Israel em maio de 1948. Egito, Síria, Líbano e Jordânia atacam Israel, que vence a guerra e assume 75% do território.

Enquanto 700 mil palestinos se refugiaram nos países vizinhos, sobreviventes do Holocausto migravam para Israel.

Em 2022, Israel contava com 9,4 milhões de habitantes: 6,9 milhões eram judeus, 2 milhões eram árabes e 472 mil tinham outras origens, segundo o Gabinete Central de Estatísticas de Israel.

Aproximadamente 2,9 milhões de palestinos vivem hoje na Cisjordânia e 2,3 milhões na Faixa de Gaza, segundo a Embaixada Palestina no Brasil. Em Israel, a embaixada afirma que vivem 1,7 milhão de palestinos.

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